segunda-feira, 28 de abril de 2025

WW III: CRÓNICA DE UM DIA ANUNCIADO


Há dois dias retida em casa, achaques diversos, estómago, coluna…
Hoje, faço um assinalável esforço para me levantar, mas tem de ser, preciso de ir levar aquelas duas miraculosas injecções para a coluna, passar pelo cabeleireiro e, sobretudo, arejar, distrair (ou não fosse a rua o meu modo de sobrevivência!). É uma da tarde, o visor do rádio está morto, a luz da mesa de cabeceira, também. Verifico a instalação eléctrica, não provém daí o apagão. Sigo para a cozinha, agoniada e com as dores lombares a apertar o cerco. Fixo-me nas árvores da rua, enquanto telefono para o número das avarias da empresa de electricidade. Estranho, a chamada não é estabelecida. Ligo para outro número da empresa, mas a mensagem anuncia grande demora no atendimento. Volto a tentar o primeiro  número. Sem êxito. Tento consultar a Internet, mas já não dá,  acciono os dados móveis, todavia, após um auspicioso início, vão abaixo. A rede já foi, em todas as suas vertentes e funções.
Penso na falta do som do rádio, minha companhia de levantar, de começar o dia.
Regresso ao quarto, vejo os miúdos universitários que habitam um dos prédios da frente. Pergunto se sabem alguma coisa, se têm rede. Rede também não têm, mas sabem ter-se tratado de um apagão geral, na Europa.
Penso no que não podia deixar de pensar, pirataria, ataque informático, Putin, Trump, ambos de conluio?
Penso que os receios infundidos pelo estado do mundo se estão a concretizar talvez (ainda) mais rapidamente do que esperava.
Penso, com preocupação, na minha família, será que algum foi apanhado no metro ou num elevador? E a minha sobrinha-neta, será que a sua intervenção cirúrgica, marcada para amanhã, poderá realizar-se? Como estará ela, já tão nervosa com a perspectiva, como a achei há dias!
Sigo a rotina de antes de sair de casa, com as devidas adaptações. Pequeno almoço, uma tosta com compota (não gosto, mas tento acalmar o enjoo), desacompanhada de café (isto das máquinas eléctricas!, comprar café solúvel para emergências, anoto mentalmente na lista de compras); lavo a louça, faço a cama, banho, ora bolas!, não dá para tomar banho, a caldeira funciona a electricidade e gás... 
Antes de sair,  renovo a conversa através da janela, os miúdos não sabem mais nada. Estão animados, como se nada fosse. Ainda bem, abençoada juventude!
Tirar o carro da garagem é impossível, o sistema é de monta-autos (elevador). Bem podia tê-lo deixado na rua, mas, vá-se lá adivinhar! 
Desço os quarenta e dois degraus que me separam da porta da rua, alumiada pela lanterna do telemóvel, saio. Um raio de um calor infernal (cada vez suporto menos o calor!). Mudo-me para o lado da sombra.
Circulam bastantes pessoas, com ar descontraído, como se nada fosse, ainda bem, algumas nas esplanadas dos cafés que continuam abertos.
Vou interpelando algumas, sobretudo as que olham para telemóveis (que, afinal, não funcionam), no sentido de obter informação, mas cada qual apresenta a sua versão. Versão um: apagão geral na Europa; versão dois, apenas em Portugal Espanha e sul de Itália ou França; versão três, para além destes, Marrocos. Quanto às causas, apenas uma versão, avaria numa central de França, pelos vistos conectada com toda a rede europeia, sem suspeita de ataque informático. Previsões, em geral, desconhecidas, até que alguém fala em até 72 horas.
Entro num café, com o objectivo de comprar um ou dois bolos secos (nem me lembro que também vende pão),  mas não compro nada, só há bolos com creme, o que, na circunstância, não me parece aconselhável.
Em conversa, a empregada, perante a versão da tal avaria em França, mostra-se  céptica, avança que isto foi mas é coisa do Trump. Concordo, ao menos ao nível da probabilidade.
Ainda acrescenta, bem andavam a falar no kit de emergência, mas este país! Não, digo, não é o país, somos nós, as pessoas, olhe, eu própria ando há tempos a pensar nisso, mas vou sempre adiando. Imagine que nem uma lanterna ou velas tenho em casa. Pois é, concorda, deixamos sempre tudo para depois.
Sigo para a loja do chinês, na esperança de encontrar o dito objecto, agora tornado essencial. Esgotadas, já foram todas! Miraculosamente, lá desencantam uns kits de lanternas para bicicleta. Fico logo com um dos três disponíveis e duas embalagens de pilhas extra.
Mais à frente, numa loja quase a fechar, consigo comprar pão.
O trânsito amontoa-se, caótico, como seria de esperar, com os semáforos em greve. Ouvem-se bastantes sirenes.
Já vi mais do que uma pessoa carregada com sacos do ECI. Uma delas informa-me que o supermercado está aberto e aceitam pagamentos multibanco. Talvez pudesse lá ir abastecer-me de qualquer coisa justificada pela situação. Mas não, apesar de ser tão próximo, falta-me a vontade e, sobretudo, as forças par continuar sob a espessura do calor.
Estou à porta de casa, subo os quarenta e dois degraus com recurso à lanterna acabada de comprar.
Penso em como irei ocupar este tempo, sobretudo esta perspectiva de silêncio, de falta de contacto (embora abstracto) com o mundo. No Covid, ainda havia telefones e Internet e aproveitei para fazer imensas coisas em casa. Neste momento, nem sei em que posição estacionar o corpo queixoso. E a incerteza, a falta de notícias, de saber o que se passa, incomoda-me. Contudo, permaneço calma, não fossem as maleitas e ia passear até ao jardim da Gulbenkian.
Penso que este acontecimento representa uma pequena amostra dos padecimentos daqueles que sofrem o terror das guerras (obviamente, os ucranianos surgem-me em primeiro lugar).
Curiosamente, enquanto falava com um desconhecido (hoje só falei com desconhecidos), à procura de notícias, abeirou-se de nós um homem jovem, a pedir, anunciando ser ucraniano. Não demos esmola (porque nunca se sabe se é fingimento).
Penso em contradições e arrependimentos, no abstracto e no concreto...
Desligo o telemóvel, para poupar carga. Lamento, ontem à noite, não ter deixado o computador a carregar, pois estava com metade da carga. Preguiça, vício de procrastinação.
Agora estou a escrever no iPad, que, mesmo não sendo usado, perde a carga muito mais rapidamente do que o computador. Já só tem 13%, nem deve dar para rever este texto, destinado ao blog, como crónica de um dia anunciado.
Penso no Papa Francisco, que talvez tenha partido em bom momento. E ocorre-me pedir-lhe que interceda pelo mundo, mas depois recordo que, agora, ele é pó de estrelas!
Ignoro se estou a ser apocalíptica, mas o que pensar perante a ameaça dos Trumps e dos Putins desta vida?
P.S.: Este texto foi escrito por volta das dezassete horas do dia 28 de Abril de 2025. Agora, que acabo de o editar, (obviamente) já há luz. O Primeiro-Ministro veio comunicar ao País o que se passa. Continuo sem saber qual foi a causa do apagão, nem sei se alguma vez nós, comum dos mortais, virá a saber. Mal possa, vou tratar do Kit de emergência. Amanhã irei à loja do chinês, reclamar da lanterna que deixou de funcionar (agora só dá luz se se mantiver o dedo premido)...




