I
Longas asas agitavam-se compassadamente
Dos extremos desprenderam-se penas breves
Vieram por aí a flutuar como macacos
II
macacos a flutuar? não, não pode ser, os macacos trepam, saltam, correm e guincham, mas não flutuam. que parvoíce! por vezes, acontece caírem, mas isso é outro departamento. sucedeu com o macaco andré - ignoro quem o baptizou -, habitante da aldeia dos macacos, ali ao jardim zoológico. galgou pela rede acima, lançou-se para os galhos da árvore mais alta e, vai daí, precipitou-se, em voo picado, até se esborrachar no chão, de cabeça. não foi lindo de ver e os outros macacos desataram numa berraria sem limites. o pasquim da manhã noticiou, com estrondo, DESGOSTO AMOROSO LEVA MACACO ANDRÉ AO SUICÍDIO.
o chefe da oposição, cansado de não ser ninguém e invejoso por não ter tirado o país do procedimento por défice excessivo - o máximo que conseguiu foi mergulhá-lo em austeridade excessiva - apresentou-se aos noticiários nacionais, lamentou, com jeito condoído, o suicídio do macaco, e avançou, determinado, para a responsabilização do governo, designadamente por não ter disponibilizado apoio psicológico ao macaco, que, segundo desenvolvia o pasquim da manhã, acabara de sofrer um violento desgosto amoroso.
no dia seguinte, lá teve de regressar à hora nobre dos noticiários para pedir desculpa, porque, entretanto, veio a saber-se, agora com provas e tudo, que o macaco andré não se suicidara. tratara-se de mero acidente - escorregadela numa casca de banana largada pela macaca flausina, ignoro quem a baptizou -, ao qual, aliás, sobreviveu. a única ponta de verdade era o alegado desgosto amoroso (de primeiro grau).
o chefe do governo limitou-se a não comentar, de resto, nem sequer foi encontrado para perguntas. uns dias depois, veio a saber-se que tinha ido a banhos, para uma manta rota qualquer. cá para mim, o que ele quis foi deixar passar a carruagem até o som dos cães se extinguir - metaforicamente falando, claro. tudo muito pianinho, não fosse ter de dar explicações mais amplas sobre o estado subterrâneo - também metaforicamente - da aldeia dos macacos. para mais, a banhos ou não, já o chefe do governo se via confrontado com um novo escândalo, devido ao furto (?) dum dos submarinos - ou algo assim - do Portas, sem que ninguém se tivesse apercebido. assim tipo, elefante assalta Starbucks a meio da tarde e ninguém dá por nada. abençoada manta rota, ele há banhos bem oportunos.
por essa altura, indiferente aos factos políticos, o dr. Quintino Aires, sob o esclarecido patrocínio da TVI, ofereceu-se para dar apoio psicológico ao macaco andré, no sentido de o instruir a ultrapassar a desilusão amorosa, por via da aquisição duma performance imbatível. quer dizer, prontificou-se a dar-lhe dicas sobre como fazer o amor de tal forma que nunca mais macaca alguma ousaria abandoná-lo. e seguiu para o jardim zoológico, com uma câmara atrás, repleto de boa vontade (e de alguma vontade de protagonismo).
a chegada do dr. QA foi saudada com enorme gritaria, que ele pensou ser de júbilo e reconhecimento. enganou-se, não passava dum disfarce para o riso que assolou a macacada, especialmente duas macacas que se contorciam de gozo, enquanto diziam:
- ó prima, já viste como o homem é feio?, mais feio só um autoclismo dos antigos, aqueles de maçaneta, ou uma esfregona Vileda consumida pelo uso!
- eheheh tens razão, quando olho para ele só me vem à ideia um desentupidor de canos, acho que é a boca, faz-me lembrar a parte de borracha dos desentupidores...
- bem visto, para não falar na expressão bovina dos olhos e nas mãozinhas sapudas...
- e na voz, na maneira adamascada ou almiscarada, quer dizer, enjoativa, de falar, sempre acompanhada do sorriso aparvalhado, como se a vida fosse um arco-íris permanente de cambalhotas...
- é mesmo, de o ouvir fica-se logo sem vontade de fazer amor! os televisivos deviam escolher melhor as pessoas que põem a falar do amor!
- parece que estás parva, não se diz do amor, é de amor...
- olha, vai dar uma curva com o Quintino, parva estás tu!
e riram, riram, escondidas num canto, para ele não perceber.
III
Bem, se conseguiram chegar até aqui, já devem ter reparado que isto começou por tentar ser um poema. Depois, sem que eu saiba explicar porquê - inclino-me para o calor, cada vez me dou pior com o calor - descambou. Assim sendo, descambado por descambado, deixo mais duas pequenas notas:
1) Espero que o Dr. Qintino Aires nunca passe por aqui, até porque, se passar, é capaz de pensar que me estou a atirar a ele;
2) Porque, ao falar dele, me veio à mente outro homem igualmente interessante, o Dr. Pedro Arroja, sugiro à TVI que faça mais um reality show, com a seguinte designação e formato: Dá-te Aires e Arroja-te!, onde ambos se baterão por explicar as técnicas do amor e disputarão as mais modernas teorias sobre a proveniência das criancinhas. Ganha o que menos contribuir para o incremento da natalidade em Portugal.
(imagens obtidas em pesquisa no google) |
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