quarta-feira, 3 de março de 2021

POR AÍ...


Saio para um passeio a pé e algo mais, as desenxabidas compras de supermercado. Hoje, fico-me pela zona da residência, percorro vários quarteirões, mas noto que a máscara bico de pato, talvez por se ajustar perfeitamente ao contorno das bochechas e pela espessura, amordaça demasiado a respiração, se é que assim se pode dizer, induzindo uma fadiga excessiva. Decorre pouco mais de meia hora e estou de regresso.

A VIDA É BELA

Pelo caminho, deparo-me com um par de avô e avó, passeando o neto, em seu carrinho; um bebé maravilhoso, quase careca, apenas uma penugem loura, feições perfeitas, olhos de um azul intenso como nunca visto, muito abertos para o mundo. Obviamente, detenho-me, não resisto, aceno-lhe e sorrio. Comento, «Que bebé tão lindo!» Não me liga nenhuma, está demasiado ocupado a contemplar o movimento à volta e, convenhamos, de mim só vê os olhos extravasando a máscara. A avó sorri, enternecida, diz que o menino nasceu de mãe Covid – creio mesmo que refere ter-se tratado do primeiro bébé nascido de mãe atingida pelo vírus. Mas ele não, não padeceu da doença, informa a senhora, em resposta à minha pergunta. Despeço-me, desejando felicidades, e continuo, afinal não posso passar a tarde em adoração do menino
Que seria do mundo sem as crianças!

MUNDO CÃO

Avanço para o supermercado. Consigo resistir a comprar chocolates, mas isto é capítulo de outra história. Dirijo-me à caixa para efectuar o pagamento e dos dois jovens funcionários disponíveis calha-me a menina, que desata numa tosse cavernosa, enquanto ajeita a máscara azul. Peço, educadamente – e com um constrangimento íntimo –, para ser atendida pelo colega do lado, visto ela estar, manifestamente, doente. Não é levantado qualquer obstáculo, mas refere que não está com Covid, já fez seis testes, trata-se apenas de uma infecção respiratória. Digo:
– Peço-lhe desculpa, mas acontece que sou de risco e tenho propensão a contrair infecções respiratórias, que, aliás costumam ser contagiosas.
Enquanto vai passando os meus artigos – nem um chocolate… –, o colega dá uma achega:
– Pois eu já tive Covid!
Aí está um caso nítido de excesso de informação, murmuro para dentro de mim. A menina adianta, porém sem agressividade na voz:
– Devíamos era ir todos para lay-off!
A conversa ainda prossegue, aliás sempre em tom educado e ameno, acabando ela por proferir a estafada máxima de que «O cliente tem sempre razão». Contraponho que não, nem sempre, e peço-lhe que procure compreender o meu ponto de vista, adiantando que, dadas as circunstâncias, o patrão não a deveria colocar no atendimento. Acrescenta que vem de passar quinze dias em casa, repetindo ter realizado seis testes (Covid).
Pago e despeço-me, reiterando o pedido de desculpa e desejando-lhe as melhoras.
Por vezes, um pedido de desculpas decorre, não da consciência de uma culpa própria, mas da assunção de uma quota de responsabilidade pelos males do mundo – e são tantos! –, da qual ninguém está em condições de se demitir… 

 LUXOS

Havia, ainda, um sítio a visitar, quase à porta de casa (e não, não é a Arcádia dos chocolates, não pode ser…): a livraria Tantos Livros. Precisava de comprar um livro, apetecia-me um thriller ou policial, para variar dos géneros que tenho andado a ler. 
Que prazer, conseguir entrar numa loja que não seja um supermercado! Mais, uma livraria! Mais, uma livraria que também vende revistas e artigos de papelaria (para além de ser galeria de arte)!
Enquanto me passeio por lá, dou comigo a olhar para um baú de cadernos, logo eu que sou pedrada por cadernos – tenho cadernos escritos (do tempo aec, antes de escrever no computador), cadernos desenhados, cadernos parcialmente escritos e/ou desenhados, já que sou dada a saltar de uns para outros, e cadernos por estrear, muitos e lindos, de vários tamanhos e feitios.
Compro «A NOITE ESTÁ A CHEGAR» do Robert Bryndza, um caderno lindo de morrer e um frasco de tinta da china. 
Para mim, trata-se de luxos, sê-lo-iam em qualquer tempo, mas especialmente nos tempos que correm! Situam-se ao nível, por exemplo, da não sujeição a horários ou a patrões… e a poder comer chocolates sem risco de engordar, mas isto (já) é pura utopia, ao menos no meu caso.
 
(o meu caderno novo)



 

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