segunda-feira, 31 de março de 2014

COISAS ASSIM TIPO...


Por vezes, dou comigo a ouvir cada coisa, que nem me atrevo a garantir ter ouvido bem!
Uma das últimas foi que, no âmbito das parcerias público-privadas e, quem diz estas, acrescenta quaisquer outras negociatas do género, o governo terá decidido passar a  honrar, apenas, os compromissos legais e contratuais do Estado, entidade sua representada, na medida em que o crescimento da economia e o incremento demográfico, eventualmente, o permitam. Para se perceber bem, é assim uma coisa do tipo, um cidadão assalariado tem uma dívida fiscal, mas anuncia ao governo que, futuramente, só pagará, caso a sua situação económica, calculada, v.g., em função de aumentos salariais superiores a 15%, da identificação definitiva do sexo dos anjos ou do acasalamento das cagarras, devidamente testemunhado pelo presidente da República, o permita.
 
- Não?
 
Olha! acabam de me informar que, afinal, o novo paradigma não se aplica ao caso das parcerias público-privadas e outras negociatas do género, mas aos reformados, o que, bem vistas as coisas, já não causa tanta estranheza, quer dizer, talvez não, a ter em devida conta o paradigma corrente.
Também, a culpa é deles, ninguém os mandou andar a descontar, no duro, uma vida inteira de trabalho, aí uns 40 anos - sim, a esses me refiro -, em vez de terem anunciado, unilateralmente, não estarem para aí virados, estarem-se absolutamente nas tintas para a Constituição e demais leis da República ou contratos celebrados ao seu abrigo, e o Governo que de desenvencilhasse como muito bem entendesse, na hora do pagamento das reformas!
Ora, às tantas, também não é bem isto.
Afinal, pareceu-me ouvir que os reformados, quer dizer, os sobreviventes dessa espécie, fartos do bullying terrorista do governo, decidiram, em bloco:
  • Processar, financeira, civil e criminalmente, o Estado, pelas sucessivas e descaradamente ilegais subtracções dos seus rendimentos;
  • Deixar de pagar impostos, na pendência dos processos, e até completa e retroactiva reposição dos seus direitos, acompanhada de exemplar punição dos membros do governo e demais farsolas responsáveis pela situação, incluídos os, entretanto, emigrados para o FMI e instituições congéneres;
  • Em demonstração do facto de não serem movidos por maus sentimentos, mas apenas pelo mais elementar sentido de justiça, convidar esses membros do governo e demais farsolas, para um piquenicão, a efectuar numa das magníficas pontes que sobrevoam o Tejo, de Lisboa à Margem-Sul; como reconhecimento especial pela virilidade irrevogavelmente assumida na defesa do cisma grisalho, levar o vice-primeiro ministro a passear numa qualquer feira ou mercado, podendo, até, ser o de Campo de Ourique, visto estar na moda e o efeito previsível ser idêntico;
  • Embora com muito desgosto, deixar de ajudar os familiares desempregados ou mal pagos, como medida incentivadora a que façam qualquer coisa pela vida, por exemplo, a tomada de atitudes cívicas destinadas a mudar situações indesejadas ou, então, que parem de fazer queixinhas e de exigir sustento aos velhos e, calhando, lhes darem porrada, como, por vezes se ouve nas notícias; querem pedir dinheiro, querem descarregar a raiva, vão para os lados de Belém e S. Bento e deixem os velhos em paz;
  • Fazer uma lista exaustiva de todos os boys e girls que pululam pelos milhentos gabinetes e outros sítios do Estado, e reconduzi-los ao mercado de trabalho normal ou, em alternativa, passar-lhes um visto gold de emigração;
  • Infernizar a vida de tudo quanto é órgão de poder, até obterem a aprovação duma lei que determine a redução do número de deputados e demais titulares de cargos políticos e públicos, em função do estado da economia e da demografia nacionais, bem como a adaptação dos respectivos salários, frotas automóveis e outras (cartões de crédito, telemóveis, Ipads, PCs, etc.), por referência aos mesmos critérios;
  • Idem, no tocante à concretização da reforma do Estado, em geral, e da Justiça, em particular;
  • Formar um Banco -talvez, BCG, Banco do Cisma Grisalho -, não se vá dar o caso, improvável, das restantes iniciativas fracassarem. 


