quinta-feira, 14 de julho de 2016

ZÉ MANEL OU A INVEJA DOS PORTUGUESES


Já não tenho dúvidas, os portugueses são mesmo invejosos!


Basta atentar na forma como têm reagido à anunciada contratação  milhionária (sim, não é milionária) do Zé Manel Durão Barroso para os quadros da Goldman Sachs. É certo que não se trata de todos os portugueses. O presidente da República e o ex-primeiro-ministro Passos Coelho não deixaram de lhe assinalar o mérito. Já os restantes, a aferir pela avalanche de notícias, artigos de opinião e reacções ululantes, expressas nas redes sociais, não se têm cansado de dar porrada no coitado do Zé Manel. É só censuras e mais censuras, semeadas de palavrões como honorabilidade, período de nojo, decência, vergonha e outros conceitos igualmente contundentes. Ignoro se o pobre homem - atenção, não disse homem pobre - terá, entretanto, morrido de desgosto ou emigrado para os lados da Síria ou do Iraque, em missão de redenção dos pecados de que, tão agressivamente, tem sido acusado pelos seus concidadãos - para já não falar nos senhores da União Europeia, ex-colegas e afins, também chocados pela sua contratação gold ou goldman ou assim. 

Nada mais injusto e - retomando a linha inicial deste pequeno desabafo - mais paradigmático da proverbial inveja dos portugueses, excluídos, obviamente, o presidente da República (talvez por questões afectivas) e o ex-primeiro-ministro Passos Coelho (talvez por questões... não sei).

Na verdade, as pessoas falam, falam, mas esquecem-se do meritório percurso calcorreado pelo Zé Manel, até, finalmente, desaguar na Goldman Sachs ou seja, ao serviço - desta vez, directo e assumido - da alta finança, o mesmo é dizer, dos mercados. Percurso esse, marcado por notável persistência, coerência e êxito, pelo que bem deveria suscitar admiração em vez de maledicência. Só não se lembra quem não quer e só não valoriza quem tem um espírito ínvio e povoado de más intenções, sobretudo, invejosas. Eu lembro-me bem e, em nome da mais elementar justiça, chamo aqui as seguintes memórias do dito e, de resto, notável percurso. Foi assim:

1 - Transitou dos extremos radicais dum MRPP em fúria para o acolhedor regaço dum pacato PSD - ou PPD ou PPD/PSD ou lá como se chamava na altura, que não me posso lembrar de tudo... -, com o à vontade com que um tarado sexual passa duma loura magra para uma morena gorda ou vice-versa, demonstrando enorme abertura intelectual, coerência e, enfim, jogo de cintura. Só não vê isto quem não se lembra de, na passagem da creche para a pré-primária, ter trocado, sem remorsos ou complexos, o teddy bear de trapos pela barbie ou pelo action man de plástico;

2 - Confrontado por um incómodo excesso de peso, não hesitou em entregar-se a uma exímia dieta, à base de cherne, nem tão pouco em partilhar o facto com o resto dos mortais, numa atitude que bem demonstra, a par de férrea força de vontade e espírito de sacrifício, enorme transparência. Bem, é de reconhecer que também revela certa ingenuidade, ao não ter antecipado que a amável revelação lhe viria a valer a acintosa - para o peixe - alcunha de cherne. Enfim, aqui foi um bocadinho bronco, ao não levar em consideração que um povo habituado a dividir sardinhas (quando as há), não pode  estar preparado para digerir dietas de cherne;

3 - Encontrou um País de tanga - para usar as suas bonitas, elevadas  e sugestivas palavras - e deixou-o completamente nu. Aliás, não foi bem deixar, foi mais fugir.  Demonstrou, assim, um notável sentido de realidade, de oportunidade e de desprendimento do poder, o que só pode abonar a seu favor;

4 - Pouco antes, dando prova de magnífica visão de curto/médio prazo, não se escusou a servir de mordomo/empregado de mesa, servindo gentil e zelosamente café e bolinhos, aos senhores do mundo, enquanto estes congeminavam (mais) uma intriga bélica, para mais rápida e ferozmente darem cabo disto tudo e enriquecerem pelo caminho. Se esta prestação do Zé Manel não foi duma humildade (para além da já citada visão) a toda a prova, vou ali e já venho e pelo caminho não quero ouvir nada que me contrarie;

5 - Certamente por feliz coincidência (ah! que espanto!), saltou para presidente da Comissão Europeia, cargo que muito devia ter honrado os portugueses, caso não fossem uma cambada de invejosos e mal agradecidos. Não se pode dizer, é certo, que daí tivessem advindo vantagens para Portugal, mas isso deveu-se apenas ao facto de os eurocratas serem uma espécie de sem-pátria, encontrando-se ao serviço da União Europeia (também conhecida por Alemanha) e não do país de origem. Ora, não sendo o interesse da Alemanha (também conhecida por União Europeia) coincidente com o de Portugal - como se vê, por exemplo, pela longa-metragem Tomem Lá Uma De Austeridade, seus Esbanjadores! e pela telenovela Ora Aí Vai Uma Rodada de Sanções, Seus Papalvos! -, não é de admirar que o Zé Manel não pudesse ter feito nada pelo seu amado País ou deixado de fazer algo contra o mesmo - bem, estou a admitir que ele é português... O facto é que demonstrou exemplar isenção e sentido de Europa (ou de Alemanha, tanto faz), no exercício do cargo. Além disso, esmerou-se por colocar o seu accent in English pelo menos ao nível do mordomo da série Downton Abbey. O facto de não ter conseguido não se pode levar a mal, o que conta é o esforço e não se pode - nem convém - ter jeito para tudo;

6 - Expirado o prazo de validade do tacho, perdão, do ilustre cargo europeu, foi lindo - e digno de agradecimento... e também divertido, convenhamos! - ver o Zé Manel rondar a velha Pátria - aquela que, por questão de elevado sentido de isenção, não pôde amparar, enquanto ao serviço da... daquela -, manifestando disponibilidade para a servir, desta feita, como magistrado supremo. Apesar de toda a bondade e generosidade da oferta, os seus compatriotas, ressabiados sabe-se lá porquê, mandaram-lhe sinais de que não valia a pena dar-se ao incómodo. Só chegado a esta fase do campeonato, quero dizer, do percurso, se entregou nos braços da alta finança internacional, certamente bem menos invejosa e mais reconhecida do que a generalidade dos portugueses.

Estavam à espera que ele fizesse o quê, seus invejosos?

          




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