sábado, 20 de julho de 2013

DENTRO DE CASA


Dans la Maison (Dentro de Casa, na tradução portuguesa) é o título dum óptimo filme do realizador François Ozon - que estreou ontem em Lisboa (UCI) -, verdadeiramente representativo da marca própria do cinema de autor francês (enquanto contraponto ao denominado cinema comercial, maxime, norte-americano).
Tendo como objecto (principal), o relacionamento entre um professor liceal de literatura, escritor frustrado, e um seu aluno, especialmente dotado para a escrita, apoia-se no desenrolar de duas outras histórias paralelas - objectos do objecto, por assim dizer -, a da vida daquele com a sua mulher e a duma família sobre a qual este escreve.
Aquilo que é aparente - perversão de voyeurismo, por parte do professor(?), versus perversão de intrusão/usurpação, por parte do aluno (?), num bem orquestrado despique – acaba por revelar-se realidade bem diferente – identidade de vazios e aspirações.
A caracterização e interligação dos distintos universos enunciados, o timing, em crescendo, de inquietação e suspense, bem como o detalhe da abordagem psicológica dos personagens são, apenas, alguns dos aspectos que fazem de Dentro de Casa um grande filme.
Dignas de menção são, ainda, a banda sonora, as magníficas interpretações, e, enquanto elemento substantivo, a apreciável lição de escrita criativa que nos é servida, pela mão do personagem professor.
 
 

sexta-feira, 19 de julho de 2013

FEBRE DA CAGARRA?


Sinto-me parva, completamente parva! Sempre a ser surpreendida!

Quando penso que o meu País já não é país, mas gigantesco manicómio, brutal e perigosamente  atingido por sucessivas vagas de esquizofrénicos comportamentos dos partidos do designado arco governativo, perante apalermada e inquietante passividade do povo, eis que a notícia me bate à porta, despertando-me para uma outra realidade, talvez visão.
 
Um tal anilhador de cagarras, que me dizem ser presidente da República, anuncia, com a beatitude dos pobres de espírito (os abençoados, a quem alguém garantiu pertencer o reino dos Céus ou de Deus, já não me lembro, mas talvez seja a mesma coisa), que está tudo tranquilo, não recebeu más notícias e pôde, finalmente, recuperar, num sono reparador, da noite mal dormida da véspera (devido ao barulho dos motores do barco, que aborrecimento).
 
E, já agora, se mais tempo for necessário para os ditos partidos alcançarem o almejado acordo de salvação nacional (de quem?, pergunto eu, embora tenha a minha própria resposta), no problem!
 
Pois claro, assim é que é, adiem, adiem, cagarrem-me, se não vou ter de decidir qualquer coisa, eu aqui, tão tranquilito, neste quase paraíso, a desempenhar a patriótica missão de afirmação de nacionalidade, não vão os espanhóis lembrar-se de rebaptizar isto de Olivença, aliás, Olivenza 2.
 
Entretanto, num país distante, quer dizer, por cá, o talvez 1º, de certeza sinistro, declara-se airosamente contra uma das vertentes (salomónicas) do acordo, eleições antecipadas, never! Enquanto o negociador inseguro se mostra muito seguro na outra vertente (salomónica) do acordo, acordo sim, pois claro. E o 3º figurante aguarda, por certo com alguma impaciência, que se lhe abram as portas da vice-1ª sinistrice.
 
Enfim, para além de parva, sinto-me completamente baralhada!
 
Será febre da cagarra?
 
 
 
 

quarta-feira, 17 de julho de 2013

PAZ CREPUSCULAR


Gosto desses momentos
Lentos
Retirou-se o dia, esgotado
Chega a noite
Mansamente
Bordando franjas
Sobre as copas das árvores
Unem-se os troncos
Envolvidos num silêncio morno
Os pássaros já partiram
Despediu-se o dia
Até amanhã
Paira o ar, calmo
Embrulhado no manto da escuridão anunciada
Aquela em que as nuvens se apagam
Devagar
E o azul do céu se afoga
Sem estertor
Reino de suspensão
Fronteira entre dois mundos
 
Gosto dessa paz crepuscular
 

(Escrito em 18 de Janeiro de 2005)
 
 

O MOLESKINE DE JANETE (III)

(continuação)

