quinta-feira, 10 de abril de 2014

OXALÁ!


Movia-se tal um corpo descaído, o pescoço dobrado em semiarco, olhos arrastados pelo chão, lavando desperdícios alheios. Não era um cão, era um homem, pelo menos, tinha sido, quem diz homem diz mulher. Não precisa ter idade definida, não pode é ser criança, adolescente ou muito jovem, não seria justo. Não seria justo?, coisa mais idiota, mas alguma vez poderá reclamar-se de justiça o que não passa do puro domínio do agravo, da ofensa gratuita, do riso desalmado dum qualquer pesadelo sem nome nem matéria nem alma?
O espírito vagueou-lhe, foi o que foi. Partiu para o destino sem regresso dos vencidos, não necessariamente os que se deixam vencer, mas aqueles que a vida vence, apesar de tudo, sobretudo apesar deles próprios, é bem possível, que isso do livre arbítrio e da força do pensamento positivo ainda está a anos luz de cabal demonstração.
Será que tinha um cão para tomar conta dele e escrever os farrapos da sua biografia, como no Timbuktu, do Paul Auster? Será que, em criança, tinha conseguido planar, como Mr. Vertigo, do mesmo Paul Auster?
Não sei, só sei que lhe chamavam sem-abrigo, ignoro se era nome ou condição. Ou, mesmo, se era, tecnicamente, sem-abrigo ou um qualquer sem-abrigo de luxo. Ou, até, se foi apenas um dia ruim e se, no dia seguinte ou umas semanas depois, se movia qual passo destemido, com os olhos erguidos para lá do pensamento. Oxalá!
 
 
 
 
 

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