sábado, 23 de maio de 2015

SOUMISSION


Há largos meses, passeando por uma revista francesa, não me lembro qual, fiquei a saber que se aguardava a publicação dum novo romance de Michel Houellebecq, versando sobre o domínio da França pelo Islão. Obviamente, fiquei curiosa.
O livro, intitulado Soumission viria a ser publicado em 7 de Janeiro deste ano (Flammarion), curiosamente no dia em que ocorreu o atentado terrorista ao Charlie Hebdo, motivo da atinente especulação e - atrevo-me a dizer - efeito publicitário.  A edição portuguesa,  sob o título Submissão, chegou em Março (Alfaguara). Li-o há dias. Com interesse e gosto.
Diversamente da expectativa criada, constatei que o romance não se esgota na identificada questão política, ou melhor, politico-civilizacional, antes nos apresentando, a par e passo e, pelo menos, com idêntico peso, a persona do narrador, assim se debruçando sobre a alma humana (tema, para mim, tão caro).
A questão da submissão da França ao domínio do Islão, pela via democrática (entenda-se, eleitoral) e pela mão dum hábil e ambicioso político muçulmano, é tratada sob um tão arguto quanto interessante ponto de vista histórico-político, tendo como traves mestras o estertor da civilização ocidental, a instrumentalização do sistema educativo, com relevo para os seus agentes, pela religião (muçulmana), e, é claro, o conformismo do povo (afastamento cidadãos/políticos/jornalistas, quer na gestação quer na aceitação do fenómeno).
Todavia, a outra vertente identificada - a da persona do narrador - está longe de ocupar lugar secundário na trama. Quer dizer, merece análise e consideração (como) autónoma, tal a riqueza psicológica que se surpreende, quer no que transmite quer na forma como (o) transmite, aliás, sempre em termos lúcidos e crus, despojados de (indesejável) sentimentalismo.
Na verdade, à medida que, mesmo apresentando-se como não particularmente informado sobre questões políticas, nos vai oferecendo um relato magistral dos acontecimentos conducentes ao referido domínio da França (também simbolicamente referencial da civilização ocidental), o narrador vai discorrendo sobre si próprio, pondo a nu todas as suas fragilidades, seja no tocante às relações familiares e sociais - inexistentes, aquelas, ocasionais, estas -, seja no tocante às relações amorosas - se assim se podem chamar, reduzidas que acabam ao plano sexual, como a crueza das descrições ilustra -, seja na tentativa de superação ou amparo no idealizado e obsessivo plano da identificação com o seu, por assim dizer, mentor, Huysmans, motivo da sua tese de doutoramento (certamente não por acaso designada Joris-Karl Huysmans ou a saída do túnel). Não resisto, aqui, a citar a frase inicial do romance, que, por si só, nos aponta a dimensão de solidão do narrador: Durante todos os anos da minha triste juventude, Huysmans permaneceu um companheiro para mim, um amigo fiel; nunca tive dúvidas, nunca me senti tentado a abandoná-lo ou a dedicar-me a outro tema;...
Esta minha opinião serve apenas para salientar o outro tema - os extremos da solidão humana - que importa não esquecer, enquanto valor deste interessantíssimo romance, de resto, muito bem escrito, quer sob o ponto de vista estilístico, quer sob o ponto de vista da construção e articulação temática. E, parece-me, esclarecidamente realista.
Enfim, o título sempre poderia ser Submissões... 
Pela minha parte, declaro-me submetida a este Submissão.  








1 comentário:

  1. Acho que é isso mesmo, a crítica está de acordo com a minha opinião sobre o livro. Vale a pena ler!

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