sábado, 17 de outubro de 2015

ONDE O SOL NASCE (IV)

(continuação)

O dia vinte e quatro começou com um magnífico pequeno almoço bufett, do qual, todavia, só aproveitei aquilo a que estou habituada, tendo deixado para os asiáticos a abundante miscelânea de peixes, legumes, ovos, etc.,etc., que, só de olhar, me teria remetido a um estado de puro enjoo, não fosse o meu exuberante estado da boa disposição, realização pessoal e alegre expectativa pelo primeiro tour, a iniciar dentro de momentos.

A visita de Tóquio iniciou-se cerca das oito e vinte, com um grupo de que faziam parte os já referidos (Zuleima, Elias, Miriam e Andrés) e mais uns tantos, quase todos ou todos latino-americanos, sob o comando duma guia magra e baixa, de aspecto frágil, que já não caminhava para nova, e falava bem castelhano (vivera uns anos em Espanha).

Durante a recolha dos vários participantes, pelos diferentes hotéis, houve oportunidade de avistar alguns locais de culto (ao menos, para mim), nomeadamente no Bairro de Shinzuku, sendo o caso do Hotel Park Hyatt, mítico cenário do filme Lost in Translation (da Sophia Copolla, com a brilhante  interpretação de Bill Murray e da, então quase estreante, Scarlett Johansson), e do icónico edifício do Governo Metropolitano (Câmara Municipal) de Tóquio (do célebre arquitecto Kenzo Tange, vencedor do Prémio Pritzker de 1987), do qual pendia a faixa alusiva à candidatura da cidade a sede dos Jogos Olímpicos de Verão de 2020 (que, aliás, viria a ganhar, em 2013). A visita ao bar daquele hotel e a este edifício (que, na sua estrutura  mais elevada, atinge 243 metros de altura, e de cujas plataformas de observação panorâmica, segundo consta e acredito, se desfrutam magníficas vistas da cidade), são momentos que não tive tempo para viver, embora estivessem (e continuem a estar...) na minha agenda. O mesmo se diga da Torre de Tóquio - avistada do meu hotel -, do passeio de barco pelo rio Sumida, do bairro de Akihabara, povoado de lojas de artigos de electrónica, de banda desenhada (manga) e de desenhos animados (anime), que apenas avistei de passagem, e de tantos outros locais, seleccionados a partir de inúmeras referências de vária ordem, incluídas as sugestões do (minuciosamente estudado) guia de viagem...


Três fotos, a partir do interior do autocarro...


Ao fundo, a Torre de Tóquio, vista do Hotel New Otani

A visita propriamente dita iniciou-se no Santuário Xintoísta de Meiji - Meiji Jingu -, rodeado por um magnífico bosque, tão densa e frondosa é a vegetação arbórea e tão extenso o espaço por que se estende. Quanto ao meu encantamento com o mesmo, apenas  refiro que teria adorado perder-me nele - sim, a natureza, em geral, e as árvores, em particular, constituem outra das minhas paixões. Ou, como escrevi no registo da viagem, Isto de tanto amar a Natureza, suporta os seus sonhos. Tal não foi possível, dada a rapidez da visita, cronometrada ao segundo, com um mínimo de tempo livre - precisamente aquele em que nos podemos perder.

Impressionou-me a imponente torii, ou seja, portão, pela qual se acede ao recinto do Santuário e que ostenta o símbolo da casa imperial, o crisântemo. Note-se que não corresponde exactamente ao nosso conceito de portão, tratando-se, contudo, dum marco de passagem (assinalando a transição do profano para o sagrado), como se pode ver aqui:




À torii acede-se por uma larga alameda em cujos lados, a dado passo, aparecem, devidamente alinhados, uns enormes barris de vinho e de saké, constituindo oferendas. Mais adiante, surge-nos uma fonte de abluções (temisusha), espécie de tanque, coberto por um telheiro de madeira, sobre o qual se encontram um espécie de conchas (colheres) com cabo, destinadas a retirar  água, que se verte sobre as mãos, levando-se, de seguida, à boca (sem a deixar tocar no recipiente), com o significado (ou efeito?) duma purificação.