quarta-feira, 23 de abril de 2025

AUTOBIOGRAFIA: FUNDAMENTO


(...)
Se tal imagem não constituiu a verdadeira recordação inicial, então qual teria sido a recordação inicial? Teria sido de mim (sim, até àquela altura, não creio ter-me ainda reconhecido enquanto eu)?

Muito mais tarde, ao longo do caminho da vida, ocasionalmente, sobretudo antes de adormecer, lançava-me à procura da primeira recordação e da seguinte e da seguinte, no obsessivo intuito de surpreender uma ordem capaz de me explicar ou organizar, como se carecesse de referências seguras para me sentir em harmonia e como se o controlo, fosse lá do que fosse, dependesse disso, precisamente disso, como se o caos não pudesse servir-lhe de fundamento.

Curiosamente, também me comportava assim em relação às coisas, necessitava de organização à volta, tudo nos seus devidos sítios, tal qual se isso condicionasse a possibilidade de (auto)domínio e libertação.

Acontece que as tentativas de organização dos factos da vida se perdiam, sistematicamente, no prelúdio de sonos agitados, como quem, partindo sempre do mesmo início, não consegue atingir um ponto final, sequer um ponto e vírgula, perdendo-se em abruptos parágrafos, na impossibilidade de estabelecer escalas intermédias, excepto uns quantos parêntesis espantados, talvez mesmo desconexos.

Quanto às coisas, algo de semelhante sucedia, nunca atingindo o ponto de arrumação definitivo, aqui pela entrega à divagação, quando não à preguiça, do (re)começo ou do seguimento, talvez porque o critério e o grau de exaustão requeridos, ou melhor, auto-impostos, eram de tal maneira exigentes que os esforços se pereciam em adiamentos sucessivos.

Tudo isto gerava-me (do mesmo modo que era gerado por?) uma ansiedade permanente e uma sensação de desordem que me manietava a liberdade de acção, aliás, de voar e de me sentir preparada para o último voo (ou mergulho, vá-se lá saber se a morte é voo ou mergulho, elevação ou descida!). Ou a isso, a esse adiamento repetido e angustiadamente sabido inacabado, servia de esfarrapada desculpa.

