domingo, 12 de outubro de 2014

E TU, QUAIS SERIAM AS TUAS PALAVRAS?

Já sei, vais perguntar-me o que escolheria fazer, perante o anúncio de que apenas dispunha de mais um dia de vida.
Nada disso, isso não passa dum cliché e, como sabes, se há coisa que detesto são clichés. Aliás, nem sei onde foste buscar essa ideia, a que propósito te faria uma tal pergunta?
Sei lá, lembrei-me! Fizeste um anúncio tão solene e sombrio, vou perguntar-te uma coisa e quero que penses bem antes de responder, pois procuro uma resposta definitiva… Aliás, costumas fazer perguntas tão estrambólicas!
Ok., a pergunta é, quais seriam as tuas últimas palavras ditas, se soubesses que ias emudecer?
Eu não digo, perguntas estrambólicas, que horror! E por que raio havia eu de emudecer?
Sabes que a vida é assim, tão depressa podes ter voz como deixar de ter…
Claro, o que há mais são casos de mudos súbitos, as notícias estão cheias disso, está visto! Olha, e se deixasses de inventar?
Não se trata de invenção, mas de equacionar uma possibilidade, não digo uma probabilidade, mas, insisto, em tal hipótese, que palavras dirias? Refiro-me apenas a palavras, palavras soltas, não frases.
Pois claro, só podia, numa tal hipótese, uma pessoa, em vez de dizer qualquer coisa óbvia, tipo, Agora é que estou lixada, É chato, mas, a bem dizer, não fará assim grande diferença, já não falava muito, M., nem sequer vou poder comunicar por telefone, Lá vou ter de aprender linguagem gestual, Nas viagens é que vai ser f., Não é caso para dizer que o mundo perdeu um prodígio da comunicação verbal, Nunca mais precisarei dum megafone
Ei, para lá com isso e poisa no tema!
Então retomo, numa tal hipótese, em vez de dizer qualquer coisa óbvia, embrulhada numa frase, desatava a proferir palavras soltas, desligadas, até que a voz falhasse de vez, era isso?
Siimmm!
E ainda por cima palavras suficientemente pensadas... Sei lá! Deves estar meio maluco! Mas vou tentar…
Pensa bem, não te precipites.
...
Não consigo, não consigo reduzir a simples palavras de última hora, ainda por cima desgarradas, todos os ditos e não-ditos, todas as memórias e esperanças, todas as frustrações e receios, toda a plenitude e todo o vazio, tudo o que perpassa tudo isso e muito mais. Bem, talvez fizesse uma coisa, mas não sei se a consideras uma palavra solta, pensava nos que amo e dizia, adoro-vos. Sem mais. A seguir ia beber um sumo de limão adoçado com mel, na esperança de que a voz permanecesse.
Ora, pensei que dirias outras coisas, tipo, mãe, pai, vento, chuva, lua, mar, montanha, lobo, esquilo, neve, glaciar, noite, luz, galochas, lápis, livro, papel, árvore, helicóptero, carro, bicicleta, triciclo, cinema, magia, divagação, leveza, ascensão, belo, serenidade, viagem, azul, gato, cavalo…
Muito bonito, mas não vale a pena continuares, acabei de perder a audição, ahahah.
Não levas nada a sério, não é?
Desculpa, não ouço.

Nota: imagem obtida em pesquisa  Google
 
 
 

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