quinta-feira, 29 de novembro de 2018

ESTA FOTOGRAFIA


1 - APARÊNCIA

Chamo-me Esta Fotografia, Esta, nome próprio, Fotografia, apelido.
Alguém de entre vós, humanos, fez de mim a composição que sou, dito de outro modo, deu-me certa aparência e conteúdo. Não é de todo a mesma coisa, como bem sabeis. 
Talvez possa falar-vos de mim, para além da imagem que se reflecte de mim.
Sei que não conseguis observar-vos de frente, não digo uns aos outros, mas a vós próprios, quero dizer, olhos nos olhos, directamente. Só através de espelhos, esses falsos profetas cheios de enganos e ilusões que vos impedem de penetrar fundo, bem dentro de vós, do que realmente sois. Estão repletos do ruído da distracção, os espelhos, daí os enganos e as ilusões e, por via deles, a negação da essência.
Receio que, talvez por isso, ao olhardes para mim, possais quedar-vos na simples aparência, essa razão de superfície.
Sei que no meu caso, assim à primeira vista, sou uma paisagem clássica de por do sol em mar aberto, um mar calmo e escuro, cortado pela linha do horizonte, que o separa e une a um céu (ainda) um pouco menos escuro, mas a caminho da escuridão total. Lá ao fundo, um pouco acima dessa linha, equilibrando-se num vestígio de nuvem clara, repousa o amarelo redondo do sol, filtrado por neblina breve, a do entardecer, até se diluir, em brilho intenso, numa estrada indelével que caminha sobre o dorso do mar, conduzindo à sobra de um barco.
Mas atenção, isto é apenas a minha aparência, a superfície da composição que alguém fez de mim, e posso dizer-vos que quem só vê isto em mim, vê bem pouco de mim.
Sei que há muitas composições como a que represento, mas - posso assegurar - nenhuma delas representa o que sou, isto é, o momento, o estado, de que resultei, porque sou única, a fusão instantânea entre o ínfimo momento em que o botão da câmara foi premido e o estado de alma de quem o premiu, plasmada em mim para a eternidade, a eternidade do meu tempo de duração.
E é disto que vos posso falar, de tudo isto, que é tanto e tão pouco. Faço-o porque vos quero conduzir para além da minha simples aparência.

