sexta-feira, 29 de julho de 2011

A propósito de "A Noite das Mulheres Cantoras"

Segundo me parece, um bom romance há-de, necessariamente, sustentar-se numa boa história.
Claro que o suporte dado pela escrita, pelo aprofundamento das situações e, sobretudo, das personagens, também se me afiguram essenciais, embora num plano de instrumentalidade, em relação à história, propriamente dita.
Também é certo que outros elementos devem estar presentes, por exemplo, a forma de contar, em termos de despertar/manter/espicaçar o interesse pela sequência dos acontecimentos e seu desenlace.
Ora, aquilo que me surpreendeu em “A Noite das Mulheres Cantoras”, da Lídia Jorge (Publicações D. Quixote, Março de 2011), foi o facto de não ter detectado aquele primeiro elemento estruturante, ao menos nos moldes em que o concebo (note-se que a história que lhe dá título se arrasta, quase sem desenvolvimento, ao longo das primeiras 221 páginas, de um total de 317, para, a partir daí, e do seu fecho (ou desfecho), dar relevo à história – paralela, sobreposta, autónoma? - duma das personagens, Solange de Matos, cuja tessitura vem, aliás, sendo aprofundada, quase desde o início, em detrimento da das restantes, incluindo a própria maestrina, para já nem falar na Madalena Micaia …).
Ao que acresce o facto de o capítulo inicial se perfilar mais como uma barreira do que como um bilhete ou passaporte para a entrada na história. Ao ponto de me ter feito sentir a necessidade de o reler, uma vez terminado o livro. O que, de resto, me conduziu à comprovação de algumas chaves, que o mesmo já encerra, mas não daquela maneira apelativa, geradora de entusiasta curiosidade pelo que vem a seguir.
Porque prossegui, então, a leitura? Porque a levei até ao fim?
Por várias ordens de razões: em primeiro lugar, tinha tido a oportunidade de ouvir a Escritora, de viva voz, falar no processo criativo, o que me deixou maravilhada, quer pelo dito, quer pela maneira (a alma) com que foi dito; depois, o Professor do curso de Escrita Criativa em cujo âmbito ocorreu essa intervenção da Escritora, teceu-lhe rasgados elogios, aliás, reiterados por outras pessoas com as quais, entretanto, falei; por fim (e como corolário do que antecede), instalara-se em mim uma enorme curiosidade, acicatada, ainda, pelo facto de, lamentavelmente, nunca ter lido nada da Lídia Jorge.
Mas acresce uma razão maior, a de que, à medida que ia prosseguindo a leitura, aumentava o meu fascínio por aquela escrita, pela substância daquela escrita, como se estivesse perante um enredo feito de palavras e não de factos, bem como pelos pensamentos que, aqui e ali, iam deixando marca (de profundidade).
Esta razão levou-me a considerar que, excepcionalmente, a forma como a escrita é trabalhada, mas também, usada, para lançar um manto, ora de inquietação, ora de mistério, ora de encantamento, sobre a história que serve, é susceptível de constituir um elemento tão poderoso que consiga, por si só, engrandecê-la (apesar de curta, na sua dimensão evidente ou aparente) e suscitar aquele particular interesse pelo seu desenvolvimento e final.
Sendo isto o que sucede em “A Noite das Mulheres Cantoras”, acabo por o considerar um bom romance.
O que, obviamente, não passa de uma modesta opinião, pois, quem sou eu para ousar comentar, em tais termos, um livro marcado pela perfeição da escrita e da sua utilização, pela profundidade dos pensamentos deixados à solta, e pelo clima de inquietação, mistério e encantamento que, em conjugação sinérgica, dão corpo, dimensão e consistência a uma história como a das mulheres cantoras ou de uma sua noite ou de uma das cantoras?


1 comentário:

  1. Acho que lhe tinha dito mais ou menos isto: não há histórias originais. O que faz um bom romance é a escrita. Pode até não ter história.
    O que não é o caso da "Noite". O primeiro capítulo não é uma barreira, é um teaser, uma indicação de que a história vai acabar bem, o que nos leva a lê-la para confirmar esse sucesso - sendo que, pelo caminho, muita coisa surpreendente acontece. Na minha modesta opinião o que vale é a escrita mas também, neste caso, o modo como a cronologia da história de desenrola de forma não cronológica. Repare: se ela tem começado a história pelo princípio, sem aquela "introdução", talvez o leitor não se sentisse muito tentado, ao fim de cinquenta páginas...
    Mas isto é uma opinião, como tantas outras.

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