 
   






quarta-feira, 26 de março de 2014

FEZ-SE TARDE, TÃO TARDE!


Já se fez tarde, muito tarde, sem que tivesse dado por isso, num repente, isto é, num súbito, apercebi-me de que era muito, muito tarde, como quando olhas para o espelho e reparas naquela expressão ou vinco que, ainda ontem, não estavam do lado de cá, ou então, numa qualquer ausência, agora presente.
Já se fez tarde, muito tarde, sem que tivesses dado por isso, viste como a revelação se me tornava evidente, não que a percepção partisse de ti, andavas distraído, mas, num repente, isto é, num súbito, apercebeste-te do reflexo que eu projectava, como se eu fosse um espelho e tu, eu.
Ficámos sintonizados, mas apenas porque se fez tarde, muito tarde, e ocorreu o nano segundo da revelação, os espelhos, cumprida a sua tarefa, estilhaçaram-se, agudos de vidro frio rompendo paredes à volta.
Deixei que se fizesse tarde, muito tarde, andavas naquela ideia de que ainda era tempo, tempo vivo, apetecido, negaste a importância dos reflexos que não mentem, porque são superfícies lisas, cristalinas, e, o mais importante, não vivem para outro fim nem se alimentam doutra matéria que não a mais pura neutralidade.
Não que me tivesse deixado aconchegar na ilusão, mas distraí-me um pouco, até ao limite daquele nano segundo, até ao limite de me ter visto reflectida em ti, não, até ao momento de ter percebido que o meu reflexo se te fez visível, finalmente.
Foi, então, que me interroguei sobre a razão de não podermos olhar-nos com os nossos próprios olhos, sim, olhos meus em olhos meus, bem no fundo, sem necessidade da intermediação de olhos outros, olhos vítreos e indiferentes de espelhos, olhos luminosos e talvez cúmplices, de terceiros, os teus olhos ou os olhos dalgum outro.
Mas agora não importam interrogações, fez-se tarde, muito tarde, tão tarde.
 
 
 
 
 
 

terça-feira, 25 de março de 2014

DURÃO CASTIGA VLADIMIR


Eh! pá!, gosto muito, mesmo muito, de ouvir o nosso querido compatriota Durão Barroso engrossar a voz - ou deveria dizer, endurecer a voz (?), num trocadilho óbvio, logo não conveniente - perante os poderosos do mundo.
Foi um tique que lhe ficou desde quando andou lá pela Cimeira dos Açores a servir cafés àquela trupe da guerra contra o Iraque, uma delas, qualquer coisa a ver - ou a haver, como muita gente diz - com petróleo, sob o alto patrocínio do conclave hispano-anglo-americano. Caso para dizer que nunca um serviço de empregado de mesa foi tão bem pago, mas isto é mero aparte. 
Pois, desta vez, o motivo foi o anúncio da deslocalização do G-8 (prevista para a Rússia) e da sua redução para G-7, assim tipo, já não brincamos mais com aquele menino, ele é mau, anda a anexar territórios alheios, é bem feita, ele vai ficar muito triste, mas é isso mesmo que pretendemos, toma lá para não te portares mal.
O menino excluído, que não é outro senão um manequim (resgatado) da Rua dos Fanqueiros, de nome Vladimir Putin, muito arrependido e triste por ter sido expulso do bando dos 8, resolveu oferecer uma prova de boa vontade e, vai daí, promoveu um referendo no Iraque, com efeitos muito retroactivos - assim, do género, cortes de pensões decretadas pelo (des)governo português -, com o objectivo de obter a concordância do Povo iraquiano para a invasão cozinhada na Cimeira dos Açores, a tal dos cafés servidos pelo Durão Barroso, e, para além disso, conseguiu reunir as provas que desmentem, irrefutavelmente, o desmentido da existência de provas de armamento nuclear no Iraque, que serviu de (alegado) fundamento ao desmantelamento deste.
O que se vai passar a seguir, ignoro, até porque não sei se esta última parte, do arrependimento de Putin e etc. e tal, é verdade, mas que o Durão Barroso fica muito bem a dar recados, lá isso é verdade.
Se estivesse nas minhas mãos decidir, mandava-o, ao Durão Barroso, servir saladas russas, para a linha de fronteira, por assim dizer, entre a Crimeia e a Ucrânia, pelo menos, até se saber se vai ou não haver uma 3ª guerra mundial. Depois, logo se veria. 
 
