quarta-feira, 10 de julho de 2013

O MOLESKINE DE JANETE (II)

(continuação)  

O rápido afastamento de Rita - que, em segundos, se perdera na linha do horizonte, reduzida ao tamanho dum lápis - deveu-se à urgência em encontrar os outros desertores, visto se aproximar a hora da partida.
Todos eles tinham ouvido falar dum país de misteriosos contornos e, embora ignorassem exactamente quais ou, talvez, por isso, ansiavam conhecê-lo.
A chegada de Rita ditou a antecipação da viagem.
As mochilas, reduzidas à mínima expressão do essencial, não atrapalharam a subida para as Harley Davidson e as posteriores acelerações, que, passado o impulso inicial, se revelaram desnecessárias, porquanto uma inusitada e poderosa força os sugou para o local de destino, privando-os da deliciosa sensação de velocidade em crescimento.
Tudo sucedera como se um ténue véu se tivesse rasgado para os deixar passar, ou melhor, para os reclamar à presença dum qualquer interior desconhecido.
Perplexos, mas excitados pela curiosidade, estacionaram as motos, dispostos a iniciar o percurso da descoberta.
Só então procederam às apresentações, distribuindo entre si os cumprimentos próprios da ocasião e as informações básicas. Miguel, 45 anos, informático de profissão, e pintor, nas horas vagas; Janete, 25 anos, estudante universitária de Engenharia Informática; Rita, 28 anos, jornalista frelance.
Rita afastou-se um pouco, para enviar o prometido SMS a Francisco, mas reparou que o telemóvel se apagara por completo, resistindo herculeamente a todas as tentativas de reanimação, o que lhe gerou angústia, pois, bem sabendo o estado em que deixara o namorado, desejava o mais possível começar a levantar o véu da sua tão repentina quanto absurda despedida.
Solícitos, os companheiros apressaram-se a ajudá-la, mas os seus telemóveis, também atingidos por morte súbita, recusaram-se a cooperar.
Uma coisa parecia já certa, aquele não era um local propício à existência ou, pelo menos, ao funcionamento de telemóveis.
Encontravam-se, agora, num campo aberto, dominado por esguias plantas filiformes, que, por qualquer razão incompreensível, pareciam observá-los.
Não vislumbravam qualquer pessoa nem conseguiam desvendar o que o horizonte longínquo escondia.
Apenas sentiam uma fresca aragem e o toque duma luz pálida, indefinida, insusceptível de revelar se iria tombar noite ou emergir dia.
Dominados por estranha apreensão, entreolharam-se, em mudas interrogações, que não ousaram verbalizar e, como se fruto dum acordo tácito, puseram-se em marcha, todos na mesma direcção.
Não havendo sinalização alguma, o seu caminho era cego, mas, de algum modo, já todos eles tinham experimentado essa ausência nas vidas de que provinham. Tal como os passos, também os pensamentos se articularam em perfeita sintonia, levando-os a comunicar telepaticamente.
Deste modo, sem necessidade de formular perguntas, Rita ficou a saber que Miguel e Janete estavam perdidamente apaixonados e estes entenderam o motivo da partida de Rita, compreendendo, assim, que a verdadeira razão das suas deserções, não sendo idêntica, também não era, necessariamente, antagónica. Afinal, Miguel e Janete apenas queriam perder-se, enquanto Rita almejava encontrar-se.
Quanto mais caminhavam, mais longínquo parecia o horizonte e mais indefinida a linha que o separava do céu. Estranhamente, isso não os preocupava, visto não sentirem cansaço, fome, frio, falta de abrigo ou qualquer outra dependência inerente ao primarismo da sua natureza originária.
Nova coisa parecia já certa, aquele não era um local em que a sobrevivência fosse um fardo, evoluía-se e era tudo.
Subitamente escureceu e, tal como os seus lábios haviam sido dispensados de comunicar, assim os seus olhos foram dispensados de ver, com a naturalidade da imersão duma alma lisa num sono profundo, em cujas asas se deixaram transportar para a terra de todos e de ninguém, que é o enigmático mundo dos sonhos.
 
(Nota: Prevê-se continuar; de momento ignora-se como)
 
 
 

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