segunda-feira, 30 de setembro de 2013

SEXO NAS AUTÁRQUICAS

Agora que já passou o período de reflexão, já votei, já deixei passar a fase de todas as proclamações (de vitória, calculo!) vou resumir  a minha sensibilidade sobre os resultados das chamadas autárquicas.
 
Previamente, devo advertir que posso não ter um conhecimento muito rigoroso dos factos, pois não segui o acontecimento por esse grande meio de comunicação que é a TV, aliás, vi uns bocadinhos, na casa onde jantei, e, quando regressei à minha - já quase todos os dados jogados, ao menos os mais relevantes - quebrei um jejum de cerca de dois meses e premi o botão do comando. Mas aí deparei-me com um enorme alarido de aplausos a um tal Isaltino, às costas de quem parece que a Câmara de Oeiras foi parar às mãos dum tal Vistas, e, bem vistas as coisas, isso causou-me uma certa agonia, porque pensei logo naquela frase feita, o crime compensa, e eu fui educada a acreditar que o crime não compensa e, então, mudei imediatamente de canal. Apareceu-me, então, o irrevogável Dr. Portas, salvo erro a dizer que o partido dele tinha alcançado uma vitória  - e, assim sendo, já não havia necessidade de roubar mais os reformados, esta parte sou eu a inventar, claro! - e aí fiquei um bocadinho mais agoniada, para dizer a verdade, não liguei nenhuma, fiquei foi muito contente, pois reafirmei a minha convicção de que não perdia nada em não ver televisão e, aí, desliguei alegremente o LCD ou lá como se chama aquela coisa espalmada e fui escrever e outras coisas. Também pensei que, hoje de manhã, logo ouviria a TSF, ao acordar, e a Antena 1, ao tomar o pequeno almoço, e, depois, outra vez a TSF, enquanto o duche e enquanto a condução.
 
Portanto, repito, não estou muito bem informada, mas para isso temos os senhores comentadores, pessoas muito inteligentes e esclarecidas, para mais ex-políticos ou, simultaneamente, ex e futuros políticos, como me parece ser o caso daquele que andou (ou anda) a estudar em Paris, França, alegadamente com um empréstimo bancário, e que, também alegadamente, terá dito que a dívida existe para isso mesmo, para os países se endividarem até ao delírio final, no que se mostrou plenamente coerente com a sua prática dum dos mais não sei como dizer ex-primeiros-sinistros de Portugal, e que, ou me engano muito ou ainda virá a ser presidente da república, mas, retomo, a mim ninguém me paga para comentar, não sou comentadora - mas é uma pena - e, portanto, também não se deve esperar grande rigor nos factos apresentados ou nas suas interpretações. Nem, de resto, estou aqui para influenciar ninguém. 
 
Então, antes que se faça tarde, aí vai (a ordem é arbitrária):
 
Primeiros: Ouvi há pouco - na TSF - que a abstenção foi muito elevada, logo aduzindo um senhor (não me lembro o nome, nem sequer dei atenção) que isso resulta de os portugueses já não acreditarem nos políticos. Peço imensa desculpa ao senhor de que não sei o nome - e a todos os comentadores que exprimam a mesma opinião -, mas eu acho que os portugueses não vão votar pelo simples facto de que não acreditam neles próprios. Ou então são comodistas, ou estão doentes, emigrados ou mortos. Enfim, qualquer coisa do género.
 
Segundos: O medo do papão dá mostras consistentes de querer começar a desaparecer, assim indicam os resultados do PCP/CDU. Pelo menos uma parte dos portugueses anda muito valente e saída da casca. Ou então os candidatos foram todos escolhidos com elevado critério estético, talvez com recurso a algum catálogo de modelos, como o de Lisboa. Não sei. A ver vamos.
 