 
 

COUP DE FOUDRE


E foi assim que tudo começou, pelo fim, aliás,  um fim mau (nem todos os finais o são). Olharam-se com antagonismo, como se uma vida inteira de guerrilha e desamor os desligasse, lhes servisse de rio com ocasionais pontes, apenas destinadas a provar que um e o outro se tinham pertencido. Se fosse ao contrário, chamar-se-ia um coup de foudre, mas assim, tal como as coisas aconteceram, não mereciam a honra do francesismo, talvez uma tradução invertida, ódio à primeira vista. Ódio, ódio, talvez seja exagero, mas lá que foi forte antipatia, disso não podem restar quaisquer dúvidas.
Tinham-se cruzado na urgência de agarrar o único táxi disponível, naquela madrugada de imparável chuva grossa e vento gelado, à saída do aeroporto, ele regressado dum sítio qualquer e ela, sabe-se lá donde. Quase se atropelaram na pressa da corrida, as malas chocaram uma contra a outra, não com tanta violência como os seus olhares, ele, dispensando-se de exercer de cavalheiro, ela, chocada com aquela omissão, o taxista, divertido com a cena e tentando adivinhar, no escuro, qual deles seguiria para mais longe.
Aproveitando a confusão, um terceiro adiantou-se, abriu a porta do táxi e anunciou um destino digno de voo, como era, não fosse o atraso do avião e a sua urgência em chegar a tempo dos acontecimentos importantes de daí a 3 horas. O taxista não hesitou, acenou um acordo, o flash da entrada do passageiro, e arrancou com as rodas a chiar no brilho molhado do asfalto.
A cólera deles acompanhou o rasto de chuva erguida pela pressa do táxi, que calhou assentar de chapão nos seus fatos amarrotados, nem a protecção duma gabardine, nenhum previra ter de fazer escala num sítio daqueles, uma lonjura oblíqua de montanhas rígidas, saturadas de águas mil, pendentes em fitas ininterruptas e intermináveis.
Por essa altura, as malas já estavam repostas, apenas levemente arranhadas do choque, não havia nenhum táxi à vista, o vento gelava mais forte e os seus olhos voltaram a mergulhar-se, os dum nos do outro e vice-versa, e só então se viram, sim, aquilo já não era apenas olhar, era ver, um ver de primeira vez. E não contiveram o riso.
E foi assim que tudo acabou, pelo princípio, aliás, um princípio auspicioso (nem todos os princípios o são).
Voltaram a entrar no aeroporto, ele convidou-a para um café, ela aceitou, e depois... 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

sábado, 22 de março de 2014

NÃO DIGAS QUE NÃO TE AVISEI!


