segunda-feira, 19 de agosto de 2019

MORTE NO FACEBOOK!


Sim, a morte também anda por lá, a menos que sejam apenas mortos e não a entidade abstracta habitualmente representada com cabeça de caveira e braço armado de foice.

O Facebook (FB) é, aliás, habitado por tudo quanto imaginar se possa, das mais nobres publicações, nomeadamente, sobre Literatura e Arte (sim, com maiúsculas), até aos mais desgraçados e pérfidos desabafos, passando pelas surpresas mais deliciosas, ora pelo inédito ora pelo ridículo ora pelo inesperado ora por..., pelo que quiserem.

Em suma, o FB funciona como uma espécie de esgoto a céu aberto onde desaguam as (ou algumas das) almas mais ou menos penadas que vagueiam pelo mundo internético. A sensação de poder que transmite aos utilizadores é tão estrondosa que não poderia haver melhor espelho para o que a natureza humana é capaz de produzir, especialmente no seu pior ou, no mínimo, no seu mais caricato – não será no exercício do poder que o Homem melhor se revela? 

Na verdade, tudo leva a crer que o FB comunica às pessoas a (irreal) sensação de que podem, finalmente, expor-se duma maneira que, na vida real, por uma data de razões, não ousam; ao que acresce a importância (também irreal) de disporem de uma audiência alargada (vejam-se as centenas e milhares de amigos que muitos acumulam), perante a qual, ainda que sem retorno, podem, finalmente, brilhar. Tudo meras ilusões ou, se preferirmos, provocações, meticulosamente orquestradas pelos Zuckerbergs deste mundo (e todos os que lhes estão por trás... ou acima), para delas retirarem o mais que possam (v. publicidade dirigida, fake news, consultas para efeitos de concessão/recusa de vistos de entrada em certos países, etc.).

Perante tamanhas ilusões, na sua pequenez e pobreza de espírito, as pessoas despem-se do bom senso e da lucidez e revelam o mais primário que lhes vai nos neurónios (quando os têm) ou noutro sítio qualquer. Claro que há excepções a esta regra – que não passa da mais pura evidência da natureza humana – e aparecem os raros casos de pessoas que aproveitam a dita plataforma para revelar o seu melhor (que, por vezes, é mesmo bom ou muito bom). Não significa isto que estas últimas também não possuam o seu lado primitivo, mas são dotadas do condão de o ter domesticado e lhe haverem sobreposto aquele quid que o transcende e que muitos – felizes deles! – acreditam poder vir a conformar o futuro da Humanidade.

Eu, infelizmente, não acredito. Tenho para mim que a natureza (pelo menos, a humana) é perversa, radica num fundamento mau e, por isso, não obstante os esforços de superação de muitos (vá lá, de alguns), sempre será a matriz rudimentar, instintiva, a prevalecer. Assim o demonstra a evolução da Humanidade, não?

Todavia, talvez por questão de auto-defesa, esta convicção não me deixa acabrunhada (melhor seria dizer, já não...). Antes sou levada a tirar partido da idiotice que encontro espalhada por aí (a minha incluída), concretamente no FB, que é disso que estou a falar.

Afigura-se-me legítimo explicar como: ajuda-me sentir verdadeiro fascínio (de ordem intelectual, entenda-se, sobretudo do domínio da metafísica e do humor) pela bizarria e mesquinhez de certas manifestações da natureza humana (sendo certo, por outro lado, que, no FB – et voilà! um efeito deste... – me sinto totalmente blindada contra essas realidades, v.g., tomando sempre com distanciamento e humor as raras ocasiões em que alguém se me dirige em termos menos correctos). Por isso – quando não posso assistir a um espectáculo de stand-up comedy, ouvir o #RicardoAraújoPereira ou o #BrunoNogueira, ver a página do #HugoVanderDing, ou, por último mas não menos importante, rir-me de mim própria –, uma das minhas fontes de divertimento consiste em ler comentários a notícias publicadas no FB (quem nunca se divertiu com os abismos de ignorância, maldade e estupidez que por lá pairam, meditando, ao mesmo tempo, sobre as profundezas da mente humana, que atire a primeira pedra!). Por vezes, a necessidade de aprofundar, por assim dizer, leva-me a consultar o perfil do comentador idiota...