Terceiros: Em contrapartida, parece que o Bloco (de Esquerda) - o de Direita, a gente sabe... - se espalhou ao comprido, talvez, descuidadamente, tenham deixado cair um pouco de caviar. O Dr. Louçã deve sentir o ego reforçado, mas isto pode traduzir, apenas, maldade minha.
 
Quartos: O PSD não escorregou, mas parece que levou um grande tombo, empurrado da cadeira, sabe-se lá por que malvada e pouco reconhecida fatia da população, que isto da austeridade não é bem aceite por todos, sobretudo por aqueles a quem calha pagá-la. Digo eu.
 
Quintos: E daí talvez não, porque - e sou só eu a criar factos políticos -  talvez grande parte dos que empurraram o PSD foram desaguar ao PS, sabe-se lá com que absurda esperança de que, mudando as moscas, mudasse aquela coisa em que as moscas adoram pousar (e que me abstenho de nomear, não vá perder as minhas poucas hipóteses de vir a ser comentadora, à séria, bem paga, que estou a precisar). Agora imagine-se o que seria se o PS tivesse um líder seguro! não haveria costa que não conseguisse alcançar. Não que isso mudasse alguma coisa, quanto ao essencial. Mas isto também sou só eu com a minha estúpida mania de pensar.
 
E é tudo o que se me oferece dizer.
 
Peço imensa desculpa aos que, aqui chegados,  ainda não encontraram as notícias escaldantes sugeridas pelo título.
 
Nem vão encontrar! 
 
Eu até podia inventar qualquer coisa a esse propósito - não sendo, aliás, difícil, criar um trocadilho, dado o estado do País -, mas prefiro confessar que apenas pretendi forçar a leitura deste post.
 
E, desta vez - mas só desta! - nem sequer fui original, pois encontrei a ideia numa qualquer publicação no Facebook. E achei graça. Espero que também achem.
 
Pelo menos não se zanguem comigo!
 
Afinal, o que faz falta é ... sentido de humor e ... votar e... mais umas coisinhas.  
 
 
 

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O AMOR, ESSE IMORTAL!

