quarta-feira, 16 de abril de 2014

QUE SERÁ FEITO DE MISTER LONELY?

 
Como poderia o silêncio prender duma maneira tão surda e eficaz? Mas foi isso mesmo que aconteceu, aquele silêncio tomou-lhe  o sangue e, quando desaguou no coração, explodiu na mais profunda das ausências, comeu-lhe o tutano dos ossos, manietou-lhe os músculos e deixou-lhe a boca seca de ansiedade e angústia. Se deixou algum espaço? Pois deixou, o espaço para a percepção duns mínimos sons, por definição, só podiam ser mínimos, os sons ampliados na esplanada vazia do silêncio maior. Uma espécie de campainhas longínquas, de proveniência indecifrável, impossíveis de desligar, justamente por isso, por não se lhes conhecer a origem e, sobretudo, pela inegabilidade do silêncio. Assim, aquele assombroso  e espesso silêncio tornou-se símbolo da solidão maior, a que se impõe, impondo a percepção ininterrupta de vultos outros, difusos, sem os quais não seria, obviamente, solidão.
Ele não confessava aquele silêncio a ninguém, nem admitia que se lhe notasse. Não suportava algazarras sem sentido, sobretudo as exclusivamente destinadas a silenciar silêncios, ainda menos as, porventura, destinadas a silenciar o seu silêncio. Puro fingimento, umas e as outras, assim pensava. E aquele silêncio era dele, talvez a sua única verdadeira criação, infeliz criação, aqui para nós. Mas não, ele reivindicava aquele silêncio, não porque se sentisse bem no ninho da ansiedade e da angústia, amarrado naquela prisão, sangue envenenado, exaustão, mas porque sabia, de certeza absoluta, que só ele podia espatifar as grades daquele silêncio. Não estava ao alcance de ninguém retirá-lo do universo das campainhas longínquas, indecifráveis e ininterruptas. Talvez, só de alguém que, sem necessidade  de ele se revelar, lhe trouxesse uma bela música ou até palavra, suave, encantatória, que o fizesse vir à superfície do poço de águas negras, despertar os sentidos, de maneira a esquecer, naturalmente,  a latência das campainhas , recuperar o bater calmo do coração, desinundado do veneno do silêncio, daquele silêncio, poder, enfim, desfrutar do silêncio da quietude e não do ground zero da ausência.
Conheci-o, era engraçado, chamava-se a si próprio, Mister Lonely - embora não por palavras, mas pela camurça macia do olhar, e apenas perante quem conseguisse perceber a sua espécie de silêncio, porque, como ficou dito acima, tinha horror a expor-se.
Que será feito de Mister Lonely?   





 


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