seguiu por ali fora com os pés às costas, porque estavam muito cansados. as mãos seguravam os tornozelos, roçando o pescoço transpirado. os olhos viraram-se para trás, desejosos de calcular o caminho percorrido. para a frente não se conseguia prever a distância, apenas se vislumbrava uma linha perdida num mar de nevoeiro baço. tanto podia ser já ali como nem tanto ou muito mais. os olhos espantaram-se, para trás alcançava-se uma vastidão incalculável. a boca abriu-se num assombro, imitou bem um ronco quando articulou e deixou sair as palavras, tanto tempo, já tanto tempo! e o tempo confundiu-se com o espaço. imagens sucediam-se, ilustrando diferentes geografias, paisagísticas e humanas. um relógio alucinava num tic-tac vertiginoso, como quem desfaz à pressão a soma de incontáveis segundos. o corpo parou, hirto, para não se deixar cair. já não suportava o peso dos pés. deixou-os escorregar pelas costas abaixo, mandou-os ocupar o seu lugar, não digo a sua função. impunha-se conceder-lhes uma folga. as mãos, libertas do dever de os segurar, soltaram-se ao lado do corpo, agitando-se brevemente, para descontrair a dormência. pareciam asas de pombas escuras adejando no meio do nada. mas de nada aquilo não tinha, por assim dizer, nada. tratava-se duma paragem. não a primeira paragem, nem a segunda paragem, nem a terceira, nem a quarta nem por aí fora. já perdera a conta das paragens. de repente, era aquilo. auscultava o tempo e o espaço já desfeitos e desistia de contar o que estava por vir. parecia-lhe uma imensidão, o de trás, e sabia ser um enigma, o da frente. só queria surpreender uma pista, já não digo certificar-se, do que faltava percorrer e do respectivo como. contudo, bem sabia da impossibilidade. deixou-se cair no chão, enterrou a cabeça nas mãos-pombas, gesto de desespero. imaginou aquela linha ali à frente, a que marcava o termo da distância em falta, a alinhar-se com os seus olhos cansados, num ponto de fusão, porque já chegava. tinha a certeza de que já chegava, com toda a força do sentir e do aguentar. por mais que tivesse de esperar, nada mudaria o essencial e o essencial era que tudo não passava de tempo perdido, de imagens sem sentido, sem fio condutor, excepto o da via sacrificial sem objecto, melhor, sem propósito. estações e estações de espinhos, como se rosas ausentes de pétalas, caules intermináveis destituídos do sentido de ser flor. roeu-se de desespero. moeu-se. mais uma vez, só mais uma vez, prometeu. já devia saber que não adianta, não vale a pena. o desespero. nem o resto, sobretudo o resto. fechou os olhos, sem vontade de os voltar a abrir, embora isso não dependesse de si. ou dependia? quer dizer, podia depender, evidentemente! recomeçou o desassossego. levantou-se e prosseguiu.
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