terça-feira, 20 de agosto de 2013

BLESSED BE PER PETTERSON


O sofrimento dum divórcio não desejado, ainda não aceite,  porventura não compreendido, apenas porque, da parte da mulher, o amor se esgotou; o sofrimento duma morte para breve anunciada, a da mãe, acabada de ser diagnosticada de cancro letal; em qualquer dos casos, sofrimentos pungentes, viscerais, avivados por retrospectiva nostálgica, também ela vivida no domínio das profundezas dos mais subterrâneos sentimentos e emoções. Mudanças exteriores acompanhando, qual sublinhado a traço negro: a povoação dinamarquesa das férias, que já não é o que era, e, sobretudo, a queda do muro de Berlim, deixando a claro a falência do Comunismo, causa que, abraçada com tanta força e convicção, o levara, anos antes, a abandonar a Universidade e a tornar-se Operário. 
 
Tudo isto nos é contado em linguagem descritiva - praticamente sem diálogos -, vibrante, na sua assertividade - nada fica por esclarecer da pureza daquele amor inicial, tornando-se dispensável conhecer os meandros do divórcio; nada fica por revelar daquela relação filho/mãe, com traços edipianos, mas, sobretudo, com a evidência duma profunda e complexa cumplicidade -, simultaneamente tão poética e quase fotográfica - na descrição das paisagens, melhor, dos fragmentos das paisagens e dos próprios estados do tempo, as montanhas norueguesas, na sua beleza e peso, o lago gelado, sobre o qual conseguimos ver o deslizar do barco a remos, o cinzento dos nórdicos amanheceres outonais.   
 
Como se tudo isto não fosse suficiente, acrescem as múltiplas e inteligentes referências literárias e fílmicas, malha em que se tece boa parte da cumplicidade filho/mãe. Não esquecendo as referência ao Museu Munch, em Oslo.
 
Por outro lado, ao lê-lo, sempre me acompanhou a sensação de estar a ver um filme de Ingmar Bergman, tal é a natureza das emoções ali retratadas, emoções que fogem a revelar-se, contendo-se em interiores angustiados. Tal é, também, a natureza das paisagens.
 
Dumas e doutras eu entendo, ao ponto de ter começado a gostar dos filmes do IB - porventura o meu realizador favorito - ainda sem os perceber (ao nível da razão pura, entenda-se; mas comecei a vê-los ainda sem a idade requerida).
 
Acresce que amo as paisagens nórdicas, das planuras da Dinamarca às montanhas e fiordes da Noruega, passando pelos bosques da Suécia. E tudo o que é nórdico exerce sobre mim um extraordinário fascínio.
 
Assim, talvez este livro não seja para todos, mas, pela minha parte, foi um mergulho espectacular e uma comunhão emocionante.
 
Ah! Estive a falar de MALDITO SEJA O RIO DO TEMPO, de PER PETTERSON (publicações D. Quixote; 1ª edição, Junho de 2013).
 
   
 
 


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