Os adiamentos formavam rios caudalosos, ramificados em afluentes vários, até que decidi escrever-me, talvez assim conseguisse avançar com a organização das memórias, talvez com esta chegasse a libertar-me das coisas, sobretudo da prisão das coisas – sim, as coisas funcionam como uma espécie de carcereiros; as memórias, ou melhor, as emoções guardadas (ou inventadas) nas memórias, quanto a estas não restam quaisquer dúvidas da sua natureza de carcereiras.

Impunha-se domesticá-las! Que melhor forma do que começar por conhecê-las, descrevê-las, tentativa de organização do caos?

Lancei mãos à obra, pela terceira ou quarta vez (em décadas)…
(...)




domingo, 16 de março de 2025

SENHOR #GULBENKIAN "VERSUS" NEM-SEI-COMO-LHE-CHAME #TRUMP

1

Sempre me dei bem com a gratidão, talvez por serem tão parcas as vezes que tive justificação para a manifestar. Bem, não é por isso, mas por representar um valor em si, o do reconhecimento face à dádiva, o da manifestação do reconhecimento sentido face à dádiva.

Dádiva e gratidão, generosidade e reconhecimento, enfim, VALORES! A essência reside nos valores, ou seja, nos princípios conformadores de uma sã, pacífica e feliz convivência entre os humanos, tão mais necessária e benéfica quanto é pesada a carga inerente à nossa natureza, o enigma angustiante de ignorarmos – e estarmos conscientes da impossibilidade de desvendar – de onde vimos, para onde vamos – se é que iremos para algum lado! – e, não menos importante, porquê (porquê a existência ou isto que tomamos – sofremos ou desfrutamos – como tal?).

2

Falo, agora, de uma particular gratidão que jamais me canso de expressar, sobretudo nos meus diálogos interiores; o destinatário já não está connosco (viveu entre 1869 e 1955). Refiro-me a #Calouste Sarkis Gulbenkian (CSG), criador da Fundação com o seu nome, dádiva maravilhosa ao nosso País, mas não só, pois abrangendo vários domínios temáticos – beneficência, arte, educação e ciência – e geográficos, alcança um amplo leque de destinatários/beneficiários.

Criada numa altura em que Portugal vivia mergulhado em obscurantismo tacanho e opressor, também no plano cultural, a #Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) veio escancarar luminosas janelas, através das quais muitos puderam descobrir mundos que, até então, lhes estavam completamente vedados. Centro-me, aqui e em particular, na divulgação cultural, nas suas mais diversas vertentes, v.g., exposições de arte, espectáculos de dança (tantas saudades do Ballet Gulbenkian, em tão má hora extinto!), concertos, conferências e um vasto etc., de que, todavia, se não podem esquecer as carrinhas biblioteca, portadoras da leitura aos mais recônditos pontos do País, assim criando condições para romper com o nosso proverbial atraso (quantos leitores se forjaram, mercê desta generosa iniciativa, sem a qual permaneceriam na triste ignorância do maravilhoso mundo do conhecimento, em geral, e da literatura, em particular!).

Portanto, nunca me cansarei de proclamar: OBRIGADA, SR. GULBENKIAN!

3

Certamente por isso, trata-se de uma personalidade sobre a qual nutro enorme curiosidade, sobretudo do tocante a desvendar o que se situa para além da mítica alcunha de "Senhor 5%", que sempre me pareceu  assaz redutora, senão de mau gosto, para um Homem cujo requinte, generosidade e largueza de vistas são bem patentes, desde logo, no seu legado humanitário e cultural.

No intuito de satisfazer tal curiosidade, tenho lido algumas publicações, uma delas, um interessantíssimo diário de viagem, da autoria do mesmo, onde é relatada a sua viagem ao Egipto, Palestina e Síria e onde é dado interessante testemunho, entre outros aspectos, da sua relação com a arte e, inclusivamente, dos (informados e criteriosos) processos de escolha das peças que adquiria e que integram, hoje, o magnífico acervo do pertinente legado: trata-se de "VOYAGE EN EGYPTE, PALESTINE ET SYRIE (JANVIER-FÉVRIER 1934)", edição da FCB, no âmbito e enquanto espécie de catálogo da exposição "Calouste, uma vida, não uma exposição", promovida pela Fundação em 2019, quando da celebração dos 150 anos do mesmo, justamente com o objectivo de dar a conhecer a sua vida e obra. 

Todavia, o livro (também publicado no contexto daquela celebração, com o apoio da FCB) de que, agora, me proponho falar é outro: "A Educação do Delfim", constituído por uma selecção de cartas maioritariamente trocadas entre CSG e o seu (único) neto, #Mikhael Essayanno decurso da II Guerra Mundial, numa altura em que o primeiro vivia em Lisboa e o segundo, jovem adolescente, estudava em Londres

Com autorização da sua filha e genro – Rita e kevork Essayan –, pais de Mikhael, então residentes em Paris, CSG, assumiu a direcção educativa do neto, de que tais missivas constituem o veículo (tenham-se presentes as restrições à circulação impostas pela guerra).

