segunda-feira, 24 de novembro de 2014

AS PALAVRAS DO TEU OLHAR


Os teus olhos estendiam-se lá para longe, bem longe, enquanto os meus não descolavam dos teus.
Tentei, desesperadamente, percorrer a passadeira que separava os teus olhos do objecto da sua perdição, mas não consegui chegar a lado nenhum. Não admira, revelou-se um percurso nada linear, parecia desdobrar-se em várias direcções, deixando-me perdida em idas e voltas labirínticas, como quando se percorre uma árvore genealógica rica de familiares, episódios matrimoniais e filiações ilegítimas.
A inquietação moía-me os neurónios e comecei a cirandar pela sala, saltitante na tentativa de adivinhar,  onde te perdes de pensamentos, pior, de sentimentos, tão ausente nesse teu olhar perdido? Se me visses e ouvisses, havias de rir, pois quem estava perdida era eu, perdida no labirinto das hipóteses desalinhavadas que a minha mente urdia, na criatividade do medo e da suposição.
Bem queria aproximar-me, mas receava não aguentar o regresso do teu olhar, interrompido na sua lonjura. Bem receava aproximar-me, mas precisava de saber como regressariam os teus olhos desse lado outro, longínquo.
Dei mais umas voltas pela sala, como se o tagarelar dos sapatos no chão de tábua cor de caramelo me fosse um calmante imprescindível, ou melhor, um conselheiro essencial, o supra-sumo da razão,  na (urgente) hora de agir.
Posicionei-me atrás do sofá em que te recostavas, aproximei-me com cautela da tua nuca, desembainhei as mãos dos bolsos das jeans - não sei bem porquê, mas quando estou nervosa começo a enrolar as mãos nos bolsos -, esfreguei-as nas pernas das jeans, para secar algum resto de suor imaginário, e comecei a minha cena da tua ressuscitação, sem saber quem esperar de volta. Soltei as mãos no teu pescoço, num movimento descendente, lento, suave, como água morna deslizando sem pressas, detive-me o tempo de abrir os primeiros 3 botões da tua camisa azul, não contando com o do colarinho e o seguinte, esses já abertos e libertos da gravata, evoluí até aos ombros, parei nas omoplatas, regressei à nuca e continuei, em deambulações aparentemente sem tino ou destino certos, tal como tinha andado na passadeira que media a distância entre os teus olhos e o objecto da sua perdição. Isso sim, com grande suavidade e perfeita cadência, que me levaram a semicerrar os olhos, enquanto sentia os teus músculos derreter sob as minhas mãos.
Sobressaltei-me quando as tuas mãos prenderam as minhas num abraço forte e viraste a cabeça para trás, trocando os teus olhos nos meus. 
Não perguntei, em que estavas a pensar?, mas respondeste, sabes em que estava a pensar? Sorrias, ao mesmo tempo que me puxavas para ti. Que interessa isso?, pensei, mas não respondi, apenas um sorriso, e tu disseste... 
Não sei o que disseste, mas as palavras tinham-se tornado o absoluto da desnecessidade.
 
    
 
 
 
 
 
 
 
 

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