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Sempre me dei bem com a gratidão, talvez por serem tão parcas as vezes que tive justificação para a manifestar. Bem, não é por isso, mas por representar um valor em si, o do reconhecimento face à dádiva, o da manifestação do reconhecimento sentido face à dádiva.
Dádiva e gratidão, generosidade e reconhecimento, enfim, VALORES! A essência reside nos valores, ou seja, nos princípios conformadores de uma sã, pacífica e feliz convivência entre os humanos, tão mais necessária e benéfica quanto é pesada a carga inerente à nossa natureza, o enigma angustiante de ignorarmos – e estarmos conscientes da impossibilidade de desvendar – de onde vimos, para onde vamos – se é que iremos para algum lado! – e, não menos importante, porquê (porquê a existência ou isto que tomamos – sofremos ou desfrutamos – como tal?).
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Falo, agora, de uma particular gratidão que jamais me canso de expressar, sobretudo nos meus diálogos interiores; o destinatário já não está connosco (viveu entre 1869 e 1955). Refiro-me a #Calouste Sarkis Gulbenkian (CSG), criador da Fundação com o seu nome, dádiva maravilhosa ao nosso País, mas não só, pois abrangendo vários domínios temáticos – beneficência, arte, educação e ciência – e geográficos, alcança um amplo leque de destinatários/beneficiários.
Criada numa altura em que Portugal vivia mergulhado em obscurantismo tacanho e opressor, também no plano cultural, a #Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) veio escancarar luminosas janelas, através das quais muitos puderam descobrir mundos que, até então, lhes estavam completamente vedados. Centro-me, aqui e em particular, na divulgação cultural, nas suas mais diversas vertentes, v.g., exposições de arte, espectáculos de dança (tantas saudades do Ballet Gulbenkian, em tão má hora extinto!), concertos, conferências e um vasto etc., de que, todavia, se não podem esquecer as carrinhas biblioteca, portadoras da leitura aos mais recônditos pontos do País, assim criando condições para romper com o nosso proverbial atraso (quantos leitores se forjaram, mercê desta generosa iniciativa, sem a qual permaneceriam na triste ignorância do maravilhoso mundo do conhecimento, em geral, e da literatura, em particular!).
Portanto, nunca me cansarei de proclamar: OBRIGADA, SR. GULBENKIAN!
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Certamente por isso, trata-se de uma personalidade sobre a qual nutro enorme curiosidade, sobretudo do tocante a desvendar o que se situa para além da mítica alcunha de "Senhor 5%", que sempre me pareceu assaz redutora, senão de mau gosto, para um Homem cujo requinte, generosidade e largueza de vistas são bem patentes, desde logo, no seu legado humanitário e cultural.
No intuito de satisfazer tal curiosidade, tenho lido algumas publicações, uma delas, um interessantíssimo diário de viagem, da autoria do mesmo, onde é relatada a sua viagem ao Egipto, Palestina e Síria e onde é dado interessante testemunho, entre outros aspectos, da sua relação com a arte e, inclusivamente, dos (informados e criteriosos) processos de escolha das peças que adquiria e que integram, hoje, o magnífico acervo do pertinente legado: trata-se de "VOYAGE EN EGYPTE, PALESTINE ET SYRIE (JANVIER-FÉVRIER 1934)", edição da FCB, no âmbito e enquanto espécie de catálogo da exposição "Calouste, uma vida, não uma exposição", promovida pela Fundação em 2019, quando da celebração dos 150 anos do mesmo, justamente com o objectivo de dar a conhecer a sua vida e obra.
Todavia, o livro (também publicado no contexto daquela celebração, com o apoio da FCB) de que, agora, me proponho falar é outro: "A Educação do Delfim", constituído por uma selecção de cartas maioritariamente trocadas entre CSG e o seu (único) neto, #Mikhael Essayan, no decurso da II Guerra Mundial, numa altura em que o primeiro vivia em Lisboa e o segundo, jovem adolescente, estudava em Londres.
Com autorização da sua filha e genro – Rita e kevork Essayan –, pais de Mikhael, então residentes em Paris, CSG, assumiu a direcção educativa do neto, de que tais missivas constituem o veículo (tenham-se presentes as restrições à circulação impostas pela guerra).
Constam as mesmas de um património de conselhos (de avô para neto) relativos aos planos académico e comportamental, através dos quais fica patente a elevada qualidade intelectual e moral de CSG.
