segunda-feira, 14 de novembro de 2016

PEDRO NOITES, A VERDADE!


Eis-me aqui, despido na primeira pessoa, para vos contar o verdadeiramente acontecido neste tempo de menos de um mês, em que vi a minha vida transformada numa espécie de reality show, no qual fui forçado, entre outras coisas, a sobreviver com meia dúzia de dezenas de euros e sem o apoio de ninguém.

Então oiçam:

Naquele dia que vocês já sabem, estava eu muito sossegado da vida, quando, do nada e sem mais nem menos, fui abordado por dois guardas da GNR, embonecados nos seus trajes de ofício e armados das correspondentes armas. Surgiram-me tão ameaçadores e destituídos de motivo alegado que me assustei deveras, tornando-me mais frágil e mais pequeno. Vai daí, em resposta à minha pergunta, - porquê?, expliquem-me porquê, se faz favor!, senti um estrondo deflagrar-me nos tímpanos e um projétil enfiar-se-me nas entranhas. Sem perda de tempo, eu para ali caído, afadigaram-se ambos a encaixar-me na bagageira do veículo de serviço, todo ataviado com a imagem de marca da instituição. Pararam um bocado adiante, no meio do mato, arrancaram-me à bruta daquela sinistra clausura e amarraram-me a uma árvore, como se estivesse capaz de ir a lado algum. Não contentes com isso, dispararam novamente sobre mim e puseram-se a milhas. 

Bem, calculo que se puseram a milhas, porque (felizmente) nunca mais lhes pus a vista em cima e, mal tive acesso a uma TV, vim a saber que tinham abandonado a viatura, substituindo-a por uma outra, que roubaram a um casal, após o terem baleado. Pobrezinhos, quero dizer, o casal, o homem ficou logo ali, esticado que nem um pernil, a mulher ficou ligada a máquinas, em plena suspensão entre os dois lados, o de cá e o de lá. Oxalá recupere, é mais uma valiosa testemunha da minha verdade.

Não sei dizer-vos como sobrevivi, talvez por milagre. O certo é que consegui desenganchar-me da árvore de amarração e fugir a caminho do bosque circundante. Obviamente, era minha intenção alcançar gente, alguém que me levasse ao hospital mais próximo e desse o alerta à minha família e às autoridades, sobretudo à GNR.  

Qual não foi o meu espanto quando, ao tropeçar numa pedra, dei de caras com um ribeiro, onde a minha figura se reflectia intacta, sem marca de beliscadura! Passei as mãos pelo corpo e o sangue tinha desaparecido. Os buracos da entrada dos balázios, idem. Pensei, deve ser do choque ou então foi milagre, assim sossegando o espírito e disposto a reflectir no próximo passo.

Uma apreensão apoderou-se de mim, quem iria acreditar na minha história, se as marcas não estavam lá para a suportar? Pus-me a vaguear pelo mato e, quando pude, puxei a gola do casaco até aos queixos, e entrei subrepticiamente num café de beira de estrada, onde, de cabeça baixa, dei atenção ao que passava na TV, sintonizada no canal do CM.

Ali estava, uma história completamente surrealista, em que o malandro era eu, acusado de ter matado um dos GNR e ferido o outro, deixando-o amarrado a uma árvore, de ter roubado o carro ao casal, matando o homem e deixando a mulher em suspensão entre o cá e o lá, e outras barbaridades mais, que calculo já deveis saber e por isso me dispenso de esmiuçar.

E eu para ali, completamente boquiaberto, vendo a minha fronha espalmada no écran da TV, chamado de fugitivo, ladrão e assassino,  alvo duma monumental caça ao homem. O homem era eu, claro! Registei, tomei consciência.

Saí do café e voltei a embrenhar-me no mato, para obter algum distanciamento que me permitisse pensar no passo seguinte. Duas coisas estavam claras na minha cabeça, primeira, queria ir ter com as autoridades, contar-lhes o sucedido, pedir justiça e protecção, segunda, tinha pavor de que, na tentativa, as autoridades me matassem. Ah! pois, fora isso que ouvira na notícia da CMTV, que as polícias, GNR à cabeça, andavam numa busca desenfreada da minha pessoa, com ordem para abater. Estava enredado num verdadeiro e dramático dilema. Que fazer?

Ainda permanecia na dúvida quando, indisposto, talvez devido ao stress, senti as tripas às voltas. Baixei as calças e acocorei-me atrás duma moita. Foi então que o som dos tiros, acompanhado do ruído das botifarras a esfarrapar o mato,  se aproximou assustadoramente na minha direcção. Apertei-me todo, tal o medo, cheguei a ver balas luminosas roçarem as ervas que me encobriam. Pior, ouvi distintamente uma voz enraivecida, saída dum vulto que pressenti quase sobre mim, proferir, - o sacana não se vai safar, é aparecer e levar um tiro nos cornos! Como fez aos nossos e a mais alguns! Tão certo como eu ser um GNR certificado! 

Tomei uma decisão. Afinal, bem vistas as coisas, não tinha tudo a perder, a minha verdade acabaria por prevalecer, como sempre sucede com a verdade, estava farto de andar a pastar duma moita para a outra e a ouvir desaforos da CMTV e de GNRs desaustinados, e, acima de tudo, precisava duma boa noite de sono. 

Embora não pudesse contactar ninguém e, muito menos, aparecer de visita, tive a sorte de ser resgatado pela Sr.ª D. Coisa, que, em plena actividade de apanha de míscaros, me encontrou descoroçoado, de encontro a uma árvore (já os GNR tinham abandonado a moita). Olhou-me enternecida, fez-me uma festinha na cara e disse, - olha, olha, se não és o Pedrinho, juro que não me chamo D. Coisa! Respondi-lhe que sim, por entre soluços, e ela disse, - nesta vida não há nada que não se resolva, anda até lá a casa, faço-te um chazinho, ok? E eu, que sim, ok, aquilo a calhar que nem ginjas, que os parcos euros estavam a acabar e as noites a ficar frias. Voltei a pensar, só pode ser milagre! Aquilo do chazinho era força de expressão, seguiu-se uma refeição de enfarta brutos, que isto na Província já se sabe.

Passaram os dias, dei comigo a engordar, do descanso e da boa comida da D. Coisa, fiquei um bocado preocupado, com esta cara quem vai acreditar em mim?, contrapus, ora essa, claro que vão acreditar, isto é sinal de consciência tranquila!, e, ainda perdido nestas divagações, aparece-me um par de advogados, oferecendo-se para tratar da minha apresentação a quem de direito, à revelia dos tiros da GNR. Só pude voltar a pensar, milagre! e acrescentei, aleluia!

Daí em diante, foi o que vocês já sabem e, como tal, dispenso-me de relembrar. Afinal o meu objectivo era levar-vos a minha versão dos factos, tal como sucederam. O resto, designadamente aquela espécie de entrevista que não dei à TV do Estado e ao jornalista dum pasquim de Coimbra, não passa de fait-divers, engendrados pelos meus advogados só para contentamento dos telespectadores (já aclimatados ao meu reality show) e cortesia à CMTV.

Para terminar, resta-me confessar o enorme espanto por me encontrar em prisão preventiva!

Enfim, não se dorme nem se come tão bem como em casa da D. Coisa, mas sempre é melhor do que sobreviver entre as moitas a ouvir os tiros e os disparates dos GNRs. Por outro lado, como dizia a minha avó ou a vossa, a esperança é a última a morrer (salvo seja!) e a verdade vem sempre ao de cima.

Vosso,

Pedro Noites





(imagem obtida em pesquisa Google)








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