(Eles, aqui, são os portugueses, declarando-me eu apátrida.)
Quando vou ao cinema, faço-o com o
estranho objectivo de ver um filme, num espaço simultaneamente
anónimo e intimista, marcado pelo silêncio e a escuridão, assim uma espécie de templo de percepção, emoção e evasão.
(Não sei se me faço entender, mas
agrada-me pensar que o Woody Allen entenderia, não fosse ele o magnífico
criador de The Purple Rose of Cairo –
1985)
A qualificação, como estranho, desse meu objectivo, decorre duma
análise de comportamento, a qual me leva a crer que, nas suas idas ao cinema,
os portugueses não visam, própria ou necessariamente, ver um filme.
Pelo que tenho observado (e
sofrido), sou forçada a concluir que eles
vão ao cinema, acima de tudo, para:
a)
Comer pipocas e/ou
b)
Falar ao telemóvel e/ou
c)
Iluminar o visor do telemóvel (ou gadget equivalente).
Bem vistas as coisas, os
portugueses não se limitam a comer pipocas, eles usam-nas como acompanhamento (quando
não abafamento) da banda sonora dos filmes, com duas espécies de ruídos, em
sequência cumulativa.
Então é assim: começam por revolver o conteúdo do balde, com ansiosa manápula (por vezes,
várias manápulas ao ataque do mesmo),
provocando o ruído anunciador, que se faz seguir de estrondosas notas de mastigação
cavalar, susceptíveis de perfurar os tímpanos e estoirar com a paciência do
mais pacífico dos espectadores, especialmente, em se tratando de mim, que, como
já disse, vou ao cinema para ver um filme
e, adito agora, nunca suportei bem esse tipo de rudes agressões auditivas.
Que o digam os meus sobrinhos, se
ainda se lembrarem! Quando eram pequenos, se se dava o caso de mascarem
pastilha elástica em estéreo, lá entrava
eu, - então, meninos, está por aí algum cavalinho? Claro que o dizia com ternura,
por serem quem eram e eu gostar muito deles. E o modo passava, de imediato, ao silencioso, por entre sorrisos
divertidos (deles e meu).
Ora, os consumidores de pipocas
de que falo não são meus sobrinhos, aliás, não me são nada, nem concidadãos,
pois, como comecei por referir, para efeito de situações como esta, não sou,
definitivamente, portuguesa! Sou apátrida (nem sequer arrisco outra
nacionalidade, não se vá dar o caso de lá também serem portugueses).
Por isso, nas salas de cinema,
procuro o lugar em função da localização dos pipoqueiros.
O princípio é, obviamente, quanto mais longe, melhor.
O pior é quando, estando já
devidamente instalada e, quiçá, no decurso do filme, aparece alguém que, sabe-se
lá porquê, talvez irresistível atracção, vem sentar-se perto de mim. E lá
tenho eu de desempenhar o papel da malvada, levanto-me ostensivamente, dirijo o
meu ar de desprezo n.º 1 ao inocente culpado (passe a contradição aparente), e
procuro outro lugar.
Já alguns devem ter ficado complexados
ou, sei lá, perplexos, a pensar que não regulo bem.
Agora os telemóveis. Apesar de (e
contra os) pertinentes avisos, muitos portugueses recusam-se a desligar os TM,
dos quais, suponho, se sentem mais próximos do que dos amores das suas vidas,
ou têm os amores das suas vidas do lado de lá dos TM ou, então, não têm amores
nas suas vidas, talvez seja mais isto.
E há-os de vários tipos.
Em primeiro lugar, aqueles que,
se o TM toca, atendem para dizer que não podem atender, porque estão no cinema,
mas, não vá ser o seu dia de azar e perderem a chamada da sua vida, ainda
assim, não desligam o aparelho, deixando os circundantes numa inquietação
permanente sobre quando explodirá o próximo toque. Esses, normalmente, falam
baixo, mas não tão baixo que não sejamos obrigados a ouvi-los, pois, caso
contrário, o interlocutor não iria perceber que estão no cinema …
Depois há os que atendem
descontraidamente e sem moderação de tom, como se estivessem na sala lá de casa
ou no café da esquina (por exemplo, - Eh! pá, tou aqui no cinema, a ver aquele filme ... e por aí adiante).
A uns e a outros, não me inibo de
sibilar uns valentes chius, que, em
regra, surtem efeito.
Existe, finalmente, uma terceira
e não menos irritante variedade, a dos que passam a sessão obcecados com o ecran do TM, iluminando-o, pelo menos,
de quarto em quarto de hora, espalhando aquela irritante claridadezinha pelos
arredores, não sei se para verem e/ou enviarem mensagens ou, inclusive, para observarem
as últimas fotos, se não para jogarem um joguinho qualquer.
A esses, definitivamente, tenho
vontade de os esganar, até porque ainda não descobri como lidar com eles!
Já me ia esquecendo de mencionar
um último fenómeno, também muito agradável, o dos portugueses que vão ao cinema
com o objectivo determinado de pôr a
escrita em dia (normalmente, grupos de três ou mais mulheres) e os que vão
explicando ou comentando o filme entre si (normalmente, casais).
E, pronto, com estes portugueses,
lá se vai a concentração e, com esta, vai-se a envolvência cinematográfica e, pior, as
asas da evasão.
Enfim, vai-se tudo o que era
suposto uma ida ao cinema representar. Ao menos, para mim e para o Woody Allen!
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