Segue-se o edifício principal do Santuário (e sim, depositei uma moeda na caixa de oferendas, vá-se lá saber porquê, talvez por aquilo de que em Roma sê romano). O ritual a adoptar frente ao Santuário consiste em fazer duas vénias, bater as palmas duas vezes e repetir o mesmo número de vénias - mas, por favor, não me perguntem o significado, pois não saberia responder. Sorry! (como eles dizem, quando, graciosamente constrangidos, confessam não falar inglês).



Magníficas árvores ladeiam o edifício, algumas enlaçadas por cordas, donde pendem inúmeros papéis brancos, repositório de desejos expressos pelos crentes. São também símbolo de união, motivo por que aí se celebram casamentos e é local de visita de recém-casados.  



De regresso ao autocarro, mal houve tempo para fixar, com a câmara fotográfica, a exuberância do bosque circundante (consoante já referi, as excursões são cronometradas ao segundo, sendo muito restrito o conceito de tempo livre, incluídas as pausas para paragens técnicas - casa de banho e café. Enfim, talvez paradigma da organização, eficiência, eficácia, disciplina e não sei que mais dos japoneses).










Não resisti a apanhar umas bolotas (ignoro se é esta a designação correcta), que, desprendidas das árvores-mãe, jaziam pelo solo. Ainda as conservo e tenciono continuar a manter, enquanto testemunho vivo e vívido do Japão. Juntamente com uma romã, algumas nozes e avelãs, e uns pedacinhos de madeira seca, integram o arranjo decorativo outonal, que, anualmente, costumo preparar (e sim, o Outono é a minha estação preferida).   







Natureza, Tradição e Modernidade






domingo, 4 de outubro de 2015

QUEM PERDEU AS ELEIÇÕES FUI EU!


E aqui estou eu, com uma enorme vontade de desabafar, mas sem saber bem por que ponta comece! Não é bem perplexidade. Esta pressuporia uma dose de inocência e desconhecimento da realidade de que, para mal (ou bem) dos meus pecados, não padeço. Também não é exactamente espanto, pela mesma ordem de razões. Por outro lado, não deixa de ser um pouco de ambos, que isto de se saber razoavelmente com o que se pode contar, não é o mesmo que aceitá-lo, assim, sem mais, só porque é (não devendo ser). Duma coisa, seguramente, se trata: uma infinita tristeza! Ah! acompanhada duma revolta monumental.

Como já adivinharam, estou sob o impacto das primeiras projecções sobre os resultados das eleições legislativas, que dão uma maioria significativa, embora não absoluta (valha-nos isso!), à coligação PSD/PP, de seu nome PàF, seguida, como segundo mais votado, embora a uma significativa distância, pelo PS, o (suposto) maior partido da oposição (e, essencialmente, idêntico àqueles)!

Quanto à campanha eleitoral e pelo que toca a esses dois protagonistas (as excelências do arco governativo, como e mais uma vez, se confirma!), achei-a tão vergonhosamente mesquinha e medíocre, que, de cada vez que tentei escrever sobre ela, acabei por desistir. 

Agora, limito-me a formular uma pergunta muito genérica, esperando que um qualquer sociólogo possa vir a responder-me. Pretendo, então, saber  como é possível tal resultado eleitoral, a favor dum  partido/primeiro-ministro (ou primeiro-sinistro, como se quiser) 

- que ganhou as eleições (precedentes) com base num cardápio de promessas falsas tão ou mais volumoso do que uma antiga lista telefónica (ainda existem listas telefónicas?), com o consequente défice democrático;  

- que governou contra as classes mais débeis (não só no plano económico), desde logo, os trabalhadores, os reformados, a classe média, apostando numa política de austeridade muito para além da que as circunstâncias do resgate exigiam;

- que desbaratou, através de privatizações (no mínimo) duvidosas, relevantes activos públicos;

- que, revelando uma tão vergonhosa baixeza ética e intelectual, virou trabalhadores contra trabalhadores, novos contra velhos, pobres contra remediados, etc., explorando o que de pior existe na natureza humana, a mesquinhez e a inveja;

