sexta-feira, 5 de julho de 2013

O MOLESKINE DE JANETE


ESCLARECIMENTO PRÉVIO
A narrativa que segue parte dum facto real, o achamento dum caderno de desenho de capa preta, com a inscrição do nome Janete, desenhos de uma tal Rita e uma citação que, via Google, o achador concluiu tratar-se, nada mais, nada menos, que do Conde Drácula.
A quem pertencerá o caderno? À Janete? A alguém que gosta muito da Janete? Como devolvê-lo? Eis, basicamente, as perguntas que aquele se colocou, na página de Facebook dum grupo fechado (de arte), ao qual pertenço.
Um outro elemento do grupo comentou, e bem, que a história daria um excelente ponto de partida para um argumento cinematográfico.
Eu adiantei-me, anunciando que pegaria na ideia.
Um outro – único que conheço – instigou-nos a avançar.
Foi o que empreendi, não na modalidade de argumento cinematográfico, que nem imagino como se faça, mas através da narrativa que segue, totalmente ficcionada, à excepção do facto de que parte.
Assim, para além deste, qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência, ao que acresce não ter pontos de contacto com um registo auto biográfico. 
O MOLESKINE DE JANETE (I) 
Sucedeu em 23 de Junho de 2013. Calor abrasador, 35º à sombra. O asfalto derretia sob os ténis de Francisco, não havia memória duma coisa assim. Talvez em New York, mas não se tratava de New York.
A cidade era outra, imersa num sono de despovoamento, muitos tinham emigrado, não propriamente por causa do calor, pois já em anos anteriores se acumulavam no aeroporto, debandada sem precedentes, como se fugissem duma ameaça de peste ou do vírus H7N9, vulgarmente conhecido por gripe das aves. Mas também não era isso.
Francisco era dos poucos que sobravam. A cidade pertencia-lhe quase exclusivamente. Que seria feito dos seus amigos? Já só restavam dois, João e Diogo.
Naquele dia, seguia só, enfiado numas velhas jeans e numa t-shirt cinzenta, que lhe pesavam como cobertores de lã. O modo como se movia nem parecia humano, quase poderia dizer-se que rastejava, vergado pelo absurdo peso do calor. Era alto e magro, de rosto quadrado, bem esculpido, cabelo escuro, desordenado, e uns olhos azuis que agora tinham perdido o brilho, não porque fosse velho, apenas 32 anos, mas porque dava mostras de sucumbir à lassidão da cidade, que parecia ferver em lume brando.
Havia cerca de três meses, a namorada, Rita, tinha partido com um grupo de desertores e limitara-se a dizer-lhe, poucas horas antes, em jeito telegráfico:
- Francisco, vou-me embora, não te convido porque sei que não queres vir.
Estupefacto, Francisco metralhou:
- O quê? Com quem? Como? Para onde?
- Só sei que vou, parto amanhã e, quando chegar ao destino, mando-te um SMS. Aí, talvez já saiba mais pormenores, respondeu Rita, com um sorriso sonso.
- Não pode ser. Deves estar a gozar comigo, só podes mesmo estar a gozar comigo. Então e os dois anos juntos, os projectos em comum? Estás definitivamente a gozar comigo ou então arranjaste outro. De certeza que arranjaste outro. Confessa!
- Lamento, mas é assim como te acabei de dizer, não vale a pena inventares outro. Talvez volte um dia. Estás disposto a esperar por mim?
Francisco não podia acreditar no que ouvia, tinha os miolos a ferver, os olhos raiados de fúria, os lábios trémulos e não conseguia articular mais nenhum som.
Ela aproximou-se, fez-lhe uma festa no cabelo, olhou-o com dissimulada ternura, e disse-lhe:
- Olha, querido, tem calma, um dia destes voltamos a cruzar-nos e aí vais perceber, okey?
- Uma ova é que vou perceber, eu quero perceber é já, IMEDIATAMENTE! Senão sou eu que te abandono, entendes? E nem se apercebeu do ridículo do que acabara de dizer...
Mas ela já tinha virado costas, com um encolher de ombros, tão rapidamente que, em segundos, se perdia na linha do horizonte, reduzida ao tamanho dum lápis.
Não é que Francisco estivesse verdadeiramente apaixonado por Rita, a rotina de dois anos conduzira as coisas ao estado a que costuma conduzir, mas, que diabo, tinha a vida organizada, partilhava casa com ela, dividiam as despesas e nem sequer estava em fase de atracção, muito menos fatal, por qualquer outra.
Por isso e, sobretudo, por ter sido abandonado, para cúmulo, sem saber porquê, ficou completamente de rastos. Sentiu-se traído, humilhado, feito parvo e, o pior, gozado. Sim, ela só podia ter andado a gozar com ele. Aquele tempo todo. Grande cabra, tinha-se era pirado com outro.
Naquele dia 23 de Junho de 2013, Francisco ainda pensava em Rita - de quem não tinha chegado a receber nenhum SMS -, não tanto por sentir a sua falta, mas por se sentir sufocado pelo enigma que ela criara. Afinal, com quem teria ela partido, para onde, porquê, interrogava-se. E não diminuíra nele a ânsia de retaliação, que, aliás, o fazia lançar um olhar desconfiado, agressivo, até, sobre as mulheres, particularmente, as que lhe agradavam.
Todavia, aquele ensurdecedor calor era, de momento, a prioridade do seu desconforto.
Arrastava-se, assim, em direcção a casa, onde pensava mergulhar numa banheira de água fria durante tanto tempo quanto o necessário para refrescar o corpo e esfriar a mente.
Ao passar por um estação do comboio suburbano, cabisbaixo como seguia, fixou a atenção no chão, atraído por um objecto negro, de formato rectangular, que, uma vez nas suas mãos, se revelou ser um caderno Moleskine, formato A5, papel liso, que se apressou a folhear, deparando com uns interessantes desenhos duma tal Rita e a inscrição do nome Janete, tendo concluído que se tratava de pertença desta, quem quer que ela fosse, ou de alguém que dela gostava muito.
Todavia, o que mais o intrigou foi a seguinte citação: O desespero tem suas formas próprias de trazer a calma.
Quem seria Janete, Rita e o(a) dono(a) do caderno? E o autor da inscrição?
Como que fustigado por uma onda de adrenalina, Francisco endireitou-se, estugou o passo e dirigiu-se a casa, numa urgência súbita de desvendar o enigma do Moleskine.
Adiando o mergulho na banheira, dirigiu-se ao PC, ligou-se à rede e, rapidamente, descobriu, via Google, que a citação era, nada mais, nada menos, que do Conde Drácula(de Bram Stoker).
De posse deste novo e intrigante elemento, publicou o anúncio do achamento na página de Facebook dum grupo fechado, de arte, a que pertencia, com o intuito de encontrar o(a) dono(a) do Moleskine.
Só de seguida se enfiou na banheira, após ter deixado a roupa espalhada pelo chão da casa de banho.
Tinha, agora, coisas novas em que pensar e mais um enigma a deslindar, por sinal, bem mais apelativo do que o do desaparecimento de Rita.
(Nota: Prevê-se continuar; de momento, ignora-se como)
 
 

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