 
Tudo começa com o gesto duma idosa (A senhora teria talvez sessenta, sessenta e cinco anos), sozinha numa piscina, seguindo as aulas do jovem professor de natação. A pungente comicidade dela cativou-o e essa comicidade era notada também pelo professor, como deixou transparecer na sua máscara de contenção do riso (in p. 11).
A aula terminou, a senhora saiu da piscina, afastou-se e quando se encontrava a quatro ou cinco metros do professor de natação, virou a cabeça na direcção dele, sorriu-lhe, e fez-lhe um sinal com a mão… Aquele sorriso, aquele gesto eram de uma mulher de vinte anos! A mão como que voara com uma ligeireza encantadora. Como se, por brincadeira, ela atirasse ao amante um balão de muitas cores. O sorriso e o gesto eram cheios de sedução, ao passo que o rosto e o corpo já nada de sedutor tinham. Era a sedução de um gesto afogado na não-sedução do corpo (in pp. 11 e 12).
Esse foi o gesto! O jovem professor de natação, incapaz de se conter por mais tempo, rebentou a rir (in p. 12). Ele, o escritor dentro da escrita, inspirou-se para dar vida à personagem dum romance, talvez na esperança de ganhar a sua quota de imortalidade - digo eu.
Ele, Milan Kundera, o romance, A IMORTALIDADE.
O gesto, transplantado para a personagem Agnès e usurpado, na típica mímica de imitação de irmã mais nova, mas não só,  pela personagem Laura – agora ajustado a adequados rostos e corpos – vai acompanhando o desenrolar da narrativa, marcando a ideia de sedução como quem sublinha o tema do amor – tão grato a Kundera, tão grato a tantos de nós! - ou dos amores, que são vários nas suas manifestações: o amor de Agnès ao seu mundo interior (que prevalece sobre o amor a Paul, o marido, a Brigitte, a filha e, até, o amor à evasão dos esporádicos encontros com o seu amante ocasional, levando-a a erigir em prioridade o afastamento de todos eles); os vários e combativos amores de Laura (a coleccionadora de amores, a mulher mais velha do que o homem - in p. 106 -, relação condenada ao anonimato imposto pela normatividade vigente, a eterna apaixonada pelo cunhado, Paul, que vai seduzindo através da exibição duma pretensa fragilidade, até que…); o amor das filhas pelos pais (de Agnés e de Brigitte, com nuances de expressão dúbia, no caso desta última); os diversos amores de Paul (dos tranquilos e convencionais, à mulher, à filha, à nova mulher, ao menos convencional e tão recordado, à sua ametista - in p. 108 - mulher mais velha, permissiva mecenas); o amor de Bernard por Laura , mulher mais velha (tão excitante quanto protegido, na negação da sua assunção social); os diversos amores dos diversos amantes, etc..
Sem esquecer o amor de Bettina a Goethe (acima de todos os seus outros amores), qual pano de fundo ensaístico para este inesgotável tema, mas também, para o tema que dá título ao livro, a imortalidade, pois não pode ignorar-se a sugestão de que Bettina não procura (apenas?) o amor, mas (sobretudo?) a colagem à imortalidade.
E aqui reside a ponte – aliás, não (necessariamente) estabelecida – entre o amor e a imortalidade (se é que o Autor pensou sequer em sugerir tal ponte).
A ideia da imortalidade é-nos apresentada – e não vejo que pudesse ser doutra maneira -, como o que fica de quem passa, ou seja, aquilo que, após a morte - embora se conquiste em vida - permanece numa  qualquer memória colectiva, aquilo que fomos capazes de deixar; com uma particularidade, aquilo que fomos capazes de deixar não somos nós, mas tão só a imagem que de nós foi apercebida. Sublinhem-se, a este propósito, os curiosos diálogos post mortem – só podiam! – entre Goethe e Hemingway (que bem escolhido, este!).
Ainda a propósito, é introduzida a problemática da supremacia (ou soberania absoluta?) da imagem – outra ponte para a senhora idosa? Não creio, mas podia explorar-se esta hipótese –, do que parece sobre o que é (o eu) ou, em termos mais sociológicos (do que psicológicos), da imagologia sobre a ideologia. Aqui, novamente, em jeito ensaístico, longe do estilo romanceado da catalogação do livro.
Em resumo, um livro em que os estilos (ensaio, romance) e os temas (imortalidade, imagem, fim das ideologias, amor, sobretudo este) se somam (não necessariamente articulados, parece-me, mas abrindo espaço à descoberta ou invenção de inúmeras conexões escondidas).
Enfim, um livro com pensamento e um livro para pensar, portanto, um bom livro.
Mas eu talvez lhe tivesse chamado, O AMOR,  ESSE IMORTAL. Não é este o seu leitmotiv?
 
Nota: transcrições/citações, a partir da edição de Publicações Dom Quixote, Lda., 1ª edição, Junho de 1990
 
 

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

É ISSO, O OUTONO!


(MINHA ESTAÇÃO PREFERIDA)

Peço aos meus olhos que não escutem ruídos externos, perturbadores, não se deixem distrair.
Desligo o rádio, apago o CD. Conduzo de janelas abertas.
Peço aos meus olhos que escutem os segredos do vento, cantados às árvores, lá no alto. E a voz dos pássaros, que se preparam para a despedida. E o tombo macio dos primeiros pingos de chuva.
Peço aos meus ouvidos que não se deixem distrair por imagens fúteis, tipo, cartazes de campanha eleitoral, matrículas doutros carros, coisas assim, inúteis.
Peço-lhes que fiquem atentos, que dêem atenção à poça de água, fruto da primeira chuva, à primeira castanha a alcançar o chão, ainda envolta no seu manto de espinhos, à promessa de mudança de cor nas folhas tombadas à beira dos caminhos, envoltas, já, em seus quentes dourados, castanhos, avermelhados, amarelos, tons quentes, aconchegantes, aos frutos pendurados na espera da apanha (sentirão medo, os frutos, quando são colhidos? Que, quando são trincados, melhor nem pensar!).
Peço aos meus lábios que sustenham a respiração, aos meus pulmões, que parem de bater, ao meu coração, que se expanda em larga distensão, colocando à justa distância o diafragma.
Peço aos meus pensamentos que deixem de sentir e aos meus sentimentos que deixem de se preocupar com o conhecimento e a razão.
Peço ao meu corpo que se descontraia, que se desprenda das raízes da sua natureza próxima.
Peço-lhe que se pacifique, que se recolha à plenitude da natureza originária.
À Natureza. Não é isso a Natureza?
Ah! E não peço nada às minhas mãos, porque já vão a conduzir e a tirar fotografias.
Enfim, peço-lhes isso.
 






