Aqui chegada, considero ter-me já excedido a propósito de um tema que muito me atrai e sobre o qual gostaria de ter preparação, tempo, persistência e disciplina, para produzir um ensaio: O Estranho Mundo do FB ou Nem Tanto, assim poderia intitular-se. 

Trata-se, contudo, de mero intróito contextualizador do que aqui me traz e enunciei em título: MORTE NO FACEBOOK!

É Isto: há dias, precisamente consultando – para os assinalados efeitos, meramente intelectuais, de gozo e reflexão – o perfil dum comentador idiota ou muito idiota, acabei por ir parar à página duma senhora, a senhora X, digamos, que continha o seguinte post:

(Naturalmente, ocultei fotografia e nome)


... post este, que, consoante se vê, rendeu 267 reacções, (algumas de likes, coisa que não deixou de me surpreender...) 98 comentários (muitos RIP ou DEP, claro) e (apenas) 14 partilhas.

Qual é o mal, perguntarão? Não há mal nenhum, só que a autora do post, salva seja (digo eu), era a própria falecida!!!

Portando, das duas uma: ou a senhora se suicidou ou fez eutanasiar, a hora certa, e tinha o funeral pré-contratado, pelo que pôde, com antecedência precisa, anunciar o evento; ou, já post mortem, acedeu, por forma que desconheço, ao FB (duvido! Até ver ou me aparecer algum, só acredito em mortos-vivos no cinema); ou – sim, há uma terceira hipótese – deixou o encargo do anúncio a um ente vivo que escreveu em seu nome, mas como se fosse ela.

Em qualquer das hipóteses, o que importa realçar é que a falecida revelou ser extremamente organizada e dotada para o marketing e publicidade, pois, convenhamos, não é qualquer um que consegue imaginar semelhante convocatória para uma despedida deste tipo, numa Igreja e, mais importante, sem anúncio de cocktail de boas-vindas (ou idas, já agora!) ou qualquer outro atractivo ou conforto. 

Mas a senhora revelou, ainda (e para além de muito mais), certa tendência para o drama e especial necessidade de atenção para um momento em que, quanto a mim, a atenção é muito (para não dizer completamente) dispensável – sim, que interessa a comparência da família e amigos, quando estamos para ali esticados, todos ataviados de rigor mortis, com os queixos colados para não descaírem e as mãos pousadas sobre o estômago como quem aconchega a última (in)digestão? Ignoro! Não consigo imaginar!

Tenho para mim que o meu funeral – se chegar a haver! – vai ser o menos concorrido de que há memória, facto que, em vez de me entristecer, me diverte sumamente. Todavia, para efeitos de FB, talvez pense em deixar uma despedida – sem carácter de convocatória, a modos de simples epitáfio –, só para que os meus meia dúzia de amigos do FB parem de se perguntar por que  razão deixaram de ver as minhas maravilhosas publicações, como esta (ahahahahah).

Será qualquer coisa deveras simples, do género:

Olhem, fui ali e já não volto!

Olhem, passei há dias pelo crematório, o que me deixou muito feliz, porque, finalmente, venci a luta contra as calorias!

Olhem lá, seus lamechas, porque é que agora desataram todos a pôr likes, carinhas desconsoladas e corações e a escrever RIPs ou DEPs no meu perfil? Era bonito era se tivesse sido antes, mesmo os RIPs/DEPs, sim! – afinal que pode haver de melhor do que uma pessoa descansar em paz, estando viva?! Só se for comer chocolate!

Bem, podia ir por aqui fora, mas, quem chegou até aqui (Parabéns, gente cheia de valentia, bom gosto e, sobretudo, paciência!), talvez já esteja um bocado farto e em modo desistência.

Fiquem bem! – ou será RIP ou DEP?! Vá lá, estava só a brincar, não se deixem impressionar.

P.S.: Meticulosa como sou, ainda voltei à página da falecida, para ver se ela tinha voltado para agradecer aos que compareceram ao funeral ou protestar contra eventuais faltosos. Não encontrei.









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