Ignoro o teu nome, se és homem ou mulher, quem sabe se um dos outros inúmeros géneros, entretanto inventados e que nem sequer conheço.
Ignoro o teu nome e tudo o resto, vi-te a uma distância de metros, eu estacionada no carro, a falar ao telemóvel com uma amiga, contando as desventuras de uma recente intervenção cirúrgica malsucedida, apenas por alto e em tom jocoso, detesto pormenorizar desgraças e lamentar o que não tem remédio (ai, como me chateiam aquelas amigas que curtem desgraças como quem curte amores, só falam de doenças e pouco mais, tudo ao pormenor, esmiuçado com detalhes de macramé!).
Mas não é de mim, é de ti que me proponho falar, embora não tenha muito a dizer. Desconheço quem eras, o teu nome, género, idade, profissão ou falta dela, família, amigos, enfim, a moldura do teu corpo e da tua vida é-me completamente estranha.
Digo, estranha, não alheia. É que te vislumbrei a sombra, por sob o fato preto, quando, acompanhado/a por dois homens, também eles de negro vestidos, davas entrada na limusine cinzento prata.
O teu vulto aparentava fragilidade, talvez tivesses perdido peso, ultimamente, talvez nunca tenhas chegado a ganhar um peso assinalável, ao menos, a ser este o caso, não necessitaste de te preocupar com a balança.
Mas, que sei eu, que nada sei de ti? De que cor os teus olhos, de que doçura ou amargor os teus beijos — se é que beijavas… —, de viajar, gostarias? e de ler, de amar, de ver as estrelas e o mar? Dançar?
A dúvida mais perturbadora que me assaltou, a mim que nada sei de ti nem nunca virei a saber, foi a seguinte: gostarias de viver? E uma outra, mais pungente ainda, estarias assim completamente desacompanhado/a?
É que, repito, nada sei de ti.
A não ser que hoje, dia 30 de Dezembro de 2024, pelas cinco e pouco da tarde, vi a sombra de teu frágil corpo, sobre um esquife metálico (assim me pareceu), embrulhada num envólucro negro (manta, plástico?), atado à tua volta, ser transportada por dois agentes funerários, sob a vigilância de um terceiro, do interior dum prédio sito na Avenida Cinco de Outubro, em Lisboa, ali ao pé do cinema Nimas (terás gostado de cinema?) para o interior de uma carrinha funerária, de cor cinzenta prata. Ah!, isto sem que ninguém te acompanhasse.
Se conseguisse desenhar o abandono, recorreria às tintas com que acabo de dar forma a estas palavras.
Por qualquer (obscura?) razão, fiz suposições tão abusivas quanto esperançosas, do tipo, talvez estivesses farto/a de viver, talvez não te tenha custado partir.
Uma coisa é certa, sejas quem fores ou o que tenhas sido, estejas onde estiveres ou em lado nenhum, desejo-te a paz definitiva do esquecimento, ao menos para não recordares que ninguém te acompanhou à porta, ao menos esta última vez.
Será que alguém chegou a saber quem eras?
(Este texto – que escrevi e publiquei no Facebook, 30/12/2024 — baseia-se num facto real.)
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