Um sol espantoso amanheceu sobre o porto Zayed, no Abu Dhabi!
A primeira impressão foi a duma amplitude (territorial) bem mais generosa do que a do Dubai - não fosse o Abu Dhabi o maior dos Emirados Árabes Unidos (UAE), de que é a capital.
Acresce, não sem surpresa, para um território de ADN desértico, a mancha verde desenhada por variadas árvores (e outro tipo de vegetação), a refrescar a paisagem de tom natural bege arenoso.
O passeio começou por algo que o guia - ainda o mesmo egípcio do percurso da véspera, no Dubai (v. post de 17 de Janeiro p.p.) - apresentou como um souk modernizado, onde poderíamos encontrar artigos tradicionais - não que eu estivesse interessada em souks, em artigos tradicionais ou outros...
Tratava-se, na verdade, duma construção contemporânea, herdeira, quanto ao conteúdo, dos souks tradicionais, mas agregando negócios mais actuais, com destaque para um grande supermercado que, pela aparência, não ficava a dever nada a qualquer congénere ocidental.
Aproveitei para cambiar dinheiro e comprar duas garrafas de água e regressei ao autocarro, aliviada por deixar tão pouco apelativo local.
Tratava-se, na verdade, duma construção contemporânea, herdeira, quanto ao conteúdo, dos souks tradicionais, mas agregando negócios mais actuais, com destaque para um grande supermercado que, pela aparência, não ficava a dever nada a qualquer congénere ocidental.
Aproveitei para cambiar dinheiro e comprar duas garrafas de água e regressei ao autocarro, aliviada por deixar tão pouco apelativo local.
O anunciado ponto alto do dia seria a visita à proclamada impressionante e uma das maiores mesquitas do mundo (alegadamente, a terceira maior), Mesquita de Sheikh Zayed (que a mandou construir e nela está sepultado, tendo a obra sido iniciada em 1996 e terminado em 2007).
Apenas um parêntesis para referir que o supracitado souk, assim como o porto onde o navio esperava (e sei lá quantos spots mais, viva o culto da personalidade!), também se designam Sheikh Zayed. A referência é a Zayed bin Sultan Al Nahyan (1918-2004), governante do Abu Dhabi e principal arquitecto dos UAE, de que foi presidente durante mais de 30 anos. O actual presidente dos UAE e emir do Abu Dhabi é o seu filho, Khalifa bin Zayed bin Sultan al Nahyan, também designado por Sheik Khalifa.
Embora tendo seguido as instruções emanadas da agência de viagens, no tocante a vestuário, a entrada na Mesquita foi-me vedada, num primeiro round, pelo fiscal islâmico - para o denominar de alguma maneira - encarregado do controlo. Explico: apesar de ter as pernas resguardadas por calças escuras (não poderiam ser brancas!) e não justas (também não permitidas!), o cabelo recolhido num boné, sob uma echarpe que me descia pelas costas e os braços (até aos pulsos), a entrada no templo foi-me, por assim dizer, chumbada! - Porquê?, indaguei, já a levantar fervura. Simplesmente porque a t-shirt era de manga curta e a echarpe transparente! Requisito em falta: braços completamente tapados!
Barafustei, sem êxito, até me lembrar que tinha um casaco no autocarro. Vesti-o, recoloquei a echarpe e apresentei-me, mais uma vez, ao controlo do macho islâmico. Mandou-me levantar a echarpe (prova de que ela cumpria a sua função...), para testar bem a questão dos braços. Embirrou de novo, as mangas do casaco ficavam a cerca dum palmo dos pulsos. Desatei a esticar as ditas com tal ímpeto e mau feitio que o homem, embora cheio de má vontade, se deu por vencido, permitindo-me (tolerando-me?!) a entrada no sagrado recinto. Menor sorte tiveram outras mulheres, que, por infracções idênticas, se viram obrigadas a comprar uma abaya (espécie de túnica preta, até aos pés, que as mulheres usam sobre a roupa).