 
 
 

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

O TALENTOSO MR. ALLEN


Mais uma vez, Woody Allen conseguiu transcender-se, tal como sucedera com Match Point. E, mais uma vez, fê-lo duma forma magnífica.
 
Não que W.A. precise de se transcender para ser magnífico. Ele é-o, naturalmente. Assim, quando apelo ao conceito de transcendência, não me refiro a uma qualquer espécie de superação, mas a uma completa mudança de registo, dom com o qual nem todos os Artistas, por melhores que sejam, merecem a graça de ser contemplados.
 
Blue Jasmine é, indubitavelmente, uma boa história, mas, em minha opinião, não reside aí a sua principal qualidade, aquilo que o diferencia de qualquer outro filme com semelhante objecto de narração (afinal, financeiros burlões, mulheres e homens traídos ..., who cares?).
 
A diferença - qualitativa - está, desde logo, na maneira como a história é contada, reveladora, nomeadamente, dum absoluto domínio dos tempos da acção, tal a mestria com que os flashbacks são introduzidos, de modo a deixarem-nos a sensação duma sequência perfeitamente síncrona (símbolo da linearidade do percurso para o desastre?).
 
A diferença reside, também, no ritmo e, sobretudo, na (profunda e constante) tensão, transmissora (e geradora?) dum permanente estado de alerta, de inquietação e de angústia - tal como em Match Point.
 
A diferença encontra-se, máximo dos máximos, na densidade conferida à análise psicológica da personagem principal, aliás, em mais uma brilhantíssima interpretação da Cate Blanchett - que se sente nos mais mínimos gestos da sua expressão corporal, de que destacaria, obviamente para além do rosto, as mãos.
 
Com mais este filme, a par do anterior Match Point, creio poder dizer-se que W.A., um dos mais preciosos ícones do humor inteligente, em clima de auto análise, se constrõe um  outro ícone, o da tensão das profundezas da mente humana (qual novo Ingmar Bergman, salvaguardadas as diferenças de estilo e de conteúdos narrativos). Com um fundo negro, pelo peso explícito (e implícito), mas que não é humor. Nem era necessário que fosse. Antes pelo contrário. A matéria poderá, ainda, ser a mesma, a abordagem e a dimensão, manifestamente diferentes. Mas sempre magníficas.
 
E, todavia, há uma marca constante, denunciadora da autoria: a óptima banda sonora jazzística, também ela introduzida com um acerto notável, cumprindo (apenas) o papel dum oportuno sublinhado.
 
E há, ainda, as referências ao Xanax , ao Prozac, à ansiedade, claustrofobia e medo da morte. Mas estas, creio eu, nunca poderão desaparecer dos filmes do talentoso Mr. Allen, seja qual for o seu registo (e ainda bem, pois as imagens de marca, quando boas, devem manter-se).
 
Enfim, se Blue Jasmine não ganhar, pelo menos, os Óscares para melhor filme, melhor realizador e melhor actriz principal, vou ficar muito decepcionada. E só não prometo fazer greve ao cinema, visto não gostar de prometer o que não posso cumprir.