Disso são exemplo, no domínio da orientação académica, as recomendações sobre critérios de escolha de leituras e do próprio currículo escolar, e, quanto ao comportamento pessoal, um permanente incentivo ao autoconhecimento e à auto-responsabilização, sempre norteados por elevados critérios de exigência, visando como padrão, dar o melhor de si próprio e manter a humildade e o respeito pelo próximo; em suma, propondo nada menos do que um comportamento exemplar, na relação consigo próprio e com os outros, enquanto modelo de ética de trabalho e de vida.
Neste contexto, são frequentes as chamadas à responsabilização pelas falhas de comportamento e/ou insatisfatórios resultados escolares do neto, por vezes, em termos que podem parecer um tanto excessivos, sobretudo se tivermos em atenção a idade deste (o início da correspondência ocorre por volta dos seus quinze anos) e, sobretudo, as circunstâncias em que vivia, afastado da família, e em plena guerra.
Porém, logo este (eventualmente excessivo) rigor é temperado pelo afecto demonstrado e, talvez não menos relevante, pela lembrança constante de que os conselhos emanam da experiência de vida do emitente e visam a preparação para a vida do destinatário, sendo motivados pelo amor e preocupação que este lhe merece.
Também de assinalar que, a partir de determinada altura, CSG, apercebendo-se desse rigor, revela a sabedoria e humildade necessárias para abrandar o grau de certas exigências e, sempre, para celebrar as conquistas do neto, assim o incentivando a prosseguir e progredir, no intuito de dar sempre o seu melhor.
Para mim, o retrato emergente da leitura destas missivas é, pois, o de um homem não só extremamente culto e dedicado ao neto, mas, sobretudo, dotado de elevados padrões morais e, não menos importante, de profundo afecto.
Enfim, tal como já suspeitava, esta leitura coloca o Homem (CSG) muito acima da referida alcunha ("Senhor 5%")! E, contra tantas e tão lamentáveis evidências em contrário, permite acreditar que o mundo dos negócios e da alta finança não tem por que ser forçosamente egoísta e eticamente reprovável (nos tempos que correm, não é pequena esperança!).
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Hoje em dia, e muito particularmente, após a (deplorável) eleição de #Donald Trump (DT) para a presidência dos Estados Unidos da América e de tudo a que, na sequência da mesma, se vem assistindo, tenho pensado muito – sempre com a mencionada gratidão e acrescida admiração –, nas qualidades intelectuais e morais do SENHOR CSG.
Trata-se de um pensamento por contraste, pois DT personifica exactamente o oposto deste modelo; olha-se para ele – desde a expressão corporal às palavras e aos actos – e assiste-se à personificação da vacuidade intelectual e da malignidade, do interesse exclusivo por si próprio, da arrogância, da prepotência, da maldade, da irresponsabilidade, da leviandade, da absoluta falta de respeito pelo próximo, pela justiça e pela dignidade...
Todavia, o que mais me choca não é o desrespeito pelos valores que tais características denotam, é algo de muito mais assustador: a total ausência, já não da consideração, mas do (re)conhecimento dos mesmos, um nada total na matéria, mas um nada que não traduz mera ausência, mas pura violação.
Daí, ver em DT – e na camarilha de oligarcas que o acompanham e/ou comandam – não só uma pessoa má, mas um verdadeiro ente maligno, só ao nível dos vilões da literatura/filmografia do Super-Homem, Batman e afins.
Se dúvidas pudessem existir, veja-se o impensável episódio de bullying que DT e o vice-presidente J.D. Vance (já para não falar num jornalista servil, cujo nome não retive nem vale a pena pesquisar) protagonizaram, no dia 28 de Fevereiro passado, na Casa Branca, contra o Presidente da Ucrânia, #Volodymyr Zelensky – episódio do qual, todavia e contrariamente ao que alguns afirmaram, foram aqueles a sair humilhados, enquanto este, dada a sua reacção, marcada pela compostura, humildade, sensatez e contenção, deu uma verdadeira lição de dignidade e bom senso.
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Portanto, CSG, um SENHOR, permanece e permanecerá nos corações humanos (dotados de humanismo) merecedor de admiração e gratidão, já DT, um vilão entre vilões, nunca penetrará nesses corações e desaparecerá, um dia, no poço do mais profundo desprezo, nojo e, por fim, esquecimento.
Infelizmente, pelo caminho e como já se vê, causará muitas desgraças, mas o sofrimento resultante das mesmas sempre poderá ser mitigado pela lembrança de que existiram e – quero crer! – ainda existem verdadeiros Homens (da craveira de CSG), cuja memória e obra persistirão, para sempre, merecedoras de admiração e gratidão.
Assim e mais uma vez, OBRIGADA, SENHOR GULBENKIAN!
FORÇA, SENHOR ZELENSKY!
E, já agora, ESFUME-SE DEPRESSA, nem-sei-como-lhe-chame Trump!)