2 - SUBSTÂNCIA

No princípio era o tempo da normalidade. Casaram-se e tiveram filhos, dois. Tudo corria bem ou, pelo menos, na forma do costume, expressão habitual em cartas de antigamente. Podia falar-se de um quadro clássico, como o que, ao primeiro e desprevenido olhar, é visível em mim. Digo isto para simplificar, porque, se formos a ver bem, não há clássicos na vida das pessoas, cada caso é um caso, e, por vezes, mais do que um caso, que as coisas nem sempre se apresentam lineares e o que parece hoje de uma maneira, amanhã já assumiu outros contornos, de deixar uma criatura com a cabeça à roda e as pernas às costas, por assim dizer e se é que me entendem.
Depois, os dias começaram a trazer surpresas indesejadas, ou era uma dor ou um cansaço, não qualquer dor ou cansaço, uma dor e um cansaço de arrelia especial, para além do tolerável. Seguiu-se a ida ao médico, não por vontade - já se sabe, ainda está para nascer quem sinta vontade de ir ao médico, mesmo os hipocondríacos -, mas por absoluta necessidade. Ou então foi mesmo por aqui que começou, não pelo anúncio de dores ou de cansaço para além do suportável, mas através de simples exames de rotina (malditos sejam ou benditos, depende do ponto de vista).
O certo é que ela estava sentada frente ao médico, com as dores ou o cansaço ou os resultados dos exames de rotina pendurados no corpo ou nas mãos e um olhar interrogativo, suspensa das palavras mágicas que se seguiriam, como se seguiram, fatais.
Ele era um médico de pura tradição anglo-saxónica e avançou logo, frio, sem lhe fugir os olhos, como apenas se podem enfrentar olhos alheios, “A senhora tem cancro”.
Ela desatou a escorrer suores frios e a equilibrar tonturas e a torcer as mãos e a pensar para dentro, eu bem sabia que estas dores e este cansaço não podiam ser normais ou quem me mandou fazer as malditas análises, e ele, sem ao menos lhe perguntar se precisava de um copo de água ou de uma mão confortadora, perguntou-lhe, na sua frieza anglo-saxónica, “Quer perguntar alguma coisa?”.
A vontade dela era responder, “Sim, quero perguntar se tem a certeza do que está a dizer, se não se enganou”, mas a coragem desacompanhou-a. Sem coragem nem convicção, porque bem no fundo de si própria bem sabia que era verdade, aliás, estava farta de saber, mesmo antes de ter ocupado a cadeira à frente daquele desbocado frígido. Engolindo uma lágrima, para não lhe dar trunfos - sim, também sabia ser anglo-saxónica, nem que fosse só em modo de faz-de-conta -, endireitou-se de encontro às costas da cadeira e disparou, “Quanto tempo?”. Ele mexeu-se num desconforto nada anglo-saxónico, como se a pergunta dela fosse um rematado disparate ou uma bala disparada contra si, e tateou, “Como assim, quanto tempo?”. Enquanto via os filhos a desfilar na sua frente, um de dez e o outro de catorze anos, e, atrás deles, como sombra de enquadramento, o marido, ela endireitou-se mais um pouco, chegou mesmo o corpo à frente, como se fizesse questão de ficar mais perto dele, e num arremedo de normalidade, como quem se informa sobre o tempo, esclareceu, “Ora, quanto tempo tenho de vida!”, ao que ele, talvez um pouco tocado por aquela garra, respondeu, procurando amainar a frieza, “Bem, as coisas não são bem assim, hoje em dia o cancro pode ser apenas uma doença crónica e não uma causa de morte necessária. Teremos de fazer mais exames e só de posse dos resultados estaremos em condições de avaliar a situação e determinar a estratégia de tratamento a utilizar”. Ainda ia dizer mais coisas, mas ela interrompeu-o, insistindo, “Mas quanto tempo?”. Só então ele pareceu ter tomado consciência de que ela merecia ser acalmada, já não digo acarinhada, esboçou um sorriso a que não estava habituado, e afirmou, “Como lhe disse, vamos ter de fazer mais exames para aferir a gravidade da situação e determinar a melhor estratégia de cura”. “Cura, mas afinal tem cura?”, aventurou-se ela. “Pode ter, é prematuro antecipar conclusões ou simples prognósticos”, respondeu ele, lacónico. Talvez cansado daquela guerra que não era sua, começou a traçar rabiscos impenetráveis numa folha de papel timbrado, que lhe estendeu, anunciando: “Agora, o mais depressa possível, vai fazer estes exames e, logo que tenha os resultados, vem falar comigo, para definirmos o modo de actuar”. E, sem mais cerimónias, levantou-se.
Ela desceu as escadas do hospital, quase a tropeçar, dirigiu-se à rua, e as palavras ditas martelavam-lhe a cabeça. Curiosamente, não as palavras “a senhora tem cancro”, mas as palavras “modo de actuar”. De “modo de actuar evoluíram para modus operandi e isso transportou-a a uma sensação de dejá vu, memória de algum livro de estudo, experiência profissional, filme policial ou qualquer outra distracção.