Espesso manto vermelho escuro encobria o tecto que se abatia sobre a sua cabeça. Dominado pelo pânico, o coração galopava contra as costelas, escoiceando dolorosas fracturas, por onde escorriam veias dilaceradas. As pernas esbracejavam e os braços esperneavam, numa urgência absoluta de fuga e libertação. Mas o tecto não fazia senão baixar, elevando o desespero claustrofóbico ao limite do insuportável.
Uma capa preta, donde sobressaiam, desenhados, dois alvos e pontiagudos caninos, sussurrou, em tom apaziguador: O desespero tem suas formas próprias de trazer a calma.
A frase ecoou repetidamente, sempre mais longe, mais longe, até se confundir com um ruído contínuo.
Com a angústia a dominar-lhe a mente e a transpiração a inundar-lhe o corpo, Francisco abriu os olhos numa interrogação atarantada e, com mão desajeitada e brusca, emudeceu o despertador.
A frase ainda percorria o seu cérebro, em ondas sucessivas, qual intruso indesejado reclamando hospedagem, o resto tinha-se desvanecido, sem hipótese de recuperação.
Nem sequer se lembrava de como atingira a cama. Apenas a vaga recordação do mergulho na banheira. E a certeza de que já eram horas de se levantar.
Aquele calor estava a dar com ele em doido. Devia ser isso.
Um duche rápido e um café depois, pôs-se a caminho da Agência de Publicidade, tentando concentrar-se na reunião com os novos clientes - e clientes era coisa que, sobretudo nestes tempos, não podia dar-se ao luxo de dispensar.
À medida que caminhava – era esse o seu modo preferido de deslocação e, por muito que lhe custasse, nem a excessiva canícula o demovia – as ideias iam ganhando alguma ordem e deu consigo a pensar no Moleskine encontrado na véspera. Teria alguém dado sinal após o seu anúncio no Facebook? Em que contexto e com que significado teria Drácula proferido aquilo: O desespero tem suas formas próprias de trazer a calma?
A verdade é que andava com uma crise de imaginação, pensou, o que, sendo Publicitário, podia revelar-se fatal. Não era a primeira vez que lhe sucedia, e nessas alturas, lamentava-se por não ter outra qualquer profissão, por exemplo, taxista ou electricista. Porém, reequacionava, de imediato, a questão, admitindo que, caso fosse taxista, talvez sofresse de desmemoriação selectiva para nomes de ruas e, sendo electricista, talvez tivesse tendência para apanhar choques. Quem sabe, talvez fosse sua sina pender para a complicação, talvez tivesse sido isso o que levara Rita a partir, talvez devesse descobrir a calma que o desespero pode trazer, pensamento que lhe soou a déja vu, ou, melhor dito, déja entendu.  Demasiados talvez! Whatever, concluiu, agora impunha-se o encontro com os clientes.
- Olá, Francisco, saudou Joana, a Secretária, com um sorriso rasgado. Os Clientes já chegaram.
- Ok., Joana, dê-me cinco minutos e, de seguida, leve-os à minha sala, por favor.
Bolas, uns minutos de atraso e já tinha que fazer má figura, censurou-se. Bem, talvez eles não levassem a mal, afinal, sendo seus concidadãos, já deviam estar habituados a esperas bem mais prolongadas. O que era preciso era surpreendê-los com alguma ideia brilhante!
Os clientes pretendiam lançar um inovador conceito de colchão, que, para além de reunir as melhores características de todos os existentes no mercado, tinha a particularidade de induzir o sono, por efeito duma avançadíssima tecnologia de propagação de ondas acústicas, associadas ao uso de aromaterapia.
Um colchão que tinha as suas formas próprias de trazer o sono, pensou Francisco.
Adiantou a ideia e os clientes gostaram. Pareceu-lhes simples, directo e eficaz.
Terminada a bem sucedida reunião, Francisco sentiu um novo ânimo, como há muito não experimentava.
Concedeu-se uma curta pausa para espreitar o Facebook, à procura de notícias de Janete. Só então, enquanto revia o seu anúncio, realizou que o nome da rapariga desenhada coincidia com o da sua namorada, aliás, ex-namorada, Rita.
O mundo está cheio de coincidências, talvez o mundo não passe duma  descarada e incongruente coincidência do acaso, pensou.
 
(Nota: Prevê-se continuar, noutra poiso; de momento ignora-se onde e como)
 

terça-feira, 16 de julho de 2013

NOTÍCIAS DA GRÉCIA

 
Eis que, do torpor do pântano, emerge uma ideia com sentido: o convite do BE ao PCP e ao PS para reunirem - sem "preconceitos", ponto interessante para afastar desculpas - com o objectivo de definirem as bases programáticas dum governo de esquerda.
 
Pode parecer utópico, mas tem lógica, demonstra iniciativa e empenho, e, acima de tudo (esta é a parte melhor) encosta o Tó Zé (In)Seguro à parede das decisões rápidas e difíceis. Quem não queria estar na pele dele era eu!
 
Claro que a desculpa vai ser a "salvação nacional", conceito reinventado pelo inquilino de Belém, que, num golpe de magia para deixar tudo na mesma, resolveu dar uma de oráculo de Delfos.
 
Entretanto, as negociatas prosperarão na santa paz (podre) dos deuses do Olimpo, e nós cá vamos andando ... completamente gregos (ao menos, pela parte que me toca).
 
Só mais duas coisinhas:
 
-Os comentadores políticos do costume (maxime, os ex-políticos) devem ter ficado radiantes com a mudança de assunto (afinal até eles já deviam estar cansados das proclamações habituais), enquanto se preparam para fritar o João Semedo e a sua iniciativa em lume brando.
 
-Bonito de ver também deve ser o despique entre os ex-futuros parceiros de governo (mera previsão, com menos valor do que as do tempo), João Semedo e Jerónimo de Sousa.
 
 
 
 

DELETED


Apagada na memória dos teus dias
Invisível, transparente, sombria
Madrugada sem noite prometida
Estatelada no cerne duma tarde
Sem regresso, sem possível
Inquietação
Encerra-se o círculo
Meses, dias, horas, minutos, ao segundo
Sem retorno, sem possível
Ponto de fuga ignorado
Regressas impassível?
Interroga-te a angústia
Impossível?
Não, recriarás o círculo
Chegarás a desdobrar a curva
Estenderás rectas infinitas
Não haverá desvios
O possível, apenas o possível
Quem sabe, outro impossível?
Repetição, mudança
Inquietação
Todavia impassível
Assim se impõem as margens do (im)possível!



domingo, 14 de julho de 2013