Constam as mesmas de um património de conselhos (de avô para neto)  relativos aos planos académico e comportamental, através dos quais fica patente a elevada qualidade intelectual e moral de CSG.

Disso são exemplo, no domínio da orientação académica, as recomendações sobre critérios de escolha de leituras e do próprio currículo escolar, e, quanto ao comportamento pessoal, um permanente incentivo ao autoconhecimento e à auto-responsabilização, sempre norteados por elevados critérios de exigência, visando como padrão, dar o melhor de si próprio e manter a humildade e o respeito pelo próximo; em suma, propondo nada menos do que um comportamento exemplar, na relação consigo próprio e com os outros, enquanto modelo de ética de trabalho e de vida.
 
Neste contexto, são frequentes as chamadas à responsabilização pelas falhas de comportamento e/ou insatisfatórios resultados escolares do neto, por vezes, em termos que podem parecer um tanto excessivos, sobretudo se tivermos em atenção a idade deste (o início da correspondência ocorre por volta dos seus quinze anos) e, sobretudo, as circunstâncias em que vivia, afastado da família, e em plena guerra.

Porém, logo este (eventualmente excessivo) rigor é temperado pelo afecto demonstrado e, talvez não menos relevante, pela lembrança constante de que os conselhos emanam da experiência de vida do emitente e visam a preparação para a vida do destinatário, sendo motivados pelo amor e preocupação que este lhe merece.

Também de assinalar que, a partir de determinada altura, CSG, apercebendo-se desse rigor, revela a sabedoria e humildade necessárias para abrandar o grau de certas exigências e, sempre, para celebrar as conquistas do neto, assim o incentivando a prosseguir e progredir, no  intuito de dar sempre o seu melhor.

Para mim, o retrato emergente da leitura destas missivas é, pois, o de um homem não só extremamente culto e dedicado ao neto, mas, sobretudo, dotado de elevados padrões morais e, não menos importante, de profundo afecto.

Enfim, tal como já suspeitava, esta leitura coloca o Homem (CSG) muito acima da referida alcunha ("Senhor 5%")! E, contra tantas e tão lamentáveis evidências em contrário, permite acreditar que o mundo dos negócios e da alta finança não tem por que ser forçosamente egoísta e eticamente reprovável (nos tempos que correm, não é pequena esperança!).

4

Hoje em dia, e muito particularmente, após a (deplorável) eleição de #Donald Trump (DT) para a presidência dos Estados Unidos da América e de tudo a que, na sequência da mesma, se vem assistindo, tenho pensado muito – sempre com a mencionada gratidão e  acrescida admiração –, nas qualidades intelectuais e morais do SENHOR CSG.

Trata-se de um pensamento por contraste, pois DT personifica exactamente o oposto deste modelo; olha-se para ele – desde a expressão corporal às palavras e aos actos – e assiste-se à personificação da vacuidade intelectual e da malignidade, do interesse exclusivo por si próprio, da arrogância, da prepotência, da maldade, da irresponsabilidade, da leviandade, da absoluta falta de respeito pelo próximo, pela justiça e pela dignidade... 

Todavia, o que mais me choca não é o desrespeito pelos valores que tais características denotam, é algo de muito mais assustador: a total ausência, já não da consideração, mas do (re)conhecimento dos mesmos, um nada total na matéria, mas um nada que não traduz mera ausência, mas pura violação.

Daí, ver em DT – e na camarilha de oligarcas que o acompanham e/ou comandam – não só uma pessoa má, mas um verdadeiro ente maligno, só ao nível dos vilões da literatura/filmografia do Super-Homem, Batman e afins.

Se dúvidas pudessem existir, veja-se o impensável episódio de bullying que DT e o vice-presidente J.D. Vance (já para não falar num jornalista servil, cujo nome não retive nem vale a pena pesquisar) protagonizaram, no dia 28 de Fevereiro passado, na Casa Branca, contra o Presidente da Ucrânia, #Volodymyr Zelensky – episódio do qual, todavia e contrariamente ao que alguns afirmaram, foram aqueles a sair humilhados, enquanto este, dada a sua reacção, marcada pela compostura, humildade, sensatez e contenção, deu uma verdadeira lição de dignidade e bom senso.

5

Portanto, CSG, um SENHOR, permanece e permanecerá nos corações humanos (dotados de humanismo) merecedor de admiração e gratidão,  já DT, um vilão entre vilões, nunca penetrará nesses corações e desaparecerá, um dia, no poço do mais profundo desprezo, nojo e, por fim, esquecimento.

Infelizmente, pelo caminho e como já se vê, causará muitas desgraças, mas o sofrimento resultante das mesmas sempre poderá ser mitigado pela lembrança de que existiram e – quero crer! – ainda existem verdadeiros Homens (da craveira de CSG), cuja memória e obra persistirão, para sempre, merecedoras de admiração e gratidão.

