terça-feira, 29 de abril de 2014

A VERDADEIRA ARTE DO BEIJO ÚNICO


 
Tendo sido educada a cumprimentar com dois beijos, deparei-me, há largos anos, com uma moda adquirida por certas pessoas, traduzida na simplificação para um só beijo. Insisto no adquirida, visto me referir a pessoas com educação idêntica à minha, mas que, vá-se lá saber por que razão ou ambição, resolveram mudar de hábitos osculatórios, numa imitação barata daqueles que - eles sim, os genuínos - sempre se tinham cingido a um só beijo.
Ainda me lembro da primeira vez em que me deixaram com a cara pendurada, por assim dizer.
A coisa passou e só daí a muito tempo voltei a sofrer a afronta da bochecha desprezada, embora eu propriamente dita, no meu todo uno, não me tivesse sentido como tal.
Verdadeiramente, achava ridículo este pretenso novo hábito, não por ser avessa à novidade, antes pelo contrário, mas porque, como diria o Diácono Remédios - esse fabuloso boneco do Herman José - não via que houvesse nexexidade, para além de que detesto imitações (por isso, em matéria de marcas apetecidas, só tenho uma mala Burberry e uns óculos Versace, genuínos; devo confessar a possível excepção da mala Louis Vuitton, que veio de Marrocos, não podendo, assim, garantir o respectivo pedigree).
Então, por pura e inofensiva brincadeira, resolvi adoptar a estratégia de colher presas desprevenidas, ou seja, apanhar os beijadores dum só beijo em maré de distracção e cumprimentá-los à sua (adquirida) maneira. Foram momentos divertidíssimos, porque me fartei de abandonar caras penduradas... Mas deixei-me disso, divertimento tem limites e, quando é parvo, cansa depressa.
Mais tarde, deparei-me com uma espécie difícil de conciliar, a dos casais em que um é adepto do beijo só e o outro não se contenta sem os dois beijos, assim tipo, um ser adepto do Benfica e o outro do Sporting (ou vice-versa...). Estes requerem especial atenção, não vá a gente trocar e espetar os dois beijos ao que só está disposto a dar um e, em contrapartida, deixar o outro com a cara à banda - equivalendo a dar os parabéns ao benfiquista, por uma goleada (creio que esta fantástica palavra  existe mesmo!) do Sporting, e vice-versa. Em semelhante caso, muitas vezes baralho-me, mas, como me parece tratar-se dum assunto abaixo de menor, limito-me a dizer coisas do género, lá me enganei eu outra vez, desculpa lá o excesso, fica já um de reserva para a próxima, etc.
Todavia, quando vejo alguma alminha levar o assunto demasiado a peito, a pontos de, talvez, se sentir traumatizada quando não lhe obedecem ao comando de beijo único, encho-me de cautelas, não significando isto que, por vezes, não falhe, estendendo, prazenteiramente, a 2ª bochecha. Afinal, sou humana, e não posso arcar com as idiossincrasias alheias - as minhas chegam-me e sobram-me, uff!
Talvez pensando na minha tendência para o desacerto (neste domínio, entenda-se), um distinto e, aliás, simpático senhor, com o qual me encontro ocasionalmente - aí uma ou duas vezes por ano, em casa de familiares -, descobriu uma maneira fantástica de resolver o problema. Então é assim, em vez de oferecer a bochecha direita, apresenta a esquerda, o que, para uma pessoa avisada (por sucessivos antecedentes de falhanços, ou seja, eu), é sinal inequívoco de que o cumprimento acabou ali e pronto. Estou certa de que, em pessoa não avisada, deve funcionar à mesma, porque ou pensa que o personagem é canhoto (de cara) ou constata que não dá jeito nenhum trocar as voltas às bochechas, sob pena, inclusivamente, de ficar com um torcicolo.
Ora bem, são pessoas assim, cheias de criatividade e empreendedorismo, que admiro!
Deixo aqui a solução, em favor dos adeptos da osculação poupada, que, porventura, ainda não tenham, descoberto a verdadeira arte do beijo único.
   
 
 
 
 
  

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