quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

TEORIA DO LUGAR COMUM


...OU TALVEZ NÃO!
 
Só passeias pelo vento porque queres colher tempestades, raio de frase tão lugar comum, colher tempestades, se fosse colher maçãs ou pêssegos os cerejas, nas diversas estações do ano, as apropriadas, já se percebia, era simples e adequado, colher tempestades, em contrapartida, tem a marca do cliché, logo, um falso simples, algo que estoirou nos miolos duma qualquer criatura, num momento de luz, embora possa ter sido um momento negro, muitas vezes os momentos de luz assaltam em épocas de negrume, assim uma espécie de lei das compensações, mas esses estoiros só fazem sentido pela primeira vez, enquanto novidade, enquanto revelação, enquanto ideia, depois, passam ao regime rotineiro do hábito, da facilidade, do plágio, até, e perdem a graça, depois de perderem, ou porque perdem, a legitimidade, mas, por outro lado, se não se transformassem em lugar comum, era como se inexistissem, pois o que não aparece morre, desgraça-se no esquecimento, deixaria de ser celebrado como da primeira vez, na sua pureza de novidade, inovação, brilho, então estamos perante um dilema, parece-me, mas, voltando ao que interessa, foste passear ao vento porque te apeteceu colher tempestades, passe o lugar comum, rendo-me ao lugar comum, afinal, qual é o mal do lugar comum, se aqui até fica bem e bonito, muito mais bonito, aliás, sugestivo, do que se eu dissesse, te perguntasse, afinal foste passear ao vento porque andavas à procura de chatices, de coisas más, acontecimentos nefastos? ora, convenhamos que fica muito melhor perguntar se foste colher tempestades.
Não, não fui passear ao vento para procurar … o lugar-comum, isso, colher isso, tempestades, procurar acontecimentos nefastos, o que lhe quiseres chamar ou nada, nada é o mais adequado para descrever o que fui fazer ao vento, expondo-me ao vento, não fui fazer nada em especial, apenas fui porque as minhas pernas me levaram e a minha cabeça foi atrás, visto o meu coração se ter cansado de dar ordens e de fazer opções. Fui na onda, outro lugar-comum, ouço-te dizer, fui na onda do deixa andar, olha! outro lugar comum, agora sou eu quem pergunta, será impossível falar sem dizer lugares comuns?, mas eu até gosto de lugares comuns, alguns, pelo menos, os lugares comuns banais, os mais banais, que os outros, os mais construídos, não gosto de usar, porque parece que estou a mergulhar no terreno movediço do plágio, apesar de que, segundo li algures, e não é nada que não me tivesse passado pela cabeça, as ideias estão todas inventadas, o resto é presunção, ou seja, não passamos de recíprocos e involuntários plagiadores, talvez o mundo seja isso, uma cabeça única, enorme, espalhada por milhões de mioleiras, todas entusiasmadas na grata ilusão de que são únicas ou pensam por si, será que pensam por si?
Diz-me tu, volto a perguntar, enxertando a tua pergunta, achas que estavas a pensar por ti quando foste passear ao vento, e que foste passear ao vento na esperança de colher tempestades e, já agora, porque quererias colher tempestades?
Para isso, a tua última questão, tenho uma resposta clara e estou certa de que a resposta é mesmo minha, da minha mioleira, porque preciso duma forte tempestade, em sentido literal, chuva grossa, vento forte, assobiando-me nos tímpanos, céu brumoso, escuro, carregado, raios atravessados, estou farta deste sol, que brilha sobre azul, radioso, como se a nostalgia não devesse, mas eu preciso da nostalgia e ainda não me apetece ir para a praia, aliás, não está calor de praia, está frio, o frio normal da época, sob este sol enganador, tão enganador como pode ser enganador tomar os lugares comuns a sério, como se não fossem meras regras gerais, sempre a ser quebradas pela excepção, que isto não há rotina que o aleatório não quebre, que se lixem os lugares comuns.
Portanto e em resumo, foste passear ao vento na esperança de provocar tempestades. E que se lixem os proibidores dos lugares comuns.
 
  

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