quarta-feira, 14 de junho de 2017

RABO ASSADO


Avenida da República, Lisboa, Portugal, há poucos dias. Calor de fritar os miolos. Cruzo-me com um casal jovem. Ela, uma miúda magra, enfiada numas calças muito justas, alça uma perna, joga-a para o lado, desenhando um passo incerto e alargado, e declara, tenho o rabo assado! Assim, exactamente isto, com o ar mais natural deste mundo, como quem anuncia, apetece-me um gelado, vou comprar frango assado para o jantar, ou algo do género.

De imediato, passa-me pela cabeça a imagem da Shakira no video clip do seu mais recente disco, a abrir as pernas dum jeito estranho, como quem vai seccionar-se em duas. O mesmo registo de vulgaridade.

Depois, começo a imaginar, cheia de curiosidade, qual a reacção do companheiro, destinatário de tal partilha de estado de rabo, por assim dizer (e não me ocorre uma maneira mais delicada). Infelizmente, como seguimos percursos inversos, não pude testemunhar a reacção do jovem, se de preocupação, de riso ou de vergonha ou qualquer outra. Talvez se tenha enfiado debaixo dalguma pedra solta, resto das recentes obras na avenida, é sabido que os trabalhos camarários deixam sempre buracos e pedras soltas.

Prossegui, sem pensar mais no assunto. Mas aquilo ficou submerso na minha mente sensível, o embate pelo que considerei uma expressão maior de mau gosto e falta de educação - mera constatação, desprovida de qualquer juízo censório, entenda-se - ficou a matutar-me nos miolos, quer dizer, na parte desocupada dos meus miolos. E, dias depois, acabou por vir à tona, em forma de hipóteses várias. Comecei a imaginar a resposta do namorado, caso não se tivesse atirado para debaixo duma pedra ou não tivesse perdido a fala ou a respiração ou ambas. Como não sei de que tipo ele era, vi-me forçada a divagar por um leque de suposições, de que deixo algumas:

(Tipo Velho do Restelo) - Olha, Sandra Vanessa, bem te avisei que não abusasses da pimenta!

(À defesa) - E eu com isso?

(Ao ataque, ciumento) - Tu lá sabes o que andas a fazer (ao mesmo tempo que, num gesto brusco, lhe larga a mão);

(Engraçadinho) - Não será gratinado?

(Sensível) - Ui, tadinha!

(Cinéfilo, evocando o clássico de cinema, O Último Tango em Paris) - Põe manteiga!

(Chocado, a dar razão à mãe, que está farta de lhe dizer que a Sandra Vanessa não é flor que se cheire, e após ponderar se há de meter-se debaixo da primeira pedra, permanecer calado ou fingir um ataque de surdez) - Nem sei que te diga!

(Do tipo dela) - ...


(Imagem obtida em pesquisa Google)




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