Assim e mais uma vez, OBRIGADA, SENHOR GULBENKIAN!

FORÇA, SENHOR ZELENSKY

E, já agora, ESFUME-SE DEPRESSA, nem-sei-como-lhe-chame Trump!)




domingo, 26 de janeiro de 2025

O INEFÁVEL SIGNIFICADO DE UM F

Em minha casa, há uma daquelas escadas de bambu frequentemente usadas como suporte de toalhas ou outra coisa qualquer.
Comprei-a porque sim, ou melhor, porque gosto, gosto de bambu, gosto do design da peça e gosto de a ter simplesmente encostada a uma parede, hoje uma, amanhã outra (pois é leve, ocupa pouco espaço e apraz-me variar a decoração).
Não a uso como toalheiro, aliás, não lhe destinei qualquer propósito definido, a não ser o de estar ali. É certo que, de vez em quando, me sirvo de um dos seus degraus para instalar qualquer coisa, por exemplo, uma peça de roupa à espera de melhor poiso, um boneco de natal a perseguir um fio de luzes coloridas que trepam da base ao topo, ou algo igualmente passageiro, tão transitório como, por exemplo, as estações do ano (quando existiam) ou um estado de espírito (estes existem e, tanto quanto suspeito, assim hão de continuar, ao menos os meus).
Há, todavia, dois habitantes – únicos e permanentes – da minha escada de bambu, a saber, um pequeno macaco castanho, feito de borracha maleável, suspenso do degrau mais alto, mercê do abraço dos seus bracinhos magros,  e uma letra de metal, um F espalmado e colorido de flores, presa por uma cordão à parte de cima duma das barras laterais, mais ou menos ao nível do macaco.

Abro um parêntesis, porque acabam de me assaltar dois pensamentos, aliás, uma recordação e uma dúvida: a primeira é do João, aí pelos cinco anos, a querer subir a escada, aventura que fui a tempo de impedir, com os inerentes benefícios para ambos (ele e a dita); a segunda, é sobre se a empregada se dá ao trabalho de a limpar, o que não tenho averiguado, mas devo fazer, pois, sendo de cor castanha clara, cor de cana, não dá para distinguir, à vista desarmada, se acumula ou não pó; impõe-se avançar para o teste do algodão, por assim dizer.

Prosseguindo, para chegar à razão deste texto, a saber: o significado daquela letra F, em que a frieza do metal contrasta com a calidez do desenho florido.
Comprei-a numa época em que, por vezes, sucumbia ao impulso consumista de adquirir certos objectos, não necessariamente pelo seu valor, mas por qualquer outro critério, maxime, a harmonia estética, a evocação de certas memórias ou o carácter lúdico (o macaco releva deste último).
Ora, a verdadeira razão daquele F não deixa de constituir um mistério. Não há dúvida de que é um bonito efe e que, de resto, corresponde à primeira letra de um dos meus nomes próprios. Mas esconde-se ali qualquer coisa, podendo ir de um desejo de Felicidade à formulação de um desabafo de acentuada zanga, que enuncio em inglês, para não abandalhar este blog; sim refiro-me ao Fuck, aliás tão celebrado na filmografia americana – fuck isto, fuck aquilo, tu ou aquele, esta fucking situação ou outra fucking coisa e um longo etc. de fucks/fuckings
Lamentavelmente, algo me leva a crer que é esta última a identidade escondida da minha letra F, por mais fucked que isso possa ser... ou parecer.

Se este não-assunto merecia um texto? É claro que não. Mas vou falar de quê, do estado do mundo, sobretudo depois da eleição dos fucking oligarcas americanos para o desgoverno do mundo? Da aplicação do conceito da matrioska enquanto método de dissimulação de roubo de trolleys por um fucking deputado dum fucking partido político (?), cujo lema é a limpeza do país e cuja obsessão é a criminalidade dos imigrantes? Da mais recente fucking idiota proposta do sr. Trump para recambiar os Palestinianos para a Jordânia e o Egipto?

Enfim, que se fuck this, também só lê quem quer, embora eu goste que leiam. Caso contrário que fucking idea justificaria o trabalho de o publicar?


  

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

MARIA NINGUÉM (5): (A)TRAÍDA POR UMA MACIEIRA


os cães acabaram por decidir o curso dos acontecimentos. tomados de uma impaciência crescente, puxavam violentamente as trelas, por entre latidos vigorosos, em tal nível de exigência e urgência que o afonso acabou por ceder.

aparentando certo desconforto, enfatizado por um encolher de ombros, olhou-me em modo de pedir desculpa e disse, "olha, tenho de os levar ao passeio nocturno, são muito indisciplinados e, quando atingem este grau de desatino, não consigo dar conta deles; podes acompanhar-me ou, se preferires, esperas-me aqui em casa e falamos quando eu voltar, aí em meia hora." 

hesitei, pois o cansaço era demasiado para o acompanhar no passeio e, por outro lado, não sabia bem que conversa poderíamos vir a ter nem, tão pouco, se me atreveria a esperá-lo em casa, não fosse isso ser ou parecer abusivo. acabei por responder que o aguardava ali mesmo, no patamar da entrada, onde me deixei escorregar até ficar sentada de encosto à porta. "como queiras", disse ele, partindo atrás dos cães, arrastado por fortes puxões das trelas.

confesso que, ao vê-lo desaparecer do meu campo de visão, senti um misto de alívio e decepção, afinal não sabia bem o que me tinha levado de volta àquele lugar e, muito menos, o que procurava encontrar lá, já para não dizer que semelhante encontro escapara completamente às minhas previsões, aliás, inexistentes.

foi assim que, após ter descansado uns minutos, me levantei, a custo mas com determinação, e zarpei dali, tendo o cuidado de o fazer na direcção oposta à que ele tomara com os seus galgos, não fosse cruzar-me com ele.

ao fim de um tempo impossível de calcular e após ter calcorreado uma vasta extensão de estrada deserta, dei comigo a aproximar-me de uma zona habitada por moradias, a princípio dispersas e depois mais próximas umas das outras. a noite estava cerrada, apenas se vislumbrava o brilho tímido de uma ou outra estrela, bem lá no alto, e das janelas daquelas casas não se escapulia réstia de luz, como se mergulhadas em sono profundo. 

por essa altura, ao cansaço juntava-se-me uma fome rabugenta, assim uns dentes a roerem-me o vazio do estômago, e foi quando vi, pendendo do muro que rodeava uma das casas, alguns ramos de macieira, ornados de promissoras frutas. estiquei um braço e deitei a mão a uma maçã, que, apesar da escuridão, percebi bem vermelha e madura, exalando um cheiro delicioso. ferrei-lhe os dentes com quanta fome tinha e o sumo escorreu-me pelo queixo, enquanto o sabor, fresco e doce, me escorregava pela garganta abaixo, acalmando os dentes ávidos que antes me devoravam o vácuo estomacal. em menos de nada, apanhei outra maçã e outra, que mastiguei com gosto e pressa, sentindo um prazer indizível. depois, acabaram as maçãs ao meu alcance e ousei subir o muro, para aceder aos ramos mais altos. fiquei suspensa num equilíbrio instável, quando uma luz forte, vinda da janela frontal, em que nem sequer reparara, iluminou vivamente a minha desgraçada pessoa. embora encandeada, consegui pressentir uma forma humana, por trás do vidro da janela e, logo de seguida, aberta esta, ouvir a voz esganiçada e idosa de um ser encurvado, exclamar: "mas que vem a ser isto, pensas que estou sozinha e não me posso defender? salta já daí que a polícia está a chegar!"

obedeci de uma forma tão cega e atarantada que fui parar ao interior e não ao exterior do muro. ainda tinha um pedaço de maçã na boca, mas não foi por isso que não consegui falar, era medo e estupefacção o que me paralisava as cordas vocais e, já agora, as pernas. os olhos entretanto habituados à luz, vislumbrei a frágil figura de uma velhota, que, todavia, não revelava qualquer fraqueza ao segurar uma caçadeira apontada na minha direcção sem sombra de hesitação ou tremura.

"és muda?", perguntou. num esforço desumano, lá consegui sair do meu estado de paralisia e articular, embora a custo, uma resposta: "desculpe, senhora, não pretendo fazer mal nenhum, só comi umas maçãs, porque estava com fome e sem rumo."

"sem rumo?, ai isso não duvido! ora chega-te aqui, mas vem com calma e sem ideias, que não me custa nada carregar no gatilho."

aproximei-me, ridiculamente com as mãos no ar, como vira em algum filme, e, fixando um olhar penetrante em mim, a velhota desatou a rir às gargalhadas, baixou a arma e, indicando-me a porta, com um gesto de cabeça, mandou-me entrar.

a medo, sem saber muito bem o que fazer às mãos, cumpri a sua ordem e assim me vi dentro duma casa tão estranha quanto a sua dona. parecia saída dum conto de outros tempos, daquelas em que as mobílias estão cobertas de lençóis empoeirados e, de velhos candelabros, pendem rendas de teias de aranha, não esquecendo o vislumbre de umas cabecinhas de rato a farejarem das paredes esburacadas. se a mulher tinha o nariz adunco, uma verruga no nariz e um carrapito mal alinhado e esfiapado no alto da cabeça esguia, um queixo em forma de cunha e os nós dos dedos salientes como berlindes mal amanhados, pois claro que sim! não, não é verdade, tratava-se de uma velhinha graciosa, de face arredondada – tão arredondada quanto o descair das carnes ainda permitia –, olhos de um azul já desmaiado, a escapulir-se por entre uma tessitura de pregas e rugas que mais parecia o leito ressequido dum rio, mãos delicadas e uns fios de cabelo esparsos, mas bem alinhados.

