sexta-feira, 18 de setembro de 2015

ONDE O SOL NASCE (I)


Há sempre uma ideia que fervilha, embora, por vezes, se situe a um nível tão subterrâneo ou andemos tão distraídos, que só lhe damos atenção quando já tomou conta de nós. O mesmo acontece com os sonhos, as obsessões e tantos outros mecanismos desta engrenagem a que, vulgarmente, chamamos mente. Acontece com quase tudo e nem sempre é questão de mente, a menos que a esta se atribua um sentido muito amplo e elástico. Mas isso...

Bem, não sei por que me deu para começar assim. Talvez para inquietar leitores, o que não faz sombra de sentido. Afinal proponho-me falar duma coisa tão simples e maravilhosa como é uma das viagens da minha vida (para usar uma estafadíssima expressão feita). Pronto, não é nada disso, é tão só uma das viagens mais desejadas e gratificantes que passaram por mim ou melhor, a que deitei mão.

A ideia do Oriente atraíra-me desde muito cedo, embora virada para outros horizontes, talvez mais exóticos e alternativos. Depois, a partir de certa altura, deu-me para ler autores de lá - destaco Kenzaburo Oe e Aruki Murakami - e fiquei fascinada. Aquilo prometia ser completamente diferente do mundo ocidental e, simultaneamente, da tal ideia do exotismo alternativo, que, em tempos mais remotos, me voltara para outros países de geografias próximas. Depois, havia o contraste, o contraste não, uma suspeitada e improvável harmonia de contrastes, a ligar, em convívio perfeito, tradição - uma tradição milenar, entenda-se - e modernidade - não uma modernidade qualquer, uma modernidade de ponta, tecnologicamente marcada e marcada pela exuberância do êxito económico (o chamado milagre económico, sequente à II Guerra Mundial). Outro foco de atracção era a Natureza, a amada Natureza, bosques de bambu inclinados ao vento, a majestade da montanha mítica, encimada de branco, e o que mais… Depois, qual laço de veludo a cingir o embrulho de papel de seda, surgiu o nome, cinco letras e um til, carregados de mistério, de promessas de lonjura e de deslumbramento. Sim, o nome dum destino pode esconder/prometer muito e, como tal, ser critério de opção de visita.

E assim fui parar ao Japão! JAPÃO! JAPÃO!

JAPPON

Não sucedeu à primeira nem à segunda vez. Para não perturbar a regra, só à terceira, no Outono de 2012. Não por uma qualquer superstição, mas porque os acontecidos assim encaminharam.

Quando tentei passar do devaneio à prática, corria o ano de 2010 e dominavam-me hesitações várias. Era muito longe, demasiadas horas de avião, quer dizer, demasiadas horas presa, sem hipótese de deserção - coisa que me incomoda sempre…;  desconhecia a língua e sabe-se lá que mais! Enfim, um sentimento geral de insegurança, por vezes acontece. Nada que não se vença, quanto mais não seja pelo desafio. Mas aqui havia muito mais do que o desafio da vitória. Está bom de ver! 

Passou a época de férias, a viagem foi substituída por outra mais próxima - um qualquer já nem sei onde - e rapidamente chegou 2011. A hesitação ainda não se dissipara, mas a fase de consulta dos folhetos de viagem passou à da resolução. Quando os avanços estavam quase a atingir o momento do não recuo, eis que a vida, numa zanga inesperada(ou talvez não, vá-se lá saber!), decidiu atacar em Fukushima, por via do desastre da Central Nuclear. O adiamento óbvio. 2012 fez-se à vida e eu às necessárias marcações. Tudo devidamente confirmado com uma antecedência de meses, o Guia American Express (JAPÃO) estudado à exaustão, visitas à Embaixada, recolha de mais documentação, e ansiedade, um balão de ansiedade. Quando o desejo é grande a decepção pode ser maior, mas só há uma maneira de saber…

Fui saber e agora, com uns anos de atraso, atrevo-me a contar, com base na memória e, sobretudo, nos preciosos apontamentos, espécie de diário de bordo, que comecei a escrever em plena viagem, logo no aeroporto, e apenas terminei um tempo depois, já em Lisboa. A intensidade do ritmo - e, também, alguma da minha (muita) indisciplina, por que não confessá-lo?! - não permitiram que o projecto de registo escrito acompanhasse o timing da viagem. O cansaço também era grande. E o entusiasmo, preferencialmente focalizado na acção. E aquela mania que tenho de manter a mala sempre organizada, como se disso dependesse o êxito da correria ou a compostura do mundo. Enfim, manias! O que sempre impõe alguma perda de tempo e consumo de energia, mas um sentimento de paz, certamente apanágio de (hipotética) envergonhada síndrome de obsessão-compulsão. Se for para nos fazer bem e não prejudicar ninguém, aceite-se, caso contrário, vença-se!, eis o meu lema e a razão duma condescendência razoável e racional para com certas manias inofensivas. Sim, só para estas (até ver, não me apercebi doutras e espero continuar assim).

Parti em Outubro, porque ou se vai no Outono ou na Primavera, tempo, respectivamente, das tonalidades amareladas e avermelhados das árvores em mudança, e das cerejeiras em flor. Em qualquer dos casos, tempo de trânsito, tão do meu agrado... 

Natureza, Tradição e Modernidade






 

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