- que, ao invés de se ter solidarizado com a tentativa inicial e desesperada do governo grego, no sentido de fazer prevalecer os interesses do povo sobre os interesses da grande finança (que disso se trata a política imposta pela Alemanha e caninamente seguida pelo governo português), hostilizou fortemente esse intento ;

- que se viu conspurcado por escândalos sucessivos, a começar nos do todo poderoso ministro Relvas e a acabar não sei onde, passando pelo caso dos vistos Gold e pelos casos Tecnoforma e incumprimentos fiscais do próprio Passos Coelho (susceptíveis de determinar demissão em qualquer Burkina Faso);

- que ... ora tantas outras coisas, vocês sabem ou têm tanta obrigação de saber como eu, para quê dar-me a mais trabalho!

O facto é que foi possível! 

Caso para dizer, o povo quis. Logo, o povo ganhou! Excepto eu, que me declaro totalmente excluída deste corolário (não do povo).  

A razão do povo ter querido já é outro departamento, mas não deixa de me fazer lembrar aquelas mulheres (ou homens) que levam porrada até mais não e nunca se desligam dos seus agressores, antes se dispondo a cair-lhes sempre nos braços, ou melhor, nos punhos. Talvez por medo do desconhecido.

Só para terminar: neste momento, enquanto a coligação PàF (e o povo, pois claro!) festejam a vitória e os outros - presumo - também encontrarão uma qualquer razão para declarar vitória, declaro-me triste e revoltadamente VENCIDA. Mas não vendida, valha-me isso!


(Imagem obtida em pesquisa Google)





ONDE O SOL NASCE (III)



(continuação)

Cheguei, pois, a Tóquio, envolvida num manto de primeiras boas impressões, embalada numa maravilhosa sensação de positivismo e relax, e agitada por viva expectativa em relação ao resto da viagem, que, daqui em diante, verdadeiramente começava.

A chegada ao hotel - New OTANI - apenas contribuiu para sublinhar aquelas impressões, dada a sua elevada qualidade e localização, garante de magníficas vistas. Foi-me atribuído um bonito e espaçoso quarto, no 28º andar, com uma vista deslumbrante sobre um conjunto de edifícios de vários tamanhos e feitios, desenhando um típico skyline de grande metrópole.






Pouco depois da chegada, dirigi-me ao 40º andar, sede do restaurante BELLA VISTA, um dos vários do hotel, onde prossegui a reportagem fotográfica iniciada no meu 28º.







Aproximava-se o meio da tarde e a ânsia de partir à descoberta dos lugares previamente seleccionados era enorme, mas maior foi o peso do cansaço.

Rendi-me a ficar pelo hotel, onde, após a quase maníaca organização da bagagem, desfrutei duma refeição buffet, num elegante restaurante, dum lado, aberto para o longuíssimo e larguíssimo corredor central (ligando a main tower à garden tower, aquela onde se situava o meu quarto) e, do outro lado, comunicando, através de enormes painéis de vidro, com um harmonioso jardim, para o qual segui, uma vez terminada a refeição e atentamente observado o ambiente, onde pontuavam elegantes senhoras (na maior parte), lanchando sossegada e alegremente (ou assim me pareceu). Pelo que vim a ouvir mais tarde, é habitual as mulheres deixarem de trabalhar, quando se casam, entretendo-se neste tipo de reuniões e em actividades de shoping… 

O tempo pesava, escuro, desabando, ocasionalmente, numa bátega de chuva tão generosa quanto fugidia. Mas, quando saí para o jardim - também pertença do hotel - mal caíam uns pingos esparsos, insuficientes para me afugentarem ou afugentarem o gato que por lá se passeava, plácida e astutamente, como é costume de gato.


O jardim maravilhou-me, com a sua ponte de madeira vermelha sobre o lago, onde rodopiavam peixes cinzentos ou cor de salmão (que vim a saber serem carpas e estarem associados à sorte), a queda de água, a estátua pétrea dum ser (divindade?) de cara zangada (esperei que não fosse comigo!), rodeada dum laguinho de oferenda de moedas (seria um altar?) e, claro, a vegetação, onde pontuavam os primeiros bambus.