Chegou a casa sem se lembrar como.  Pendurou o casaco no cabide da entrada e pensou em fazer o jantar. Os rapazes já tinham chegado, estavam nos respectivos quartos, o pequeno a construir um lego, o outro a jogar playstation. Irritou-se com a desarrumação dos quartos, por mais que lhes dissesse, eram incapazes de arrumar as roupas como devia ser, quem diz as roupas, diz as mochilas, os sapatos, os brinquedos e etc. Deteve-se no quarto do mais novo, preparada para levantar a voz numa admoestação, mas, em vez disso, estreitou-o nos braços, num abraço muito apertado, um abraço a roçar o desespero, e disse, “Filho, meu filho”. Ao fim de um tempo, entre a surpresa e o incómodo, ele libertou-se e, olhos nos olhos, perguntou, “O que se passa, mãe?”. “Nada, só que te amo muito”. “Isso já eu sabia!”, respondeu ele, com um ar maroto. E riu-se, mas era um riso inseguro, a suspeitar desgraça.
O marido chegou mais tarde, beijou-a como de costume, indagou, “Então a consulta correu bem?”. Foi aí que ela parou para pedir colo ou apenas porque já não aguentava mais, tanto faz, deixou as lágrimas cair e os soluços falar mais alto do que a resposta que tinha para apresentar e esta era, “Tenho cancro, mas não sei mais nada de concreto, nem sequer quanto tempo me resta de vida”. E as dores e o cansaço atacaram forte, ou em vez disso, ela limitou-se a pensar, quase num grito, por que raio me havia de ter dado para ir fazer os malditos exames de rotina?. 
O marido, ocultando como pôde a tremura das pernas, procurou animá-la, que iam vencer aquilo juntos, que, hoje em dia, o cancro já não era necessariamente mortal, que mortal era estar vivo - conseguiu brincar e ela conseguiu sorrir -, que não se atormentasse, que iriam consultar outro médico, os médicos que fosse necessário, e fariam tudo para sair daquela situação e dela iriam sair vencedores, nem podia ser de outra maneira. 
De repente, a voz do mais velho, encostado à porta da cozinha, fez-se pergunta ansiosa, “O que se passa, pai?”. “Nada, filho, não é nada, não te preocupes, vai por a mesa, que nós já levamos o jantar”, “Mas eu ouvi…”, “Não ouviste nada, são coisas da tua mãe e minhas, só isso”.
Em vez de por a mesa, bateu a porta da rua e desapareceu na noite. E o estrondo foi de tal ordem que o mais novo apareceu, esbaforido, a querer saber, “O que foi?”, e  só então reparou na palidez do pai e na cara afogada em lágrimas da mãe, afligiu-se e repetiu, em agonia, “O que foi?”, e pensou que o pai tinha sido despedido, porque vinha ouvindo ruídos de que o país estava em crise, muitos despedimentos e insolvências, e andava inquieto. O pai apressou-se a sossegá-lo, “Não te preocupes, filho” e logo a mãe, “Sossega, filho, não é nada, sou só eu que estou um pouco doente, mas vou ficar melhor, prometo”. “Doente como?”, inquietou-se o miúdo. “Ora, filho, não é nada de especial, as pessoas adoecem e depois curam-se e é isso mesmo que vai suceder comigo, juro”. E ele, o miúdo, rodeou-lhe o corpo com os braços finos, de criança, e desapareceu, sabe-se lá para onde, talvez para onde pudesse ir pensar na vida sozinho, será que a mãe vai morrer? E eles deixaram-no ir, porque não tinham nada melhor para lhe dizer e estreitaram-se nos braços um do outro.
O pai foi encontrar o mais velho a uns quarteirões de casa. Tinha os olhos vermelhos e dava pontapés violentos a tudo o que se lhe atravessava no caminho. “Anda, vamos para casa, filho” e rodeou-lhe os ombros. E foram e, no caminho, explicou-lhe - afinal já tinha catorze anos -, com palavras cautelosas e brandas - afinal ainda só tinha catorze anos -, o que se estava a passar. Depois, em resposta às perguntas difíceis, discursou sobre a esperança, aquela que havia de, forçosamente, “matar a fera”, disse.
Depois seguiu-se, verdadeiramente, o calvário. Primeiro a intervenção cirúrgica, depois a quimioterapia, os enjoos, a fraqueza, os cabelos a entregarem-se-lhe nas mãos como quem se rende e desiste de lutar por aquele corpo exaurido, depois a radioterapia, o corpo a arder como que para provar que está vivo. E aquela angústia permanente, a finitude anunciada em concreto, a dor funda, o sentimento de perda, de falta, o desgosto, já não tanto por si - que talvez fosse mais fácil desistir -, mas por eles, os seus meninos, o mais pequeno tão indefeso e confuso, o mais velho tão indefeso e confuso e revoltado, ambos tão órfãos, assim os vê, assim os imagina, assim os lamenta, assim se lamenta. E o marido, o companheiro incansável das horas boas e das horas más. Já não é por si, mas por eles. E então um pensamento involuntário - se é que há pensamentos involuntários, mas isso não vem ao caso - cruzou-lhe a cabeça, quando morrer, já nada sentirei, nada verei. E censurou-se, achou este pensamento perverso, egoísta, e pensou que não podia morrer, proibiu-se de morrer e decidiu lutar, prosseguir a luta, com força redobrada.

