quinta-feira, 17 de abril de 2014

O COELHO E A TITÁ

Para a Inês
 
Era primavera e floriu mais um, igual a tantos outros e, por isso, diferente, pois tantos outros eram cada um, cada qual. Como os outros, tinha as orelhas arrebitadas, elevando-se da macieza do pêlo, uns olhos vivos, avermelhados, e uns dentinhos da frente salientes, prontos a trincar o que se lhes deparasse pela frente, aspecto em que já era diferente dos outros, que se limitavam a comer cenouras e pouco mais. Ah! e tinha um feitio algo especial, introvertido, fugidio.
Aquele dia estava exuberante de luz e de flores acabadinhas de brotar, harmonizadas numa arquitectura de diversidade, nos formatos, nas cores, nos cheiros, etc. Lá alegres estavam elas, tagarelando em babélica euforia.
Saído da sua toca, ele, o coelhinho ensimesmado, sentiu-se incomodado com tanto bulício. Virou os olhos, procurando um canto com menos desassossego, mas foi em vão, a algazarra rebentou mais forte, quando os outros coelhos da colónia - e eram muitos - se misturaram em estridente e divertida algazarra, estendendo uma toalha de quadrados vermelhos e brancos sobre a cheirosa relva, e dispondo sobre ela um lauto piquenique, com abundância de cenourinhas frescas e outros manjares do género. As actividades eram animadas por um pequeno grupo de coelhos cantores, que faziam deslizar alegremente a melodia:
é Primavera, o primeiro dia
felizes estamos, por isso cantamos
vivam as flores e as cenouras
vivam os insectos e demais animais
viva o sol, a luz e o calorzinho
viva a vida e viva a alegria
O coelhinho ensimesmado, já muito aborrecido, reparou numa rapariga gorducha e bem disposta, que, sentada no chão de terra, descansava as costas no tronco da árvore grande, observando, curiosa e divertida, toda a maravilha da cena envolvente.
Ele, o nosso coelhinho, sentindo uma súbita fome de pequeno almoço, aproximou-se, sorrateiramente, dela - que, já agora, se chamava Titá - e, com um ar maroto, preparava-se para lhe morder uma perna, mas ela, sentindo a ameaça daqueles dentinhos afiados, afastou-o com uma festinha e, com igual dose de meiguice e convicção, explicou-lhe que as suas pernas não eram comida de coelho, ao que ele, na atrapalhação do flagrante, se desculpou, eu só estava a brincar! Então, ela, fingindo acreditar, pegou-lhe numa das patinhas transpiradas, encaminhou-o para o grande grupo dos outros coelhos, apresentou-o e disse, meus caros, este vosso amigo andava perdido na floresta e, cá para mim, está esfomeado e a precisar de companhia. Sem a deixarem continuar, eles fizeram uma grande roda à volta dos dois e responderam, em coro, Oh! junta-te a nós e os nossos manjares partilha, não faltam cenouras nem alegria, para te alimentar e fazer companhia! Ainda a medo, ele juntou-se-lhes, aceitou a primeira de muitas cenouras, começou a relaxar e, passado pouco tempo, já cantava e dançava. A Titá retirou-se devagarinho, com um sorriso a florir-lhe os lábios, e foi ao encontro dos seus amigos, que, já um pouco inquietos, a esperavam para o primeiro piquenique da Primavera.  
 
Nota: Inventei esta história há uns anos, para a Inês, que nunca parava de me pedir histórias inventadas. Hoje já tem 10 anos, quase 11, e pede-me opinião sobre actores de cinema, cantores, etc. Foi muito gratificante inventar histórias para a Inês, mas não o é menos vê-la crescer e passar para um registo diferente, de pré-adolescente. 
Abaixo: 2 aspectos da ilustração que fiz para a história.
 
 
 
 

 
 

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