sexta-feira, 15 de novembro de 2013

"AS PRIMEIRAS COISAS"


No início é a angústia, o desamparo e, sobretudo, a derrota do regresso ao Bairro Amélia, bairro social da Margem Sul, à casa materna, recém-despedido (pela Ana Mendes, grande cabra) e recém-separado, isto é, desapossado da evasão (a vida para além dali) que conseguira ou julgara ter conseguido construir. Depois, é o sombrio aterrar neste novo mundo, novo apenas porque dele se sentira evadido, pois, como se verá, não passa do seu velho mundo, ou melhor, do seu mundo interior, porque há origens que, queira-se ou não, não se esquecem (nem nós delas nem elas de nós). Segue-se a escuridão, a tentativa de organização do caos e um mergulho profundo na impossibilidade. É o prólogo.
 
O regresso à superfície passa pela revisitação das origens - dir-se-ia mesmo que a impõe - e aí desfila a fabulosa galeria de personagens do Bairro Amélia, expostos se não até aos ossos, pelo menos até ao âmago da alma (ou seja lá do que for que nos faz gente). Trata-se, aqui, dum retrato cru, intenso e, sob o ponto de vista psicológico, duma notável profundidade. Feito a partir da (tocante e angustiada) interioridade dum conhecimento  testemunhado e, ao mesmo tempo, da (lúcida e, por vezes, sarcástica) exterioridade  dum distanciamento perspicaz.
 
A escrita é fluida, vívida e duma grande riqueza imagética. E contem uma originalidade, apresenta os personagens um a um, mas fá-lo com uma tal mestria que se apercebe como um todo indissociável, como se fios invisíveis e insuspeitos unissem aquelas vidas. Como, seguramente, uniram. Poderia até dizer-se que o personagem, enquanto representação simbólica dessas vidas e seu criador, é o Bairro. 
 
Chegou a altura de dizer que me refiro ao  romance de Bruno Veira Amaral, intitulado AS PRIMEIRAS COISAS, que,  como se depreenderá das palavras precedentes, espero seja o 1º de muitos.
 
Cheguei a ele através duma publicação no Facebook, em que se dava nota da respectiva apresentação pelo (outro grande) escritor José Rentes de Carvalho. Com um apresentador destes, só pode ser bom - pensei. Partilhei na minha cronologia para não esquecer - eis uma das vantagens do FB, a de bloco-notas e/ou agenda, em que vou anotando referências de carácter cultural, para mais (cedo que) tarde recordar e usar - e, quase de seguida, comprei. Depois foi o que se imagina: li, quer dizer, "devorei" e não resisti a escrever sobre.
 
Resta lembrar que o Autor tem um blog, onde postou o texto lido quando da apresentação do livro: http://circodalama.blogs.sapo.pt/.  Aí encontrei resposta para algumas questões suscitadas pela leitura.
   
E só mais isto: No Prólogo não pude deixar de me lembrar do magnífico Per Petterson (já aqui referido nos posts intitulados BLESSED BE PER PETTERSON, de 20/08/2013, e "CAVALOS ROUBADOS", de 5/10/2013) e, já quase no final, veio-me à ideia António Lobo Antunes.
 


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