domingo, 18 de fevereiro de 2018

PELO #MÉDIO ORIENTE - II - #ABU DHABI




Um sol espantoso amanheceu sobre o porto Zayed, no Abu Dhabi!





A primeira impressão foi a duma amplitude (territorial) bem mais generosa do que a do Dubai - não fosse o Abu Dhabi o maior dos Emirados Árabes Unidos (UAE), de que é a capital. 

Acresce, não sem surpresa, para um território de ADN desértico, a mancha verde desenhada por variadas árvores (e outro tipo de vegetação), a refrescar a paisagem de tom natural bege arenoso.




O passeio começou por algo que o guia - ainda o mesmo egípcio do percurso da véspera, no Dubai (v. post de 17 de Janeiro p.p.) - apresentou como um souk modernizado, onde poderíamos encontrar artigos tradicionais - não que eu estivesse interessada em souks, em artigos tradicionais ou outros...

Tratava-se, na verdade, duma construção contemporânea, herdeira, quanto ao conteúdo, dos souks tradicionais, mas agregando negócios mais actuais,  com destaque para um grande supermercado que, pela aparência, não ficava a dever nada a qualquer congénere ocidental.

Aproveitei para cambiar dinheiro e comprar duas garrafas de água e regressei ao autocarro, aliviada por deixar tão pouco apelativo local. 

O anunciado ponto alto do dia seria a visita à proclamada impressionante e uma das maiores mesquitas do mundo (alegadamente, a terceira maior), Mesquita de Sheikh Zayed (que a mandou construir e nela está sepultado, tendo a obra sido iniciada em 1996 e terminado em 2007). 

Apenas um parêntesis para referir que o supracitado souk, assim como o porto onde o navio esperava (e sei lá quantos spots mais, viva o culto da personalidade!), também se designam Sheikh Zayed. A referência é a Zayed bin Sultan Al Nahyan (1918-2004), governante do Abu Dhabi e principal arquitecto dos UAE, de que foi presidente durante mais de 30 anos. O actual presidente dos UAE e emir do Abu Dhabi é o seu filho, Khalifa bin Zayed bin Sultan al Nahyan, também designado por Sheik Khalifa.

Embora tendo seguido as instruções emanadas da agência de viagens, no tocante a vestuário, a entrada na Mesquita foi-me vedada, num primeiro round, pelo fiscal islâmico - para o denominar de alguma maneira - encarregado do controlo. Explico: apesar de ter as pernas resguardadas por calças escuras (não poderiam ser brancas!) e não justas (também não permitidas!), o cabelo recolhido num boné, sob uma echarpe que me descia pelas costas e os braços (até aos pulsos), a entrada no templo foi-me, por assim dizer, chumbada! - Porquê?, indaguei, já a levantar fervura. Simplesmente porque a t-shirt era de manga curta e a echarpe transparente! Requisito em falta: braços completamente tapados!

Barafustei, sem êxito, até me lembrar que tinha um casaco no autocarro. Vesti-o, recoloquei a echarpe e apresentei-me, mais uma vez, ao controlo do macho islâmico. Mandou-me levantar a echarpe (prova de que ela cumpria a sua função...), para testar bem a questão dos braços. Embirrou de novo, as mangas do casaco ficavam a cerca dum palmo dos pulsos. Desatei a esticar as ditas com tal ímpeto e mau feitio que o homem, embora cheio de má vontade, se deu por vencido, permitindo-me (tolerando-me?!) a entrada no sagrado recinto. Menor sorte tiveram outras mulheres, que, por infracções idênticas, se viram obrigadas a comprar uma abaya (espécie de túnica preta, até aos pés, que as mulheres usam sobre a roupa).

Uff! fiquei (quase literalmente) furiosa! Escusado será dizer que os homens entram de mangas curtas e, no respeitante às mulheres, o argumento para a restrição prende-se com uma ideia tão estúpida e discriminatória quanto caricata, a saber: evitar distracções!!! Posto isto, a hipótese de os meus braços (aliás, aqueles parcos centímetros dos meus braços) poderem suscitar a distração dos adoradores de Alá ao ponto de os desconcentrarem das suas orações causou-me um certo, por assim dizer, frisson... 

