sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

UMA IDADE INDECOROSA: CATARSE


Há dias, fiz (muitíssimos) anos, aquilo a que chamo uma idade indecorosa. Sim, porque, a partir de determinada altura, fazer anos equivale a abanarem-nos à frente dos olhos os pérfidos números que o cartão de cidadão (CC) insiste em alardear aos quatro ventos, com aquela vozinha irritante e provocadora, de quem tem sempre razão e nunca se engana - como um ex-presidente da República  de má memória que por cá tivemos (só que, no caso deste, era mentira e no do CC, infelizmente, é verdade).

Não que me costume chatear por fazer anos. Ao menos, não dói, estou com as pessoas que amo, recebo presentes (isto é o menos, claro!), cantam-me alegremente os "Parabéns a Você" e, passadas umas horas, já esqueci a efeméride. Mas este ano foi diferente. Dei em embirrar com o dia do aniversário, naquilo que não pode deixar de ser considerado uma típica crise de idade (coisa por que já não me lembrava de passar desde aquela vez em que, sem preparação prévia, olhei para o espelho e constatei, atónita e desgostosa, olha, aconteceu, estou a ficar velha!).

Ora, este envelhecimento delatado pelo CC - ok, e corroborado por umas quantas rugas e certos efeitos duma crescente força da gravidade - não pode agradar a ninguém, sobretudo quando se tem a cabeça arejada e o corpo continua vivo e (ainda) não regista anomalias de monta. Bem, a mim não me agrada, embora, agora que parei para descrever o fenómeno, talvez ainda me agradasse menos se a cabeça e o corpo mostrassem inépcia e/ou debilidades indesejadas.

Como se não bastasse, chegado o temido dia, estava sob o efeito duma maldita indisposição gástrica ou figadal, presumivelmente decorrente do facto de, nos dias precedentes - sabe-se lá se para esquecer ou encontrar coragem! -, ter andado a dar nos queijos e nos chocolates. Vai daí, para além dos enjoos, sentia-me completamente destituída de forças, sem saber se teria energia para honrar o jantar e soprar as velas do bolo de aniversário.

Mesmo assim, a meio da tarde, lá me dirigi à Versalhes, a fim de levantar o dito bolo e respectivas velas. Acontece que os números das velas não se prestavam a equívocos, não eram daqueles que dão para duvidar da real idade (ou realidade), por exemplo, o 3 e o 4, que tanto podem significar 34 como 43! Já perceberam, era uma década que completava... ou iniciava, consoante a perspectiva.

Vai daí, o empregado - calhou ser aquele que sempre me tratou como uma rainha, de tal modo que, em crianças, os meus sobrinhos, suspeitando que ele nutria um fraquinho por mim, gozavam comigo, referindo-se-lhe como o tio -, muito simpático, deu-me os parabéns. Ora bolas - pensei - agora é que os malditos números já extravasaram o CC! Agradeci, embora ainda me tenha passado pela cabeça dizer que o bolo não era para mim, mas que entregaria os parabéns ao destinatário. Havia de valer de muito!

Bom, o jantar aconteceu, na companhia dos meus entes queridos (que é o mais importante!), consegui soprar as velas e preparei-me para enfrentar o futuro com a determinação, sentido de adaptação e, mais importante, o sentido de humor, a que costumo recorrer em situações de crise.

No dia seguinte, ainda debilitada, fui ao Corte Inglês, a fim de comer uma canja (é uma das sopas diárias e recomendo) e fazer umas compras. Cruzei-me, então, com um ex-colega de trabalho, uns anos mais novo do que eu,  que já não via há quase nove anos. Espanto dos espantos, mal olhou para mim, disse, com um brilhozinho apreciativo nos olhos, que não o deixou mentir, Está mais magra! Sorri, encantada, trocámos aquela conversa do costume - por onde tem andado, o que tem feito, etc. -, mas ele continuava com aquele brilhozinho e, ao despedirmo-nos, insistiu, Emagreceu e rejuvenesceu! E eu a sorrir e a pensar, Uau, aleluia!

É claro que este meu contentamento é sinal manifesto de que o cabrão do CC tem razão, pois, em jovem, não ligava nenhuma a elogios do tipo (com as devidas adaptações, claro, porque nem precisava de emagrecer nem de rejuvenescer, mas diziam sempre que parecia mais nova). Mas, que importa?! Senti-me mais feliz e com um novo trunfo para enfrentar o tal futuro.

Agora que fiz este percurso catártico, sinto-me em condições de prometer que, ao menos antes de completar mais uma década, não tenciono angustiar-me com o tema idade. Olha, que se lixe, é a vida! Haja os nossos seres queridos, saúde e ex-colegas a precisar de óculos!!!