o teu corpo parecia uma mão fechada, não, uma mão fechada contra a outra mão, os dedos, muito brancos, muito frios, feitos laços-presos, atando-se uns aos outros, como quem se debate numa agonia viva, bem viva, militante, desconhecedora da desistência, apesar do fracasso incessante. sim, porque era disso que se tratava, dum fracasso teimoso, desde o princípio da imemória, está bem, inexiste imemória, como talvez inexista inexiste, mas percebes o que quero dizer, é quanto basta.
porque vinha essa espécie de embalagem vazia, ausência,  dos confins disso, da imemória? assim, feita companhia predestinada, só podia ser isso, destinada a fazer-te da vida deserto, mar desabitado, embora só tenhas percebido mais tarde. mais tarde? tenho dúvidas, sei que, por dentro, bem no fundo do dentro, sempre soubeste. só que essa ideia estúpida de persistir, forçar o teu corpo tenso no abraço das mãos contorcidas, dedos tão feitos arames de prender, sempre em círculo, dervixes, um polegar enrolando-se no outro, em voltas e voltas e voltas, no sentido dos ponteiros do relógio e no inverso do sentido dos ponteiros do relógio, e depois dizias, bloqueio.
pois bloqueias, não posso iludir-te da tua própria lucidez, segurar-te a cabeça entre mãos leves e dizer, repousa, distende-te, abandona esses dedos-giz, tão hirtos e pálidos e gelados, de tanta insistência desesperada e teimosa. sabes, até a persistência tem limites ou devia ter. um dia vais perceber isto (ou irias perceber isto?), isto que acabo de te dizer, com a certeza de todas as urgências, com a inteligência de todas as dúvidas, com o imediato de todas as acções. já vai ser tarde, todavia, tu sabes, tão bem quanto eu. sabes porque sentes o teu corpo-nó, estrangulado nos dedos-arame, até o espírito preso de voar, só a presença das sombras da imemória - está bem...- e a certeza das sombras que serão.
vá lá, não posso amparar-te a cabeça, cantar uma canção morna, olha, uma morna, podia ser, Cesária Évora, por exemplo, sabes que um dia encontrei a Cesária Évora no aeroporto de Copenhaga e lhe pedi um autógrafo? sabes que ela me deu o autógrafo embalado numa pergunta, era inverno, e ela perguntou-me o que fazia eu em Copenhaga, férias, respondi, e ela, mas está só, veio ter com família? não, vim só, não tenho cá família nem amigos, vim de férias, apenas. não lhe disse que tinha ido espanejar fantasmas, mas não teria valido a pena, mesmo assim o espanto dela não tinha limites, naqueles olhos tristes, um pouco desorbitados, não lhe fazia sentido o meu lugar ali, assim, como eu lhe disse, naquela falta de circunstância. é no que dá ser-se de pertença dalguém ou duma tribo, ter-se alguém ou uma tribo de pertença e não se conceber a possibilidade, mera hipótese académica, doutras vidas - foi o que pensei.
nem sei porque te conto isto, talvez para que percebas o porquê de não poder amparar-te a cabeça, cantar-te ou contar-te coisas melodiosas, doces, dizer-te que vai passar, que desenlaces o arame farpado que te prende o corpo e já te apanhou o espírito ou lá como se chama essa coisa etérea que te anima ou, melhor dito, desanima.
não penses que sou sádica, só não gosto de te assistir a essa agonia de adiamentos compulsivos, alimentados por golfadas tão súbitas quanto passageiras de etéreos faz-de-conta, como se.
como se nada, é o que é, estás farta de saber. e cansada. nem sei por que esperas, não entendo. apenas sei que é até quando.
não digas que não te avisei.
  
 
 
 
 
  

quinta-feira, 20 de março de 2014

SE AO MENOS UMA PAUSA


e se não há nada a dizer, experimente-se
rasgue-se o silêncio e diga-se, nada
logo alguém se lançará em queda livre na próxima piscina
talvez, mesmo, sem saber nadar
há sempre alguém pronto a seguir o comando das palavras
sobretudo das palavras ocas e desnecessárias
por isso os jornais, as rádios, as tvs
por isso os demagogos e os tolos palradores

mas traduza-se um pensamento por palavras
sobretudo, um daqueles pensamentos de pensar profundo
e nada, ninguém quer saber

quantos salvamentos
se, ao menos, uma pausa, um pensamento!









HARLEY DAVIDSON


"O rápido afastamento de Rita - que, em segundos, se perdera na linha do horizonte, reduzida ao tamanho dum lápis - deveu-se à urgência em encontrar os outros desertores, visto se aproximar a hora da partida.
Todos eles tinham ouvido falar dum país de misteriosos contornos e, embora ignorassem exactamente quais ou, talvez, por isso, ansiavam conhecê-lo.
A chegada de Rita ditou a antecipação da viagem.
As mochilas, reduzidas à mínima expressão do essencial, não atrapalharam a subida para as Harley Davidson e as posteriores acelerações, que, passado o impulso inicial, se revelaram desnecessárias, porquanto uma inusitada e poderosa força os sugou para o local de destino, privando-os da deliciosa sensação de velocidade em crescimento.
Tudo sucedera como se um ténue véu se tivesse rasgado para os deixar passar, ou melhor, para os reclamar à presença dum qualquer interior desconhecido.
Perplexos, mas excitados pela curiosidade, estacionaram as motos, dispostos a iniciar o percurso da descoberta."
Isto é um extracto do Moleskine de Janete (II), aqui publicado em 10 de Julho de 2013. A novidade, agora, é que encontrei a maravilhosa Harley Davidson em que pensei, quando o escrevi (ao menos, no reino do faz-de-conta; talvez um dia destes também encontre a Rita, o Miguel, a Janete, o Francisco e os outros...).   
 
Aí vai, em vários ângulos, qual sofisticado modelo: