estava uma menina parada, imóvel, em equilíbrio eterno...
a menina está parada, absolutamente imóvel, nos degraus da mínima loja da menina judite – esta já nada tem de menina, cabelos brancos apanhados atrás e óculos de vidros grossos de ver o mundo a medo; vende, a par de não sei que mais, uns rebuçados feitos em casa, de chocolate aguado, cúbicos, embrulhados em papel vegetal branco, ainda não existe a asae, nem tão pouco se imagina que possa vir a existir
a menina parada tem duas tranças de cabelo castanho, a aclarar nas pontas aprisionadas por laços de seda ou de cetim coloridos, os braços enlaçados sobre o estômago, uma camisola de lã e uma saia de tecido grosso, talvez de lã, desenhada em xadrez de tons predominantemente castanhos, tudo a indicar outono
a saia é elemento deveras importante, a menina está vaidosa da sua saia, desdobrada em pregas, ligeiramente mais curta na parte da frente, só aparência, apenas porque a menina empinou um pouco a barriga para a frente
os olhos da menina são castanhos, como o cabelo e o xadrez da saia, e desenham-se em bico, esticados nos lados, qual chinesinha. estão colados na distância do céu imenso, nas nuvens escuras semeadas no cinzento lá de cima, talvez mais logo venham a despenhar-se em fitas aquáticas, mas, por agora, permanecem fixas, como fixos se imobilizam os olhos, a saia, os braços da menina e esta própria
está parada, os pés nas escadas, as mãos no estômago, a saia ao redor das pernas, os olhos no céu
a menina está vaidosa da sua saia, talvez se tenha detido para poder ser observada, admirada, há de ser saia nova, todavia entregou os olhos ao longe, em reflexão profunda
a menina reflecte muito, agora será no mistério do céu e da sua água armazenada em barrigas ambulantes, chamadas nuvens, ou será em mistérios outros, quem sabe se o sentido daquela incomensurável lonjura do para lá daquele tecto cinzento, quem sabe se a simples beleza da estação anunciada…
assuntos tão importantes como a sua saia nova
a menina é reflexiva e vaidosa, tão uma quanto outra
há lugar para muitas caixas na cabeça da menina
em que pensará a menina para além da beleza da sua saia nova?
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Ignoro se acontece a outras pessoas, mas eu, mais do que recordar episódios da infância, visualizo imagens fixas, contadoras de histórias que nem sempre entendo, como a imagem acima, de uma menina, eu, com sete ou oito anos, parada numas escadas, em pose de mostrar saia nova e olhos pregados no céu de nuvens em misteriosa (ou encantada?) cogitação
gosto da menina presa naquela imagem e adorava poder resgatar o seu pensamento/sentimento...
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