por entre um sorriso doce, tão doce quanto desdentado, disse-me: "vejo que estás um bocado maltratada e, pelos vistos, com fome, e acredito que não te movem más intenções, assim mo dizem os teus olhos e nem preciso de to perguntar, como aquele da televisão que acaba sempre as entrevistas a inquirir aos entrevistados: o que dizem os teus olhos?", e riu-se, achando-se graça. aliás, teve graça e, eu própria ri, aliás, sorri, apesar de estar tranzida de medo, de espanto e de não sei quantos mais estados emocionais negativos.

acabámos as duas sentadas à mesa duma grande e acolhedora cozinha, onde ela me serviu uma deliciosa ceia de torradas com compota, bolinhos caseiros e uma enorme caneca de chocolate quente, sob a promessa de, em troca, eu lhe contar a minha história e lhe prometer que ficaria um tempo com ela para a ajudar a dar um jeito à casa.

naquele momento, pareceu-me perfeito, bem vistas as coisas, não tinha qualquer alternativa, nem para onde ir, nem o que fazer. 

quando me conduziu ao quarto, anunciou duas coisas, uma, que se chamava sibila, a outra, que dormisse descansada, pois ela se encarregaria de me despertar. não me dando tempo a retorquir fosse o que fosse, sequer um agradecimento, saiu do quarto, murmurou boa noite e fechou a porta. confesso que estava aparvalhada, estado de que saí, como se de um salto, ao ouvir a chave rodar na fechadura. o que mais me pode acontecer?, pensei, mas depois rendi-me ao cansaço e às circunstâncias e tombei na cama macia e empoeirada, deixando-me embrenhar rapidamente num sono quase comatoso, apenas animado pela correria desvairada de uma matilha de galgos, em direcção a um homem refugiado no cimo de uma árvore, de onde pendiam armas no lugar de frutos.


P.S. : este texto é continuação do (post) de 19 de Agosto p.p. e, com sorte, irá prosseguir. (falta o desenho-ilustração, porque continuo sem conseguir carregar fotos para o blog)



terça-feira, 14 de janeiro de 2025

HOJE JÁ NÃO TERÁS AMANHÃ


Ignoro o teu nome, se és homem ou mulher, quem sabe se um dos outros inúmeros géneros, entretanto inventados e que nem sequer conheço.
Ignoro o teu nome e tudo o resto, vi-te a uma distância de metros, eu estacionada no carro, a falar ao telemóvel com uma amiga, contando as desventuras de uma recente intervenção cirúrgica malsucedida, apenas por alto e em tom jocoso, detesto pormenorizar desgraças e lamentar o que não tem remédio (ai, como me chateiam aquelas amigas que curtem desgraças como quem curte amores, só falam de doenças e pouco mais, tudo ao pormenor, esmiuçado com detalhes de macramé!).

Mas não é de mim, é de ti que me proponho falar, embora não tenha muito a dizer. Desconheço quem eras, o teu nome, género, idade, profissão ou falta dela, família, amigos, enfim, a moldura do teu corpo e da tua vida é-me completamente estranha.
Digo, estranha, não alheia. É que te vislumbrei a sombra, por sob o fato preto, quando, acompanhado/a por dois homens, também eles de negro vestidos, davas entrada na limusine cinzento prata.
O teu vulto aparentava fragilidade, talvez tivesses perdido peso, ultimamente, talvez nunca tenhas chegado a ganhar um peso assinalável, ao menos, a ser este o caso, não necessitaste de te preocupar com a balança. 

Mas, que sei eu, que nada sei de ti? De que cor os teus olhos, de que doçura ou amargor os teus beijos — se é que beijavas… —, de viajar, gostarias? e de ler, de amar, de ver as estrelas e o mar? Dançar?
A dúvida mais perturbadora que me assaltou, a mim que nada sei de ti nem nunca virei a saber, foi a seguinte: gostarias de viver? E uma outra, mais pungente ainda, estarias assim completamente desacompanhado/a?
É que, repito, nada sei de ti. 

A não ser que hoje, dia 30 de Dezembro de 2024, pelas cinco e pouco da tarde, vi a sombra de teu frágil corpo, sobre um esquife metálico (assim me pareceu), embrulhada num envólucro negro (manta, plástico?), atado à tua volta, ser transportada por dois agentes funerários, sob a vigilância de um terceiro, do interior dum prédio sito na Avenida Cinco de Outubro, em Lisboa, ali ao pé do cinema Nimas (terás gostado de cinema?) para o interior de uma carrinha funerária, de cor cinzenta prata. Ah!, isto sem que ninguém te acompanhasse.