Grossas pingarolas de chuva restituíram—me ao interior. Por essa altura, seriam cerca das cinco horas da tarde e começava a instalar-se a noite oriental.

Passeei-me pelos longos corredores, especialmente pelo principal e mais extenso, ladeado de lojas de artigos diversos, incluindo uma galeria de arte, todas elas caras ou caríssimas, e de atendimento irrepreensível. Porém, a que me despertou mais atenção, foi uma que congregava livros - uma das minhas paixões - artigos de papel - outra das minhas paixões -, em particular, ligados à cultura nipónica, e artigos de utilidade, como as máscaras sanitárias, com que viria a ver tantas pessoas cobrirem o nariz e a boca, assim se protegendo contra eventuais contaminações ou evitando contaminar terceiros.

Tomavam conta da loja duas idosas baixinhas, de aspecto frágil, com os rostos engessados em pó de arroz, parecendo saídas de imagens fílmicas (ou outras) reportadas a antes da II Guerra Mundial. Também o seu comportamento ostentava algo de desusado. Especialmente uma delas pareceu-me bastante desconfiada, quando me demorei a folhear os mais variados e apelativos livros, mantendo-me sob  permanente observação, em regime de proximidade (não fosse eu fugir com um livro na mão?!). A situação era tanto mais inquietante (para a senhora, presumi, não para mim, que me via, divertidamente,  dentro dum filme antigo) quanto ela insistia em responder em japonês às questões que eu, desconhecedora da língua, lhe apresentava em inglês. Menos mal que a outra balbuciava algum inglês, tendo, talvez, percebido que eu voltaria mais tarde, para comprar um livro. Assim fiz, tendo adquirido dois, maravilhosos, um do género documentário fotográfico do País, o outro de contos japoneses, com ilustrações (ambos em versão inglesa, of course). O primeiro destinou-se a oferecer, o segundo cumpriu (mais) uma das minhas idiossincrasias, despertada pela compra, em Copenhague, duma belíssima versão dos Contos de Andersen - em memória do deleite que os mesmos me causaram na infância. A partir daí e vá-se lá saber porquê, sempre que viajo a um novo país, compro um livro deste tipo, de preferência com tradução numa língua entendível. Mas, se não encontro, vem mesmo na língua local, como aconteceu com o croata Patka Zlatka (O Pato Zlatka). 


Enfim, mais uma mania inofensiva e, como tal, tolerável. Quando da compra, surgiu uma terceira idosa, advertindo-me, com um aspecto a que não era alheio um quase desespero, que devia efectuar o pagamento em cash (não fosse lembrar-me de sacar um cartão de plástico ou qualquer outra modernice - pensei). A conversa sobre a forma como pretendia os embrulhos foi amavelmente intermediada por um senhor asiático, risonho e divertido, que, entretanto, entrara na loja. Terminadas as operações, saí entre sorrisos, convencidas, finalmente, as senhoras, de que as minhas intenções sempre tinham sido benignas (ou assim imaginei!).

(Bonito, o papel de embrulho!)
Aproveito para adiantar que a questão da língua constitui, efectivamente, um problema de comunicação com os japoneses. Excepção feita ao staff dos hotéis, e aos guias e demais pessoal dos operadores turísticos, foi-me deveras difícil encontrar pessoas habilitadas a falar inglês (obviamente nem tentei outras línguas), mesmo entre os jovens e em lojas, incluídas as de dimensão significativa, como os department stores. Sucede, todavia, que, tratando-se dum Povo tão educado, cerimonioso e acolhedor, não resistem a dizer que falam a little bit (de inglês), vindo a revelar-se que é muito mais little do que bit, por assim dizer; noutros casos - muitos -, confessam, de imediato, não falar inglês, mas com um polido, sorridente e quase envergonhado sorry. Também ao nível da comunicação gestual, não consegui grande sucesso (quem sabe se por inépcia minha!). É, pois, recomendável andar sempre com um mapa legendado em japonês, o mesmo se aplicando às direcções dos hotéis e demais sítios que nos interesse alcançar. 

(Claro que não resisti a captar o magnífico skyline nocturno!)

Natureza, Tradição e Modernidade