E ESSA É A ESCURIDÃO QUE TU VÊS NO MEU MAR A ANOITECER

Passou muito tempo, podia ter sido apenas um dia, um mês, um ano, que seria sempre demasiado tempo, mas foi mais do que isso. Foram dois, três, talvez mais anos, não que isso interesse muito, porque bastava que tivesse sido apenas um ano, um mês ou até um simples dia que iria dar ao mesmo, aquele machado pendente sobre a cabeça, sentença mortífera sem causa acusatória.
Mas a luta continuou e, como nem toda a luta que continua, estava a dar os seus frutos, o mal parecia ter sido contido, eliminado, pelo menos já não havia necessidade de mais tratamentos, o cabelo reconciliara-se com o corpo, até irrompera mais forte, as sobrancelhas reapareceram, os resultados dos exames mostraram-se esperançadores.
Ela manteve a atitude de guerreira, o sorriso voltou a alegrar os seus olhos. Ah!, se pudesse olhar agora os seus olhos, olhos nos olhos, directamente, sem espelhos de premeio, quantas revelações encontraria!, mas podia olhar bem fundo o olhar do marido, e isso reforçou o seu sorriso e adoçou-o. 
As crianças já andavam como que esquecidas do que foi, “como que”, sublinho, pois esquecimento definitivo é coisa que não existe, nem nestas nem noutras lides, tudo é lastro que nos compõe ou descompõe, apesar da memória e, paradoxalmente, por via dela.
E uma esperança sustentada deitou as garras de fora, qual flor de primavera estendendo pétalas ao vento. E ouviram-se os primeiros risos ao fim de muito tempo. E o médico - afinal era um óptimo médico - até já conseguia recebê-la com um sorriso aberto e congratulá-la, que “conseguiu, é uma lutadora, parabéns”, e ela, “obrigada, senhor doutor”, e o marido, que passou a acompanhá-la às consultas, exultava de contentamento descarado.
Mas ainda dominava um fundo de medo, a fera mordera forte, lançara o feitiço da finitude em modo concreto, ainda estremecia ao pensar na próxima revisão.
E aproximava-se a data, aquela data com que sonhou tantas vezes, e agora ainda mais, porque era cada vez mais merecido festejá-la. Ainda estava tudo muito fresco, sabia que as revisões nunca se podem dar por terminadas, mas aí, encheu-se de coragem - que, aliás, já demonstrara ser a sua marca -, manteve bem alta a bandeira da esperança que teve forçosamente de inventar ao longo deste tempo tão longo de agonia, e decidiu, Vou, vamos. Faça-se a festa, afastem-se os fantasmas, que se dane a fera, enterre-se a fera. E ele, o marido, não esperava outra coisa.
Trataram dos bilhetes, das malas, e partiram. Partiram para alto mar, que calhou ser o mediterrâneo. Foram fazer a festa, que afinal não é todos os anos que se festejam as bodas de prata, nem é todos os dias que se festejam outras vitórias bem mais radicais. E a esperança, embora trémula, venceu. E valeu a pena.
E ela aproximou-se da popa do barco e premiu o botão da câmara fotográfica. Assim nasci.