Se conseguisse desenhar o abandono, recorreria às tintas com que acabo de dar forma a estas palavras.

Por qualquer (obscura?) razão, fiz suposições tão abusivas quanto esperançosas, do tipo, talvez estivesses farto/a de viver, talvez não te tenha custado partir. 
Uma coisa é certa, sejas quem fores ou o que tenhas sido, estejas onde estiveres ou em lado nenhum, desejo-te a paz definitiva do esquecimento, ao menos para não recordares que ninguém te acompanhou à porta, ao menos esta última vez.

Será que alguém chegou a saber quem eras?

(Este texto – que escrevi e publiquei no Facebook, 30/12/2024 — baseia-se num facto real.)



terça-feira, 15 de outubro de 2024

O HOMEM QUE SE DESINTEGROU DIANTE DE MIM

seguíamos no mesmo autocarro, ignoro se com idêntico destino – parvoíce, ninguém partilha destino com ninguém, apenas natureza, a (dita) natureza humana, estranha criatura, cimento dos males do mundo.
ele aparentava uma calma quase diáfana, como se estivesse em estado de yoga, meditação ou simples introspecção, mas sossegada (por vezes, a introspecção vai tão fundo nas entranhas que desatina qualquer mente, inclusive as mais recatadas ou que assim querem parecer).
não reparou em mim, pois, como acabei de contar, seguia, por assim dizer, na dele, uma suave onda muito própria. e, todavia...
a dado ponto, notei-lhe um brilho inusitado nos olhos, algo a destoar da atitude (ou aparência) anterior. embora ao de leve, mexeu-se no assento, desajeitado, como se a pressentir ou a fugir de um qualquer incómodo, uma dor, comichão, guinada, sei lá, não sou bruxa, como poderia saber?
momentos depois, levantou-se, estendeu a mão para o botão de sinalização de paragem do autocarro – será que ainda existem autocarros com tais botões?, pergunto-me agora, não que interesse alguma coisa para o caso – e deu uns passos em direcção à saída.
obviamente, esta conduta seria algo banal, não se tivesse dado o caso de a sua mão, de dedos finos e elegantes, com um dos quais accionara o botão, se lhe ter desprendido do pulso e descido, desamparada, em direcção ao chão, onde se quedou, imóvel e aparentemente indiferente, sem correr atrás do braço a que, até então, estivera ligada e, curiosamente, o homem não voltou atrás para a recolher, aliás, nem pareceu aperceber-se do sucedido.
eu olhava, atónita, e mais atónita fiquei ao constatar que mais ninguém reparara, apesar de a mão continuar ali deitada no chão e o homem caminhar, indiferente, para fora do autocarro, entretanto parado – agora, ao pensar nisso com maior distanciamento, não estou certa de que houvesse mais pessoas no autocarro, excepto o motorista, claro. 
levantei-me de supetão, sustei com um grito o gesto de recomeço de condução do motorista e, por entre desculpas murmuradas, precipitei-me em direcção ao homem, sem saber muito bem porquê.
como se por magia, ele acabava de se desvanecer não sei onde nem como e, após ter varrido, sem êxito, as proximidades e o horizonte mais longínquo com os olhos febris de curiosidade e impaciência, acabei por os fixar no chão, talvez na esperança de aí encontrar o seu rasto. 
a princípio, não entendi bem, mas rapidamente se tornou claro que aquilo era um pé, envolvido numa meia cinzenta, a sair dum sapato preto.
não conseguia despregar os olhos do chão e do que aí se ia deparando ao meu olhar esgazeado de tamanha e tão inusitada extravagância: a seguir àquele pé ainda calçado, uma mão, a gémea da que ficara no autocarro, os mesmos dedos finos e elegantes, quase delicados, uns metros à frente, o outro pé e, de metro a metro – se é que era esta a medida da distância e não outra –, seguiram-se, primeiro um depois o outro, os joelhos, troços de cima e de baixo das pernas, fatias do tronco, os braços e, por fim, a cabeça, a cabeça do homem do autocarro, com os olhos remetidos à serenidade inicial, como se o seu único momento de perturbação, o longínquo momento em que se levantou para pressionar o botão de paragem do autocarro, mais não fosse do que a pressa de se desintegrar, de se perder em pedaços desligados, para, assim, reencontrar a paz.
senti um sopro nas costas, voltei-me, era apenas o vento daquele princípio de inverno e nada mais, nem os restos desgarrados do corpo do homem que eu, estava certa, acabara de ver. sobressaltada, voltei a olhar em frente, também a cabeça já desaparecera. 
vislumbrei apenas um vasto campo aberto, despido de tudo quanto pudesse imaginar-se e quedei-me sem respostas, suspensa na inquietante angústia de ignorar o que sucedera ao homem, que destino tinha sido o seu, já para não pensar no meu.
depois, dei comigo a deambular não sei bem por onde, por que destino, enquanto me interrogava, qual homem?