segunda-feira, 28 de abril de 2014

VÁ-SE LÁ SABER!



A conversa evoluiu e o filho, talvez de quarenta e tal anos, perguntou ao pai, talvez a rondar os oitenta, e lá por casa, com a mãe, está tudo mais calmo? - Calmo está, se se entender por calmo que não há diálogo nem conversas, foi a resposta.
 
Fiquei a pensar naquilo, uma conversa ouvida ao acaso, na proximidade duma mesa de restaurante, coisa que nem sequer costuma acontecer, visto ser bastante distraída, ou melhor, abstraída, e, sobretudo, desinteressada de vidas alheias.

Curiosamente, quer a pergunta quer a resposta foram proferidas num tom absolutamente neutro, quase clínico. Quem sabe o diálogo deles não passava duma não-conversa, o filho desinteressado da resposta, o pai nada esperando da pergunta! Assim, essa espécie de calma...

Entretanto, paguei a conta e saí. Ignoro o rumo do almoço daqueles dois, ambos impecavelmente vestidos, nos seus fatos/gravata, voz mansa e boas maneiras.

Vá-se lá saber, são as vidas deles!

Só que aquela resposta deixou-me uma série de interrogações, nomeadamente, sobre o sentido de certas convivências ou da sua manutenção, vai dar ao mesmo... 
 
 
 
 

sexta-feira, 25 de abril de 2014

25 DE ABRIL DE 2014: É SÓ ISTO!


Aos Capitães de Abril


Este é um extracto do livro A Arte da Alegria, de Goliarda Sapienza, que acabo de ler.
 
Tendo sido escrito entre as décadas de 60 e 70 do século XX, não deixa de causar espanto o acerto na antecipação duma realidade, a que, infelizmente, hoje se assiste: ... mas o seu sonho (de Hitler) vai-se realizar: uma Europa unida chefiada pelo génio germânico... (pelas palavras de Timur, o personagem nazi). 
 
Pois não é isso o que se verifica hoje, não é isso o que nós, Portugueses, sentimos na pele, especialmente quando, em vésperas de saída da maldita troika, somos ameaçados pela permanência duma qualquer outra forma de permanência troikista? Sobretudo quando, para nós, a união da Europa não passa de unificação pelo domínio, de facto - nunca, de direito, aliás, contra todo o Direito - do mais forte, o carrasco alemão?



Por isso, para mim, dizer 25 de Abril, sempre, não é, apenas, questão de prestar tributo ao passado, mas, sobretudo, de augurar o futuro.
 
O tributo é-o para aqueles Homens que, com determinação e coragem, notável empreendedorismo político, arriscaram até às suas vidas, para retirar Portugal de quase meio século de ditadura, aqueles que ousaram agir, ousaram vencer, e venceram!
 
O augúrio não se concretizará sem idêntica atitude, por parte de todos nós, os que, partilhando os valores ínsitos na Soberania Nacional e no Respeito pelos Direitos Humanos, se dispuserem a agir, a dizer NÃO, sempre que tais valores estejam em perigo, como, aliás, é o caso.  

 
 
Por isso, esta não é uma frase vã, gasta de sentido pela repetição, é um alerta e um desafio, para todos nós, aqueles que, acreditando nos Valores da Democracia, estão empenhados na sua defesa e afirmação.
 
Para além de ser um tributo aos que tornaram possível, por exemplo, coisa tão pouca como a existência deste post, os Capitães da Abril 
 
 
 


segunda-feira, 21 de abril de 2014

A IMAGEM DA IMAGEM


Nem tudo o que não parece não é.
 
Veja-se, por exemplo, aqui a seguir: a princípio, era a imagem única, (julgada) irrepetível, depois surgiu a imagem da imagem (uma das suas infinitas possibilidades de leitura, revelação, multiplicação).
 
Basta saber rasgar horizontes e passar para o lado de lá. Tão simples quanto isto!
 

