domingo, 14 de março de 2021

CÂNTICO DO ENTARDECER


hoje, não venham todos com ar de festa

a porta é estreita, a divisão curta e o horizonte confina-se a um simples postigo liliputiano

que é feito das portas largas, das janelas amplas, abertas de par em par para a vastidão de paisagens ignotas e intermináveis?

não tragam garrafas nem risos nem brindes nem presentes

que o futuro estreita-se, emoldurado num exíguo postigo duma qualquer traseira

rectifico, tragam garrafas e risos, sobretudo risos, apenas os presentes se dispensam – por desnecessários, em sua vã fatuidade

hoje, venham com risos, rir é o que combina com esta imensidão de nada

tragam garrafas cheias de esquecimento, pois recordar não é viver, mas morrer mais um pouco, evitável quando a morte acena aqui tão perto, recortada nas linhas estreitas e obtusas do postigo deste final anunciado

mas venham, venham!

bebamos das garrafas e alimentemo-nos do riso, porque hoje é hoje e já não há amanhãs que cantem (ou que chorem, espera-se!)

e, sobretudo, porque isso não importa nada







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