quinta-feira, 28 de maio de 2015

CÉREBRO ESTACIONA NA ETERNIDADE


Agora apetecia-me começar a conversar sobre não sei quê. Não que me apeteça, mera suposição. E um esforço. Agarro-me à notícia ouvida há umas horas, via TSF, a saber: jovem milionário russo tenciona conquistar a imortalidade, por interposto robot, mediante um processo faseado de transferência do cérebro, quer dizer, do registo da actividade cerebral (e não propriamente da matéria, está bom de ver). Ponho-me a antever um novelo de pensamentos e emoções e sabe-se lá que mais, passeando-se alegremente num suporte metálico, muito bem oleado e abrilhantado, mercê da diligência duma Fundação expressamente constituída para o efeito - caso, entretanto se não tenham esgotado os respectivos fundos de sustento, mas isto já sou eu a agoirar... 
Seja como for, não é o processo que me surpreende. Afinal, há uns tempos, li um interessante livro, em que se dava conta do avanço da investigação científica nesta área, embora só se previsse a respectiva possibilidade de concretização lá para daqui a não sei quantos anos (O Futuro da Mente, de Michio Kaku).
Também não é o resultado, apesar de não vislumbrar a utilidade que um suporte robótico possa representar, enquanto sede dum tal cérebro ou, dito ao contrário, o que um tal cérebro possa aportar a um feixe de metais, por mais lustrosos e bem desenhados que se apresentem. Apenas me ocorre antecipar, por exemplo, um robot todo XPTO, com nome próprio, apelido, conta bancária e, talvez, estado civil, transmitindo lições de vida passada a uma plateia  interessada ou desinteressada, como todas as plateias, ou estendendo uns dedos frios e cortantes para fazer festinhas a um tetraneto. Por qualquer razão, isto lembra-me o universo dos vampiros, embora, que se saiba ou antecipe, sem a componente predadora. E daí... 
O que, verdadeiramente, me surpreende, aliás, espanta, é o objectivo da coisa, alcançar a imortalidade! Não desconheço ser esta aspiração um dos motores (ou, mesmo, o motor), que tem erguido (ou aguentado, não sei bem!) a humanidade, estando na base de qualquer corrente filosófica, religiosa e afim. Só não consigo entender o afã, melhor, o desejo ou necessidade ou lá o que é, de alcançar tal condição. Pela minha parte, quero fugir da imortalidade tanto quanto puder, só a ideia de que esta vida possa perpetuar-se num qualquer eterno além provoca-me gélidos arrepios de ansiedade. Já sei, vão pensar que tenho uma vidinha desgraçada, o que nem confirmo nem desminto. Só que não me apetece ser imortal. Estou a falar a sério. Para mim, uma vida chega e sobra; por isso, quanto mais bem vivida melhor!   

(Imagem obtida em pesquisa Google)

(Imagem obtida em pesquisa Google)



sábado, 23 de maio de 2015

SOUMISSION


Há largos meses, passeando por uma revista francesa, não me lembro qual, fiquei a saber que se aguardava a publicação dum novo romance de Michel Houellebecq, versando sobre o domínio da França pelo Islão. Obviamente, fiquei curiosa.
O livro, intitulado Soumission viria a ser publicado em 7 de Janeiro deste ano (Flammarion), curiosamente no dia em que ocorreu o atentado terrorista ao Charlie Hebdo, motivo da atinente especulação e - atrevo-me a dizer - efeito publicitário.  A edição portuguesa,  sob o título Submissão, chegou em Março (Alfaguara). Li-o há dias. Com interesse e gosto.
Diversamente da expectativa criada, constatei que o romance não se esgota na identificada questão política, ou melhor, politico-civilizacional, antes nos apresentando, a par e passo e, pelo menos, com idêntico peso, a persona do narrador, assim se debruçando sobre a alma humana (tema, para mim, tão caro).
A questão da submissão da França ao domínio do Islão, pela via democrática (entenda-se, eleitoral) e pela mão dum hábil e ambicioso político muçulmano, é tratada sob um tão arguto quanto interessante ponto de vista histórico-político, tendo como traves mestras o estertor da civilização ocidental, a instrumentalização do sistema educativo, com relevo para os seus agentes, pela religião (muçulmana), e, é claro, o conformismo do povo (afastamento cidadãos/políticos/jornalistas, quer na gestação quer na aceitação do fenómeno).
Todavia, a outra vertente identificada - a da persona do narrador - está longe de ocupar lugar secundário na trama. Quer dizer, merece análise e consideração (como) autónoma, tal a riqueza psicológica que se surpreende, quer no que transmite quer na forma como (o) transmite, aliás, sempre em termos lúcidos e crus, despojados de (indesejável) sentimentalismo.
Na verdade, à medida que, mesmo apresentando-se como não particularmente informado sobre questões políticas, nos vai oferecendo um relato magistral dos acontecimentos conducentes ao referido domínio da França (também simbolicamente referencial da civilização ocidental), o narrador vai discorrendo sobre si próprio, pondo a nu todas as suas fragilidades, seja no tocante às relações familiares e sociais - inexistentes, aquelas, ocasionais, estas -, seja no tocante às relações amorosas - se assim se podem chamar, reduzidas que acabam ao plano sexual, como a crueza das descrições ilustra -, seja na tentativa de superação ou amparo no idealizado e obsessivo plano da identificação com o seu, por assim dizer, mentor, Huysmans, motivo da sua tese de doutoramento (certamente não por acaso designada Joris-Karl Huysmans ou a saída do túnel). Não resisto, aqui, a citar a frase inicial do romance, que, por si só, nos aponta a dimensão de solidão do narrador: Durante todos os anos da minha triste juventude, Huysmans permaneceu um companheiro para mim, um amigo fiel; nunca tive dúvidas, nunca me senti tentado a abandoná-lo ou a dedicar-me a outro tema;...
Esta minha opinião serve apenas para salientar o outro tema - os extremos da solidão humana - que importa não esquecer, enquanto valor deste interessantíssimo romance, de resto, muito bem escrito, quer sob o ponto de vista estilístico, quer sob o ponto de vista da construção e articulação temática. E, parece-me, esclarecidamente realista.
Enfim, o título sempre poderia ser Submissões... 
Pela minha parte, declaro-me submetida a este Submissão.  








terça-feira, 12 de maio de 2015

SE ESTAS PAREDES FALASSEM!


ORA, MAS ELAS FALAM!

Todavia, só falam com quem as entende. Ah!, estão ancoradas em Cacilhas, naquela marginal junto ao cais dos barcos. Aproveitei para as ouvir e resolvi partilhar, trazendo-as até aqui, antes que a derrocada as sepulte nas águas do Tejo, por entre os peixes.