 
 
 

domingo, 20 de abril de 2014

AMAROMAR


eu amo o mar como quem ama
não importa se azul
se água salgada
se distância infinda
amo os seus vários instantes
quando verde ou cinzento
quando subido em nuvem
quando mesmo aqui, perdendo-se na areia
amo a inconstância dos seus ritmos
planuras de afago
colinas de arrogância
tanto faz
amo o seu ritmo
pertença mútua
divagação
em trânsito
como poderia não o amar, se o amo tanto
como quem ama!



 
 
 
 
 

quinta-feira, 17 de abril de 2014

O COELHO E A TITÁ

Para a Inês
 
Era primavera e floriu mais um, igual a tantos outros e, por isso, diferente, pois tantos outros eram cada um, cada qual. Como os outros, tinha as orelhas arrebitadas, elevando-se da macieza do pêlo, uns olhos vivos, avermelhados, e uns dentinhos da frente salientes, prontos a trincar o que se lhes deparasse pela frente, aspecto em que já era diferente dos outros, que se limitavam a comer cenouras e pouco mais. Ah! e tinha um feitio algo especial, introvertido, fugidio.
Aquele dia estava exuberante de luz e de flores acabadinhas de brotar, harmonizadas numa arquitectura de diversidade, nos formatos, nas cores, nos cheiros, etc. Lá alegres estavam elas, tagarelando em babélica euforia.
Saído da sua toca, ele, o coelhinho ensimesmado, sentiu-se incomodado com tanto bulício. Virou os olhos, procurando um canto com menos desassossego, mas foi em vão, a algazarra rebentou mais forte, quando os outros coelhos da colónia - e eram muitos - se misturaram em estridente e divertida algazarra, estendendo uma toalha de quadrados vermelhos e brancos sobre a cheirosa relva, e dispondo sobre ela um lauto piquenique, com abundância de cenourinhas frescas e outros manjares do género. As actividades eram animadas por um pequeno grupo de coelhos cantores, que faziam deslizar alegremente a melodia:
é Primavera, o primeiro dia
felizes estamos, por isso cantamos
vivam as flores e as cenouras
vivam os insectos e demais animais
viva o sol, a luz e o calorzinho
viva a vida e viva a alegria
O coelhinho ensimesmado, já muito aborrecido, reparou numa rapariga gorducha e bem disposta, que, sentada no chão de terra, descansava as costas no tronco da árvore grande, observando, curiosa e divertida, toda a maravilha da cena envolvente.
Ele, o nosso coelhinho, sentindo uma súbita fome de pequeno almoço, aproximou-se, sorrateiramente, dela - que, já agora, se chamava Titá - e, com um ar maroto, preparava-se para lhe morder uma perna, mas ela, sentindo a ameaça daqueles dentinhos afiados, afastou-o com uma festinha e, com igual dose de meiguice e convicção, explicou-lhe que as suas pernas não eram comida de coelho, ao que ele, na atrapalhação do flagrante, se desculpou, eu só estava a brincar! Então, ela, fingindo acreditar, pegou-lhe numa das patinhas transpiradas, encaminhou-o para o grande grupo dos outros coelhos, apresentou-o e disse, meus caros, este vosso amigo andava perdido na floresta e, cá para mim, está esfomeado e a precisar de companhia. Sem a deixarem continuar, eles fizeram uma grande roda à volta dos dois e responderam, em coro, Oh! junta-te a nós e os nossos manjares partilha, não faltam cenouras nem alegria, para te alimentar e fazer companhia! Ainda a medo, ele juntou-se-lhes, aceitou a primeira de muitas cenouras, começou a relaxar e, passado pouco tempo, já cantava e dançava. A Titá retirou-se devagarinho, com um sorriso a florir-lhe os lábios, e foi ao encontro dos seus amigos, que, já um pouco inquietos, a esperavam para o primeiro piquenique da Primavera.  
 
Nota: Inventei esta história há uns anos, para a Inês, que nunca parava de me pedir histórias inventadas. Hoje já tem 10 anos, quase 11, e pede-me opinião sobre actores de cinema, cantores, etc. Foi muito gratificante inventar histórias para a Inês, mas não o é menos vê-la crescer e passar para um registo diferente, de pré-adolescente. 
Abaixo: 2 aspectos da ilustração que fiz para a história.
 