E ESSA É A CINTILAÇÃO QUE TU VÊS NA MINHA ESTRADA DE LUZ SOLAR REFLECTIDA NO DORSO DO MAR 

3 - ENTENDIMENTO

Apresso-me a concluir: não se limitem a ver em mim um simples por do sol no mar!
Embora me aventure a pensar que não foi assim que me viste pela primeira vez, antes de te ter contado a minha história; quase me atrevo a apostar que a razão por que te afastaste de mim foi porque o teu olhar me captou a escuridão, apenas a escuridão, quem sabe se lá bem no fundo não sentiste a camada subterrânea de angústia que me integra! E por isso fugiste de mim. Afinal, não são vocês, os humanos, pedaços uns dos outros, ecos repartidos do espírito universal? Depois, mas só depois de me teres levado a revelar-me, incompreendida que me senti, conseguiste alijar o peso da angústia, surpreender e celebrar a força e a esperança e regozijar-te com a vitória. E sentiste-te grata e, sobretudo, mais rica. E concluíste que com as fotografias é como com as pessoas, nem sempre a primeira impressão é a que acaba por contar, digam o que disserem.

E ESTA É A PARTE EM QUE PENSASTE QUE TALVEZ EU SEJA UM AMANHECER E NÃO UM POR DO SOL


(Fotografia de Manuela Moringa)















quarta-feira, 28 de novembro de 2018

QUANDO JB SE ENTREGOU!



Decorrido pouco mais de um mês da eleição para a presidência, Jair Bolsonaro entrega-se, finalmente.

O Brasil e o mundo acordaram estupefactos, quando o novo presidente eleito do Brasil, cuja posse está agendada para 1 de Janeiro próximo, anunciou que desistia do cargo, abrindo caminho a todo o tipo de especulações e convulsões sociais, que têm confrontado os seus correligionários e detractores, aqueles aventando hipóteses de conspiração, estes regozijando-se com a confirmação da falta de confiança e credibilidade que sempre defenderam ser a marca de Bolsonaro.

A situação apresenta-se tanto mais caótica quanto é certo que o anúncio não se fez acompanhar de qualquer razão ou justificação.

Começaram, assim, a ser adiantadas e a proliferar hipóteses para todos os gostos, desde presumíveis razões de saúde a ameaças e investigações criminais de que poderá estar a ser alvo, passando por tantas outras que mais parecem um concurso ao prémio de mente delirante do ano.

Curiosamente, instalou-se um florescente mercado de apostas, que está a levar os cidadãos brasileiros (e não só) à loucura e, seguramente muitos deles, à insolvência.

Cautelosamente, as potências internacionais têm-se eximido a comentar o assunto, à excepção dos EUA, que, pela voz do presidente Donald Trump, veiculada - como não podia deixar de ser - por um tweet precipitado e explosivo, não se inibiu de atribuir a decisão de Bolsonaro a manobras subterrâneas do PT, manifestando-lhe a sua inteira solidariedade e disponibilizando-lhe toda a ajuda, inclusive, armada.

Todavia, estamos em condições de afirmar que as razões são bem mais terrenas do que as especulações, sobretudo as de Trump, fazem supor.

Fontes próximas da igreja frequentada pela mulher de Bolsonaro informaram-nos que a verdadeira razão da desistência do ex-capitão tem um nome, um nome de mulher. Chama-se Rosa! É lisboeta, tem 25 anos e trabalha como enfermeira no hospital em que Jair foi tratado da facada sofrida durante a campanha eleitoral. Aí se conheceram e apaixonaram!

Dispomos, ainda, de dados para confirmar que o destino do casal será a capital portuguesa, onde não será de estranhar que a comunidade brasileira, mas também os próprios portugueses, preparem manifestações - de sentido contraditório - para receber o feliz casal.

Caso para dizer, “do Brasil a um aconchego chamado fado”, Bolsonaro entrega-se nos braços de uma mulher.

Nota: Este texto, totalmente inventado, surgiu de um desafio para criar uma notícia a partir de um título escolhido ao acaso. O título que escolhi, "Do Brasil a um aconchego chamado fado", pertence a um dos números da revista Ípsilon, mas ignoro qual a matéria abordada no mesmo... Trata-se, pois, de mera ficção, distinta das tenebrosas fake news, desde logo por não pretender passar por verdadeira...

