domingo, 5 de janeiro de 2014

CARTA ABERTA A SUA EXCELÊNCIA


Excelência!

Ouvi dizer, já não sei se a V. Exc.ª se a outrem, que V. Exc.ª é o presidente de todos os portugueses. Sendo portuguesa, devo, pois, concluir que V. Exc.ª também é meu presidente - não que isto me soe muito bem - apesar de não ter votado em si, nunca. Mas, Democracia é Democracia, ao menos para certos efeitos, e, como tal, vou dar isto de barato.
Sei que, enquanto meu presidente - continua a soar-me estranho, mas é a realidade democrática, há que aceitá-la - pesam sobre V. Exc.ª vários deveres, nomeadamente, os de representante máximo do Estado e, nessa mesma linha, os de cumprir e fazer cumprir a Constituição e a Lei. Deveres pesados, repito, sobretudo nos tempos que correm, de tantos desgovernos atentatórios daquela lei fundadora e fundamental e, sobretudo, dos valores humanistas subjacentes.
Justamente por isso, por a sua carga institucional já ser tão pesada, afigura-se-me que não deve ser agravada pelo acrescento doutros deveres, concretamente, deveres de representação não institucional dos portugueses, ao menos os que não votaram em si, e, quanto mais não seja por isso, o dispensam de tal representação. Vou mais longe, peço-lhe mesmo encarecidamente que faça o favor de, neste âmbito, não falar por mim, primeiro, porque não sabe o que eu penso, segundo, porque não está mandatado para o efeito, terceiro, porque não me sinto bem quando falam por mim, especialmente em se tratando de V. Exc.ª.
Refiro-me, naturalmente, à sua afirmação, de hoje, a propósito do passamento do Sr. Eusébio, glória do futebol nacional, de que os portugueses estão em lágrimas (não sei se exactamente por estas palavras, mas com este sentido) e, já agora, à sua recomendação de que os portugueses sigam o exemplo do falecido.
Ora, acontece que, a) tal acontecimento não me deixou em lágrimas; b) não vislumbro qualquer exemplo a seguir, nem, aliás, vejo como poderia segui-lo.
Em lágrimas e em luto nacional - por mais de três dias, enquanto os factos e a memória persistirem - estou, sim, mas por outros acontecimentos, nomeadamente e para não me perder em grandes divagações, pelas vítimas da crise, refiro-me àquela que assola o País, pelos suicidados da crise, pelos desesperados da crise e pelos assassinados da crise! Sim, caso neste momento da minha vida estivesse disponível para lágrimas, seria por essas vítimas e não pelo facto natural da morte duma pessoa, por mais pública e importante que essa pessoa tenha sido, e por mais que lamente o sofrimento dos seus familiares, amigos e admiradores.
Para mim, a elevação dum País, perante si próprio e perante terceiros, faz-se e mede-se pela via da elevação da mente e do espírito, traduzidas em inteligência e ética,   acima do comezinho e da alienação colectiva. Não se faz, de todo, pela via do futebol, ao menos, enquanto instrumento de alienação de massas, que também é.
Não são, pois, de todo, os exemplos do futebol que me interessa seguir, apesar de não ignorar a existência de comendadores entre os seus heróis. Aliás, nem vejo como poderia fazê-lo, pois não nasci com o maravilhoso dom de jogar magnificamente futebol. Mesmo a ter sido esse o caso, ainda assim, não se trataria de seguir um exemplo, mas antes de agarrar o dom, mas isto já é entrar pelos caminhos da filosofia.
É tudo.
Rendida à maior das considerações, permito-me apresentar os cumprimentos devidos,
 
Bluegirl


 
 

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