 
 
 

 
 

quarta-feira, 16 de abril de 2014

QUE SERÁ FEITO DE MISTER LONELY?

 
Como poderia o silêncio prender duma maneira tão surda e eficaz? Mas foi isso mesmo que aconteceu, aquele silêncio tomou-lhe  o sangue e, quando desaguou no coração, explodiu na mais profunda das ausências, comeu-lhe o tutano dos ossos, manietou-lhe os músculos e deixou-lhe a boca seca de ansiedade e angústia. Se deixou algum espaço? Pois deixou, o espaço para a percepção duns mínimos sons, por definição, só podiam ser mínimos, os sons ampliados na esplanada vazia do silêncio maior. Uma espécie de campainhas longínquas, de proveniência indecifrável, impossíveis de desligar, justamente por isso, por não se lhes conhecer a origem e, sobretudo, pela inegabilidade do silêncio. Assim, aquele assombroso  e espesso silêncio tornou-se símbolo da solidão maior, a que se impõe, impondo a percepção ininterrupta de vultos outros, difusos, sem os quais não seria, obviamente, solidão.
Ele não confessava aquele silêncio a ninguém, nem admitia que se lhe notasse. Não suportava algazarras sem sentido, sobretudo as exclusivamente destinadas a silenciar silêncios, ainda menos as, porventura, destinadas a silenciar o seu silêncio. Puro fingimento, umas e as outras, assim pensava. E aquele silêncio era dele, talvez a sua única verdadeira criação, infeliz criação, aqui para nós. Mas não, ele reivindicava aquele silêncio, não porque se sentisse bem no ninho da ansiedade e da angústia, amarrado naquela prisão, sangue envenenado, exaustão, mas porque sabia, de certeza absoluta, que só ele podia espatifar as grades daquele silêncio. Não estava ao alcance de ninguém retirá-lo do universo das campainhas longínquas, indecifráveis e ininterruptas. Talvez, só de alguém que, sem necessidade  de ele se revelar, lhe trouxesse uma bela música ou até palavra, suave, encantatória, que o fizesse vir à superfície do poço de águas negras, despertar os sentidos, de maneira a esquecer, naturalmente,  a latência das campainhas , recuperar o bater calmo do coração, desinundado do veneno do silêncio, daquele silêncio, poder, enfim, desfrutar do silêncio da quietude e não do ground zero da ausência.
Conheci-o, era engraçado, chamava-se a si próprio, Mister Lonely - embora não por palavras, mas pela camurça macia do olhar, e apenas perante quem conseguisse perceber a sua espécie de silêncio, porque, como ficou dito acima, tinha horror a expor-se.
Que será feito de Mister Lonely?   





 


segunda-feira, 14 de abril de 2014

DE ONDE VIESTE

Amanhã estava a ser exactamente igual ao que viria a ser ontem, mas não ouses perguntar-me porquê, tu sabes. Um ataque de jet lag enrolava-te na intemporalidade dos fusos secundários, definidos a cada micro unidade como se moedas trocadas, cascalho miúdo e saltitante, assim o disseste, calculo que te lembres. Fiquei espantada, pois tinha pensado em saltitante para definir uma das espécies de humor, assim, o sentido de humor é uma tristeza saltitante. Achaste graça, foste o primeiro – aliás, o único – a achar interessante esta definição duma variável do sentido de humor, e, então, aventurei-me a perguntar, de onde vieste? E tu, espantado, como se fosse uma pergunta impossível, melhor, proibida, respondeste, ???. Eu não sabia, nunca saberia responder a três pontos de interrogação seguidos, e entristeci, aqui acaba mais uma hipótese de conversa e fico sem saber de onde vieste. Já me preparava para me levantar, ir fazer o tour das lojas do free shop, tomar um café, observar o movimento em trânsito – sim, também existe movimento parado, como quando um grito se detém a meio da garganta, apenas um exemplo – rever a hora do meu voo atrasado, quando me detiveste, para perguntar, sorrindo, e tu, de onde vieste?