Espesso manto vermelho escuro encobria o tecto que se
abatia sobre a sua cabeça. Dominado pelo pânico, o coração galopava contra as
costelas, escoiceando dolorosas fracturas, por onde escorriam veias
dilaceradas. As pernas esbracejavam e
os braços esperneavam, numa urgência
absoluta de fuga e libertação. Mas o tecto não fazia senão baixar, elevando o
desespero claustrofóbico ao limite do insuportável.
Uma capa preta, donde sobressaiam, desenhados, dois alvos
e pontiagudos caninos, sussurrou, em tom apaziguador: O desespero
tem suas formas próprias de trazer a calma.
A frase ecoou
repetidamente, sempre mais longe, mais longe, até se confundir com um
ruído contínuo.
Com a angústia
a dominar-lhe a mente e a transpiração a inundar-lhe o corpo, Francisco abriu
os olhos numa interrogação atarantada e, com mão desajeitada e brusca, emudeceu
o despertador.
A frase
ainda percorria o seu cérebro, em ondas sucessivas, qual intruso indesejado
reclamando hospedagem, o resto tinha-se desvanecido, sem hipótese de
recuperação.
Nem sequer se
lembrava de como atingira a cama. Apenas a vaga recordação do mergulho na
banheira. E a certeza de que já eram horas de se levantar.
Aquele calor
estava a dar com ele em doido. Devia ser isso.
Um duche
rápido e um café depois, pôs-se a caminho da Agência de Publicidade, tentando
concentrar-se na reunião com os novos clientes - e clientes era coisa que,
sobretudo nestes tempos, não podia dar-se ao luxo de dispensar.
À medida que
caminhava – era esse o seu modo preferido de deslocação e, por muito que lhe
custasse, nem a excessiva canícula o demovia – as ideias iam ganhando alguma
ordem e deu consigo a pensar no Moleskine
encontrado na véspera. Teria alguém dado sinal após o seu anúncio no Facebook?
Em que contexto e com que significado teria Drácula proferido aquilo: O desespero tem suas
formas próprias de trazer a calma?
A verdade é
que andava com uma crise de imaginação, pensou, o que, sendo Publicitário,
podia revelar-se fatal. Não era a primeira vez que lhe sucedia, e nessas alturas,
lamentava-se por não ter outra qualquer profissão, por exemplo, taxista ou
electricista. Porém, reequacionava, de imediato, a questão, admitindo que, caso
fosse taxista, talvez sofresse de desmemoriação selectiva para nomes de ruas e,
sendo electricista, talvez tivesse tendência para apanhar choques. Quem sabe,
talvez fosse sua sina pender para a complicação, talvez tivesse sido isso o que
levara Rita a partir, talvez devesse descobrir a calma que o desespero pode trazer,
pensamento que lhe soou a déja vu,
ou, melhor dito, déja entendu. Demasiados talvez! Whatever, concluiu, agora impunha-se o
encontro com os clientes.
- Olá,
Francisco, saudou Joana, a Secretária, com um sorriso rasgado. Os Clientes já
chegaram.
- Ok., Joana, dê-me
cinco minutos e, de seguida, leve-os à minha sala, por favor.
Bolas, uns
minutos de atraso e já tinha que fazer má figura, censurou-se. Bem, talvez eles
não levassem a mal, afinal, sendo seus concidadãos, já deviam estar habituados
a esperas bem mais prolongadas. O que era preciso era surpreendê-los com alguma
ideia brilhante!
Os clientes
pretendiam lançar um inovador conceito de colchão, que, para além de reunir as
melhores características de todos os existentes no mercado, tinha a
particularidade de induzir o sono, por efeito duma avançadíssima tecnologia de
propagação de ondas acústicas, associadas ao uso de aromaterapia.
Um colchão que
tinha as suas formas próprias de trazer
o sono, pensou Francisco.
Adiantou a
ideia e os clientes gostaram. Pareceu-lhes simples, directo e eficaz.
Terminada a
bem sucedida reunião, Francisco sentiu um novo ânimo, como há muito não
experimentava.
Concedeu-se uma curta pausa para espreitar o Facebook, à procura de notícias de Janete. Só então, enquanto revia o seu anúncio, realizou que o nome da rapariga desenhada coincidia com o da sua namorada, aliás, ex-namorada, Rita.
O mundo está cheio de coincidências, talvez o mundo não passe duma descarada e incongruente coincidência do acaso, pensou.
(Nota: Prevê-se continuar, noutra poiso; de momento ignora-se onde e como)
Estou preso à história...
ResponderEliminarUau! Que boa notícia, "Passageiro"! Aí está um verdadeiro desafio para quem anunciou que se "prevê continuar noutro poiso"...
EliminarBluegirl