Uff! fiquei (quase literalmente) furiosa! Escusado será dizer que os homens entram de mangas curtas e, no respeitante às mulheres, o argumento para a restrição prende-se com uma ideia tão estúpida e discriminatória quanto caricata, a saber: evitar distracções!!! Posto isto, a hipótese de os meus braços (aliás, aqueles parcos centímetros dos meus braços) poderem suscitar a distração dos adoradores de Alá ao ponto de os desconcentrarem das suas orações causou-me um certo, por assim dizer, frisson...
Brincadeiras à parte, dei comigo a reflectir sobre um conjunto de questões: qual a fronteira entre o respeito devido a dada cultura (religiosa) e o cerceamento da liberdade/dignidade humana; como é possível que, em pleno século XXI, ainda haja (tantas) mulheres que aguentam, sem se rebelar, um status quo tão discriminatório e violento; como é diferente percepcionar este tipo de situação nos noticiários e senti-lo na pele... Mas isto devo ser eu, que, desde a infância, mantenho intacta a repulsa por práticas segregativas (seja em razão do género ou outra). Nisso não me tornei indulgente, não!
A este propósito, não posso deixar de referir que li há dias, com iguais doses de espanto e de esperança, que, no Irão, as mulheres estão a ousar manifestar-se publicamente contra a obrigatoriedade de uso dos véus (hijabs), motivo por que, lamentavelmente, vinte e nove foram presas... Oxalá (e sublinho esta expressão!) sejam cada vez mais e com maior êxito as #whitewednsdays (como o fenómeno já é conhecido) e consigam vencer a ditadura obscurantista e machista que sobre elas impende, (alegadamente) em nome de invioláveis comandos divinos.
Apenas um parêntesis para referir que o supracitado souk, assim como o porto onde o navio esperava (e sei lá quantos spots mais, viva o culto da personalidade!), também se designam Sheikh Zayed. A referência é a Zayed bin Sultan Al Nahyan (1918-2004), governante do Abu Dhabi e principal arquitecto dos UAE, de que foi presidente durante mais de 30 anos. O actual presidente dos UAE e emir do Abu Dhabi é o seu filho, Khalifa bin Zayed bin Sultan al Nahyan, também designado por Sheik Khalifa.
Embora tendo seguido as instruções emanadas da agência de viagens, no tocante a vestuário, a entrada na Mesquita foi-me vedada, num primeiro round, pelo fiscal islâmico - para o denominar de alguma maneira - encarregado do controlo. Explico: apesar de ter as pernas resguardadas por calças escuras (não poderiam ser brancas!) e não justas (também não permitidas!), o cabelo recolhido num boné, sob uma echarpe que me descia pelas costas e os braços (até aos pulsos), a entrada no templo foi-me, por assim dizer, chumbada! - Porquê?, indaguei, já a levantar fervura. Simplesmente porque a t-shirt era de manga curta e a echarpe transparente! Requisito em falta: braços completamente tapados!
Barafustei, sem êxito, até me lembrar que tinha um casaco no autocarro. Vesti-o, recoloquei a echarpe e apresentei-me, mais uma vez, ao controlo do macho islâmico. Mandou-me levantar a echarpe (prova de que ela cumpria a sua função...), para testar bem a questão dos braços. Embirrou de novo, as mangas do casaco ficavam a cerca dum palmo dos pulsos. Desatei a esticar as ditas com tal ímpeto e mau feitio que o homem, embora cheio de má vontade, se deu por vencido, permitindo-me (tolerando-me?!) a entrada no sagrado recinto. Menor sorte tiveram outras mulheres, que, por infracções idênticas, se viram obrigadas a comprar uma abaya (espécie de túnica preta, até aos pés, que as mulheres usam sobre a roupa).
Uff! fiquei (quase literalmente) furiosa! Escusado será dizer que os homens entram de mangas curtas e, no respeitante às mulheres, o argumento para a restrição prende-se com uma ideia tão estúpida e discriminatória quanto caricata, a saber: evitar distracções!!! Posto isto, a hipótese de os meus braços (aliás, aqueles parcos centímetros dos meus braços) poderem suscitar a distração dos adoradores de Alá ao ponto de os desconcentrarem das suas orações causou-me um certo, por assim dizer, frisson...