(Imagem obtida em pesquisa Google)







sábado, 3 de novembro de 2018

NA CASA DA PRAIA


a casa da praia situava-se entre as dunas arqueadas e o mar, pelo meio um vasto areal liso, a estabelecer as devidas distâncias.

quando chegava, sempre entregue ao devaneio - aquela era justamente a casa do devaneio -, dirigia-se às janelas, abria as portadas de madeira vermelha de par em par, afastava as cortinas de renda branca que pendiam a meio das vidraças, deixando um rectângulo de longe a descoberto, e olhava o mar, que se desdobrava, gracioso ou agressivo, consoante os ventos, as marés ou lá o que fosse. gostava de pensar que era conforme ficasse contente ou zangado por voltar a vê-la, exercício de o imaginar como um amante inconstante e fugidio, daqueles que tanto nos amam como nos odeiam, tanto nos procuram como nos evitam. não se importava, com este não valia a pena preocupar-se, calmo ou bravio estava sempre lá, e ela amava-o mesmo sem retribuição, sem necessidade de retribuição. se ficava mais contente quando o mar se mostrava agradado? nem sempre. por vezes (talvez as mais das vezes), precisava daquela luta, de o ver altivo, revolto, até porque, nessas alturas, havia sempre a hipótese de ele acabar por vir lamber-lhe os pés. 

sorriu um sorriso mordaz. aqueles pensamentos, que nunca chegava a saber se lhe pertenciam a ela ou à casa, deixavam-na de bom humor, um bom humor entre a perplexidade e o divertimento, havia ali uma margem de estranheza ou confusão que talvez não indiciasse nada de bom. ou nem por isso, vá-se lá saber!  

naquela ocasião, o dia vestira-se de outono, não um outono de calendário, só por imposição ou fingimento, um outono verdadeiro. nuvens baças, pesadas de muita água engolida, desciam sobre o mar, confundindo-se com a sua prata escura e sem brilho lá na distância. ondas cada vez mais rápidas e orgulhosas elevavam-se e desfaziam-se, deixando pelo caminho reflexos de branco, era a espuma, só a espuma era branca, tudo o resto mergulhado em cinza. até as gaivotas, agitadas em curvas desgovernadas - ou assim pareciam -, revoluteando lá bem no alto. sobre a areia, levantada por um vento que soprava com um estertor de moribundo, nada se movia, nem objecto nem sobra de gente, apenas ela mesma, deslocada em miríades de invisíveis grãos, como quem desenha lantejoulas ou escamas de peixe.

ficou feliz, super feliz, com o cenário, era assim mesmo que mais gostava do tempo. numa espécie de contradição que talvez nem o fosse, sentiu-se simultaneamente empolgada e aconchegada. como era belo aquele tempo, como a elevava a não sabia que alturas de pensamento ou sonho, memória sabia lá de que aconchego morno, que nem por perdido deixava de a afagar!

o sorriso tinha-se transfigurado em deleite. tirou os olhos da paisagem e moveu o corpo para dentro, para a cozinha. preparou uma chávena de chá, levou-a para a sala, segurando-a bem apertada entre as mãos pálidas e esguias, como quem precisa de se aquecer. sentou-se na poltrona de couro velho, desgastado nas costuras, especialmente escolhido assim, porque não podia ser de outra maneira, não naquela casa. e era castanho escuro, mais claro nos pontos de desgaste.

agora, impunha-se inventar qualquer coisa para fazer. seria? não eram aqueles momentos, os momentos em que se refugiava na casa da praia, destinados à mera contemplação, a deixar correr o pensamento sem objectivo ou rumo certo, desligado de qualquer amarra? pois sim, devia ser isso.

no exacto momento em que levou a chávena aos lábios, sentiu um baque na porta. estava muito longe de receber visitas. deixou-se ficar, aninhou-se mais fundo no assento, levou novamente a chávena aos lábios e as pálpebras iniciaram um movimento descendente. mas, como se de um filme se tratasse, uma sombra fugidia invadiu o espaço à sua frente, as pálpebras recuaram e ela ainda conseguiu vislumbrar o resto de um vulto que acabava de se atravessar à frente da janela. contrariada, levantou-se, perscrutou o exterior através da transparência das vidraças, que pareciam estremecer ao sabor dos caprichos do vento. apurou os ouvidos, não percepcionou nada, excepto o embalo furioso das ondas, agora tão altas e bravias, o zunido da areia, tão irrequieta, assim levantada pelas mãos vigorosas do vento, e o sussurro do manto de chuva que começava a embater no telhado, som constante e ritmado. poderia haver sinfonia mais perfeita?, perguntou-se ela, sem necessidade de abrir a boca, vantagem de quem está só. ao mesmo tempo, sentiu um arrepio estranho. não era de frio, nem percebeu muito bem o que era, que nem sempre é fácil reconhecer o medo.