Brincadeiras à parte, dei comigo a reflectir sobre um conjunto de questões: qual a fronteira entre o respeito devido a dada cultura (religiosa) e o cerceamento da liberdade/dignidade humana; como é possível que, em pleno século XXI, ainda haja (tantas) mulheres que aguentam, sem se rebelar, um status quo tão discriminatório e violento; como é diferente percepcionar este tipo de situação nos noticiários e senti-lo na pele... Mas isto devo ser eu, que, desde a infância, mantenho intacta a repulsa por práticas segregativas (seja em razão do género ou outra). Nisso não me tornei indulgente, não!

A este propósito, não posso deixar de referir que li há dias, com iguais doses de espanto e de esperança, que, no Irão, as mulheres estão a ousar manifestar-se publicamente contra a obrigatoriedade de uso dos véus (hijabs), motivo por que, lamentavelmente, vinte e nove foram presas... Oxalá (e sublinho esta expressão!) sejam cada vez mais e com maior êxito as #whitewednsdays (como o fenómeno já é conhecido) e consigam vencer a ditadura obscurantista e machista que sobre elas impende, (alegadamente) em nome de invioláveis comandos divinos. 

Ganha a minha pequena batalha, lá me encaminhei para a sumptuosa mesquita. Mais uma entre o rebanho de turistas que, encaminhados por extensos cordões e atentos vigilantes, deixam atrair a vista e as câmaras fotográficas pela profusão decorativa desta construção monumental, de arquitectura neo-muçulmana.

A brancura e a harmonia do mármore que lhe forma as paredes, o esplendor dos lustres que lhe pendem das cúpulas e dos vitrais que estabelecem subtis diálogos com o exterior, a beleza do desenho e o colorido do tapete persa que se lhe deita aos pés,  a geometria perfeita dos mosaicos e todas as demais riquezas e exuberâncias do local talvez ofusquem um pouco menos do que o novo-riquismo associado. Esta foi a minha impressão geral!

Para além dos motivos típicos, não perdi a oportunidade de fotografar o Corão, multiplicado em várias unidades, talvez à espera de que alguém se concentrasse o suficiente para sentir algum resquício de espiritualidade, num lugar aparentemente vendido ao turismo, embora sem concessões a braços semi-revelados em pretensas transparências.






















Terminada a visita, veio-me à ideia a narrativa de Jesus a expulsar os vendilhões do templo. E não deixei de pensar na diferença, por comparação às mesquitas vivas de Istambul, onde, apesar da presença turística, pude sentir o recolhimento dos fiéis e não me deparei com a sobranceria dum qualquer fiscal em relação a uma turista ocidental (isto, em 2009. Hoje em dia, ignoro)! Será culpa do petróleo? E quando o petróleo acabar? 

Curiosamente, apesar de não professar qualquer religião, sinto-me muito atraída pelo ambiente de certos templos, dado o clima espiritual que proporcionam ou induzem. Já mencionei as mesquitas de Istambul, mas acrescento os santuários xintoístas do Japão e algumas igrejas, como a de S. Domingos, em Lisboa (embora esta, ultimamente, esteja a perder o clima, por virtude da invasão turística. Entra o dinheiro, sai a calma, não se pode ter tudo.)


(Mesquita em Istambul, 2009)
(Templo xintoísta, algures no Japão, 2012)
(Igreja de S. Domingos, Lisboa, 2017)

Como este post já vai longo, retomarei num próximo o tour pelo Abu Dhabi.






2 comentários:

  1. Conheci muitas mulheres árabes fora de países muçulmanos que nunca sorriam para as máquinas fotográficas. Era pecado mostrar os dentes. Usavam os cabelos tapados e, às algumas a cara. Não infrigiam essas leis menores, mas competiam umas contra as outras como feras selvagens. E nunca largavam os lenços porque eram espiadas constantemente pelos homens e mulheres das mesquitas que eram capazes de as fazerem cair em desgraça e de as afastar das classes do poder.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Impressionante, Lailai! Desconhecia que eram tão competitivas! Enfim, a natureza humana em pleno, lá como cá, com a cara tapada ou destapada...

      Eliminar