domingo, 2 de março de 2014

O PRIMEIRO ENCONTRO COM ARTUR ADRIANO


Estava sentada à mesa do café, hábito tão habitual  nas vidas dessa altura, de tomar a bica a seguir ao almoço, adoçada com uma hermeseta, ou talvez não, as hermesetas chegariam mais tarde, meio pacote de açúcar, a companhia dum pastel de nata, e não se sabe se de mais alguém, alguma amiga, talvez, mas já lá vai tempo demasiado para recordar o acessório. Ele aproximou-se, a melena alourada pendendo da direita para a esquerda ou ao contrário, sobre a testa alta, os lábios carnudos, tão sexy, enrolaram-se, posso sentar-me?, porquê?, subiram os olhos de gazela, e ele, gostava de te conhecer. Sentou-se, pois, o tempo justo para vinte e cinco tostões de palavras, longínquos estavam os cêntimos, a desaguar na troca dos números de telefone, e a deixá-la sob o charme do imediato da atracção física e duma indesmentível allure. Um protótipo, o protótipo do idealizado, isso é que ele era.
Voltou à mesa dos amigos e, mais tarde, viria a dizer-lhe que aquilo de a interpelar fora uma aposta, apostara em como conseguiria ser admitido à mesa dela, ela queria lá saber, nem sequer se sentiu objecto, como é cliché sentir-se qualquer sujeito de apostas, excluídos os cavalos de corrida e os galos de luta, aí é normal. Focava-se no que ia sucedendo e o facto foi que ele veio ter com  ela, de sua livre e espontânea vontade, e lhe pediu o número de telefone, para contacto futuro, como veio a acontecer, logo nos dias próximos, talvez no mesmo dia, mas inventar não vale, quando a memória estacionou demasiado longe, para mais fora de parque demarcado. Não fora ela a pedir-lhe que viesse, nem reparara nele, embora, nas afirmações de mais tarde, ele também o tenha insinuado, afirmado, aliás, duma maneira assim, tu fartaste-te de olhar para mim, para a mesa onde eu estava com os meus amigos. Ela achou estranho, não se lembrava nada de ter olhado assim, de ter, sequer, olhado, talvez já fosse ele a escapulir-se da vontade de estar com ela, como se fizesse mal gostar ou, pelo menos, estar interessado em alguém, ainda que transitoriamente. Não ligou nenhuma, ela, aliás, não ligou o suficiente e mais valia que o tivesse feito. Teria evitado muito depois, quer dizer, teria, então, evitado muito do depois. Mas são vidas, frase por que ele tinha elevado apreço e que imputava a uma amiga sua, sublinhava, enlevado, colocando-a, à amiga, nos píncaros dum qualquer Einstein, adaptado a génio de frases profundas, repletas de abismais certezas filosóficas, são vidas, grande treta. 
E foi assim, no encontro provocado no café, que começaram a cruzar a superfície das suas vidas. A cruzar a superfície das suas vidas, aí está uma frase que ela lhe deveria ter arremessado, em alguma ocasião de oportunidade, para devido ofuscamento da frase da treta, são vidas, também para que ele pudesse renovar o dicionário de citações de amigas cativas na memória. Sempre seria uma frase mais longa, pelo menos. E melhor, quer se queira, quer não. Mas, por essa altura, ela ainda não cultivava frases, nem, e isso é o pior, arremessava defesas, bem, defesas desse género, que as outras cedo se impuseram, na anomalia das fugas e negações e arremedos de.
Pouco tempo depois, iria dançar a primeira dança com Artur Adriano.  
 
 
 
 
 

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