Brincadeiras à parte, dei comigo a reflectir sobre um conjunto de questões: qual a fronteira entre o respeito devido a dada cultura (religiosa) e o cerceamento da liberdade/dignidade humana; como é possível que, em pleno século XXI, ainda haja (tantas) mulheres que aguentam, sem se rebelar, um status quo tão discriminatório e violento; como é diferente percepcionar este tipo de situação nos noticiários e senti-lo na pele... Mas isto devo ser eu, que, desde a infância, mantenho intacta a repulsa por práticas segregativas (seja em razão do género ou outra). Nisso não me tornei indulgente, não!
A este propósito, não posso deixar de referir que li há dias, com iguais doses de espanto e de esperança, que, no Irão, as mulheres estão a ousar manifestar-se publicamente contra a obrigatoriedade de uso dos véus (hijabs), motivo por que, lamentavelmente, vinte e nove foram presas... Oxalá (e sublinho esta expressão!) sejam cada vez mais e com maior êxito as #whitewednsdays (como o fenómeno já é conhecido) e consigam vencer a ditadura obscurantista e machista que sobre elas impende, (alegadamente) em nome de invioláveis comandos divinos.
Ganha a minha pequena batalha, lá me encaminhei para a sumptuosa mesquita. Mais uma entre o rebanho de turistas que, encaminhados por extensos cordões e atentos vigilantes, deixam atrair a vista e as câmaras fotográficas pela profusão decorativa desta construção monumental, de arquitectura neo-muçulmana.
A brancura e a harmonia do mármore que lhe forma as paredes, o esplendor dos lustres que lhe pendem das cúpulas e dos vitrais que estabelecem subtis diálogos com o exterior, a beleza do desenho e o colorido do tapete persa que se lhe deita aos pés, a geometria perfeita dos mosaicos e todas as demais riquezas e exuberâncias do local talvez ofusquem um pouco menos do que o novo-riquismo associado. Esta foi a minha impressão geral!
Terminada a visita, veio-me à ideia a narrativa de Jesus a expulsar os vendilhões do templo. E não deixei de pensar na diferença, por comparação às mesquitas vivas de Istambul, onde, apesar da presença turística, pude sentir o recolhimento dos fiéis e não me deparei com a sobranceria dum qualquer fiscal em relação a uma turista ocidental (isto, em 2009. Hoje em dia, ignoro)! Será culpa do petróleo? E quando o petróleo acabar?
Curiosamente, apesar de não professar qualquer religião, sinto-me muito atraída pelo ambiente de certos templos, dado o clima espiritual que proporcionam ou induzem. Já mencionei as mesquitas de Istambul, mas acrescento os santuários xintoístas do Japão e algumas igrejas, como a de S. Domingos, em Lisboa (embora esta, ultimamente, esteja a perder o clima, por virtude da invasão turística. Entra o dinheiro, sai a calma, não se pode ter tudo.)
(Mesquita em Istambul, 2009) |
(Templo xintoísta, algures no Japão, 2012) |
(Igreja de S. Domingos, Lisboa, 2017) |
Como este post já vai longo, retomarei num próximo o tour pelo Abu Dhabi.
Conheci muitas mulheres árabes fora de países muçulmanos que nunca sorriam para as máquinas fotográficas. Era pecado mostrar os dentes. Usavam os cabelos tapados e, às algumas a cara. Não infrigiam essas leis menores, mas competiam umas contra as outras como feras selvagens. E nunca largavam os lenços porque eram espiadas constantemente pelos homens e mulheres das mesquitas que eram capazes de as fazerem cair em desgraça e de as afastar das classes do poder.
ResponderEliminarImpressionante, Lailai! Desconhecia que eram tão competitivas! Enfim, a natureza humana em pleno, lá como cá, com a cara tapada ou destapada...
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