voltou ao aconchego da velha poltrona. ainda não se tinha aninhado quando lhe pareceu surpreender um barulho estranho, quer dizer, espúrio ao som do mar, do vento, da chuva. quanto às gaivotas, já se tinham calado ou deixado de ouvir, o que vai dar ao mesmo.

o chá estava morno. regressou à cozinha. no curto caminho percorrido, apercebeu-se, com acelerada surpresa, de que a porta da rua estava aberta, oscilando para cá e para lá, conforme as ordens do vento. no corredor, vislumbrou uma pegada que ignorava a que sapato pertencia, sabendo, contudo, que não era seu e era bem maior do que o seu.

agitou-se em todas as direcções, como quem pretende reagir de rajada ao que aí vem. não veio nada. estava certa, tanto quanto se pode ter certezas, de que, ao entrar em casa, fechara a porta. também não havia réstia de dúvida sobre a pegada não lhe pertencer. conclusão? a óbvia.

com o coração a bater num desalinho nada habitual - há muito conseguira dominar as variações cardíacas -, entrou cautelosamente na cozinha e, em vez da chávena do chá, segurou a primeira faca que alcançou, não que fosse grande faca, só uma daquelas que tanto dão para cortar pão como para descascar fruta. olhou em redor e nada, não encontrou ninguém. saiu da cozinha, pé ante pé, com a faca em riste e o coração quase a saltar-lhe dos dentes, e abriu, com brusquidão inesperada, a porta do quarto. nada, ninguém. espreitou para debaixo da cama e para dentro do armário. resultado idêntico. só faltava a casa de banho. a princípio, nada, ninguém, mas faltava afastar a cortina do duche. deixou-se tomar por uma paralisia brusca e até o coração lhe parou ou então saiu-lhe pela boca fora, despedaçou-se no chão, e nem se apercebeu. 

de repente, todos os sons naturais serenaram ou então não, era o outro som a soar demasiado alto, de furar tímpanos impreparados ou desprevenidos. uma música de filme de terror, daquelas que parecem facas a riscar umas nas outras, tipo, a música do filme Psico, do Alfred Hitchcock, inundou a casa, inundou-a a ela, que continuava paralisada, no meio da casa de banho. 

de repente, lembrou-se que, na preocupação de descobrir o intruso - sem dúvida se trataria de um intruso -, não tinha chegado a fechar a porta da rua.

a música prosseguia o seu concerto, cada vez mais alto, penetrando cada recanto da casa, cada recanto do cérebro dela. ocorreu-lhe aquela confusão inicial, ela, a casa, a casa, ela... quem sentiria o quê? e agora, seria a casa mera testemunha ou vítima da situação? que situação?

o genérico deslizou lentamente pelo écran da televisão até já não restar nenhum crédito a atribuir. nesse momento, nesse preciso momento, a música cessou. ou assim teria sucedido, caso houvesse televisão na casa da praia. 

lá fora o dia continuava vestido de outono, com todos os sons da tempestade, mas já não era dia, era noite. escura. 

(Imagem obtida em pesquisa Google)





quinta-feira, 1 de novembro de 2018

ESTA DESSINTONIA


o tempo voa à velocidade do... tempo
a ruga afunda-se à profundidade da... ruga
a pele pende na vertical descendente do apelo da... gravidade

e, todavia, o pensamento!

o pensamento voa à velocidade do... tempo
o sonho eleva-se na proporção inversa da profundidade da... ruga
o desejo expande-se no sentido inimigo ao do apelo da... gravidade

eis a dinâmica da vida
eis a inércia da vida
dos tempos do... fim da... vida

é viver, esta dessintonia?
gosto de vida, sabor de vida
pensamento, sonho
em corpo mudo, amordaçado
apenas porque tornado... invisível






quarta-feira, 3 de outubro de 2018

O QUE ELE GUARDA NOS SEUS CADERNOS!


