quarta-feira, 27 de abril de 2016

QUANDO A TUA PELE


estou a lembrar-me de quando a tua pele…

a tua pele cercou-me
cada centímetro da minha pele entregue
rendido cada centímetro da minha pele
oferecida prisioneira, livre

depois…

foram desmontadas fronteiras
traçadas estradas
rios correram
pontes cavalgadas
largos mares
mares caprichosos de vagas altas, estrepitosas

depois…

mar lento, calmo
rendição da maré a perder-se no longe
muito longe
areia luminosa

e

serena
a minha pele
perdida na tua pele
cercada pela minha pele
cada centímetro da tua pele
feito prisioneiro, livre

e estradas
e rios
e pontes 
e mares
e marés perdidas
e areias luminosas
e a tua pele
e a minha pele
e a nossa pele

lembrei-me
lembrei-me de quando a tua pele…











quarta-feira, 20 de abril de 2016

PEDRO ARROJA OU PEDRO ARROJO?


Eu, que nem tenho por hábito (ou, sequer, por excepção) seguir telenovelas, apercebi-me, recentemente, que corre por aí uma, alusiva ao magno assunto da designação de cartão de cidadão. Ao que parece, trata-se duma proposta do Bloco de Esquerda, que, supostamente em nome da defesa da igualdade de géneros, propugna a alteração para cartão de cidadania

Obviamente, concordo com a proposta, até porque, sendo mulher, não posso deixar de reconhecer, aliás, de confessar (e bem me custa!), que, de cada vez que me requeriam prova de identidade (ou será cidadania?), o simples facto de estender o cartão de cidadão gerava-me uma indisfarçável angústia, traduzida em tremura e transpiração de mãos  e esgazeamento do olhar, próprio de quem quer fugir ao contacto visual com o interlocutor (coisas nada habituais em mim).

Tal angústia deixava-me, por assim dizer - e passe a redundância - deveras angustiada. Porquê? Sobretudo porque não lhe entendia a causa e, já se sabe, quando temos a mania que dominamos tudo e não entendemos o porquê de, sem motivo aparente, começarmos a tremer, transpirar e esgazear os olhos, começamos a ver o mundo ao contrário, quer dizer, perdido!

Finalmente, graças à atinada e oportuna proposta do BE - que, enquanto mulher, só posso agradecer -, compreendi! Afinal, sucedia apenas que, perante um instrumento de identificação designado no masculino, era subliminarmente levada a colocar em causa a minha identidade de género, interrogando-me, cega e assustadoramente, -serei, afinal, um homem? Andei estes anos todos enganada, a pensar que sou mulher e, ainda por cima, a considerar-me super-feminina? Esta mania de preferir usar calças a saias terá uma justificação diferente da que lhe atribuo (sentir-me mais confortável e elegante com aquelas)? 

Compreendida esta face oculta do meu pânico de identificação, já consigo puxar do cartão de cidadão com a segurança recuperada de quem sabe que não será uma simples designação masculina, imposta por um Estado (ou será uma República?) totalitário-machista que me fará perder a consciência do que verdadeira, assumida e orgulhosamente, sou, mulher.

Aqui chegada, só gostaria de dar o meu contributo (ou será contributa?) para melhoramento da proposta do BE, até para evitar a necessidade de futuras alterações ou aditamentos legislativos, sempre dispendiosos (apesar do carácter simbólico dos honorários do assessor-jurista-mor do governo, um tal Diogo Lacerda Machado, um amigo generoso, à altura da tradição dos melhores amigos de primeiros-ministros de governos socialistas e outros).

Trata-se de dois simples pontos:

: Os governantes e, em geral, os demais titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, ao dirigirem-se aos cidadãos ou às pessoas, devem alternar a frase-regra, portugueses e portuguesas, com a respectiva inversa, portuguesas e portugueses, por forma a garantir uma proporção de 50% para cada (ou então uma proporção calculada em função da relação numérica entre géneros, embora esta regra já me pareça um bocado exagerada e de difícil aplicação, até pela natural oscilação de números...). Na verdade, não se entende porque devem os portugueses ser, sistematicamente, chamados antes das portuguesas (bem, se for para anunciar novas medidas de austeridade, até pode ser). 

Isto, para já não dizer que, por questão de boa educação, as portuguesas deveriam ser sempre mencionadas em primeiro lugar (e não, isto não tem nada a ver com paternalismo, mas, quando muito, com sedução, posso explicar noutra altura...). 

: O nome Pedro Arroja, pregador do Porto Canal e excelente factor de animação das redes sociais, deve ser mudado para Pedro Arrojo, visto não se entender que uma pessoa (ou será um pessoo) que se viu na necessidade de declarar, tão convicta quanto insistentemente, na TV, que tem um pénis, sofra o traumático peso de viver subjugado por um apelido terminado num degradante (ou será uma degradante?) a, até porque, segundo também declarou, tão convicta quanto insistentemente, na TV, a mãe dele não sabia fazer pénis nem homens.  



(Vídeo obtido em pesquisa no You Tube)