abram-se os postigos
deixem sair cafés fumegantes
empadas de galinha e pastéis de nata
dêem-se às máscaras as cores das amêndoas pascais
repliquem-se miríades de flores
essas que explodem pelas bermas do asfalto
inundando a cidade de amarelos, rosas vários, lilás
e o que mais
refresquem-se as almas até ao arrepio
confine-se o álcool-gel às saturadas mãos
aspirem-se os perfumes inebriantes dos jardins
mergulhe-se no verde que reinventa as árvores
sinta-se a areia até receber a abençoada onda na ponta dos pés
desejosos de longe
que, tantas vezes, o longe espreita aqui bem perto
cavalguem-se as asas dos pássaros urbanos
e das gaivotas suspensas sobre o mar
Encurtem-se distanciamentos com zooms e sorrisos
e palavras trocadas em ondas virtuais
que virtual é a vida mesma
afugente-se o papão com risos
afinal, não resistimos nós ao homem do saco, ao patrão soberbo
à infidelidade de certo amigo do peito ou companheiro
à doença que um dia chegou, matreira
à morte de entes queridos?
faça-se tudo isso
não porque ele não exista, esse papão nefasto
mas, justamente, porque existe
e é mais fácil combater o que se sabe estar ali
um dia nos riremos dele
não sucedeu assim com o homem do saco ou o lobo mau?
então, porque não rir agora?
afugentá-lo com o riso, fazer-lhe caretas com as máscaras pintadas,
inundá-lo de álcool-gel até ao afogamento
mantermo-nos unidos na distância
e por isso e com isso
escancarem-se os postigos
devorem-se cafés do lado de fora
troquem-se sorrisos acima do limiar das máscaras
postigue-se, postigue-se, postigue-se
até ser possível abrir de par em par portas e janelas
abraços e beijos
caminhe-se sobre as ondas e as asas dos pássaros
até ao dia em que, gloriosamente, possamos enterrá-lo
afogado em álcool-gel
fugido às arrecuas de caretas mascaradas
faça-se do postigo estrada aberta
espécie de route sixty-six
em vez de beco sem saída
escancarem-se os postigos, escancarem-se os postigos, escancarem-se os postigos!
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