Ele é o Cesar Caldeira, meu ilustre e divertido colega dos tempos da SNBA (Sociedade Nacional de Belas Artes).


O que ele guarda, em múltiplos e maravilhosos cadernos (diários gráficos), é um rico manancial de desenhos/aguarelas/pinturas.

O melhor de tudo é que parte dessas belas produções já podem ser vistas - (só) até ao próximo dia 13, de terça-feira a sábado, das 15 às 19H - na Galeria Municipal de Corroios (Rua Cidade de Leiria 1 A, Corroios), no âmbito da Exposição "O QUE GUARDO NOS MEUS CADERNOS".


E, como se trata de uma exposição a não perder, deixo aqui algumas fotos, só para aguçar a vontade de se deslocarem até lá. Fica muito próximo de Lisboa, logo a seguir a Almada.

Espero que vão e desfrutem!


  



































quinta-feira, 27 de setembro de 2018

PELO MÉDIO ORIENTE - V - BAHRAIN



Como anunciado - v. post de 31 de Julho passado -, eis-me no Bahrain, terceiro país mais pequeno da Ásia, a seguir a Singapura e às Maldivas, tendo por capital Manama.

Trata-se de uma monarquia constitucional árabe, em que compete ao rei - presentemente, Hamad ibn Isa al-Khalifa a indicação do primeiro-ministro - desde 1971, Khalifa ibn Salman al-Khalifa, tio do rei - e do seu gabinete.

A recepção, no porto (Khalifa bin Salman Port), revestiu um carácter folclórico e amigável, com exibição de trajes e outros aspectos locais (com destaque para um falcão de olhos vendados...).  



(Pobre bicho, de olhos vendados)

(O culto da personalidade, sempre presente...)



Dos países visitados, este foi o que me pareceu menos interessante, inclusivamente no que respeita à arquitectura. Mesmo assim,  a par de outros menos apelativos, também aqui se erguem alguns interessantes edifícios.











Zona de construção mais ousada:








Um dos pontos de paragem e visita foi a grande Mesquita, Al Fateh Grand Mosque, de características bem mais sóbrias do que a Mesquita de Sheikh Zayed (no Abu Dhabi, v. post de 18 de Fevereiro de 2018 ). À entrada, foram organizadas duas filas, uma de homens outra de mulheres. Pela nossa parte (mulheres), fomos encaminhadas para uma espécie de vestiário, onde nos forneceram uma túnica até aos pés, que vestimos sobre a roupa (abaya), condição de entrada. 
Depois, em grupo, já mulheres e homens, coube a uma senhora jordana fazer as honras da... mesquita, naquilo que se apresentou como uma verdadeira missão de (tentativa de) mentalização ou lavagem ao cérebro, de propaganda ao Islão, sempre por cotejo com o Cristianismo. Mal me apercebi do rumo da conversa, afastei-me, visitando o local por minha conta.
A sublinhar este aspecto (descarada e deselegantemente) propagandístico, assinalo a abundância de folhetos e livros (inclusive, uma explicação do Corão, cfr. 1ª fotografia deste post), em várias línguas,  mesmo a nossa, para distribuição gratuita. Caso para dizer que não brincam em serviço...  





(Em primeiro plano, de véu azul, a sr.ª propagandista do Islão...)












A caminho do souk Bab Al Bahrain (a porta do Bahrain), um souk modernizado.




Visita a uma quinta de camelos, esses animais doces e pestanudos, ali tristemente acorrentados para deleite de turistas.









Os chefes, presentes por todo o lado, aqui apanhados em mais um cartaz de rua.



Nada mais me ocorre sobre este lugar. O seguinte, Qatar, revelou-se bem mais interessante. É para lá que seguirei num próximo post. Querem vir?