Mais uma vez, Woody Allen conseguiu transcender-se, tal como sucedera com Match Point. E, mais uma vez, fê-lo duma forma magnífica.
Não que W.A. precise de se transcender para ser magnífico. Ele é-o, naturalmente. Assim, quando apelo ao conceito de transcendência, não me refiro a uma qualquer espécie de superação, mas a uma completa mudança de registo, dom com o qual nem todos os Artistas, por melhores que sejam, merecem a graça de ser contemplados.
Blue Jasmine é, indubitavelmente, uma boa história, mas, em minha opinião, não reside aí a sua principal qualidade, aquilo que o diferencia de qualquer outro filme com semelhante objecto de narração (afinal, financeiros burlões, mulheres e homens traídos ..., who cares?).
A diferença - qualitativa - está, desde logo, na maneira como a história é contada, reveladora, nomeadamente, dum absoluto domínio dos tempos da acção, tal a mestria com que os flashbacks são introduzidos, de modo a deixarem-nos a sensação duma sequência perfeitamente síncrona (símbolo da linearidade do percurso para o desastre?).
A diferença reside, também, no ritmo e, sobretudo, na (profunda e constante) tensão, transmissora (e geradora?) dum permanente estado de alerta, de inquietação e de angústia - tal como em Match Point.
A diferença encontra-se, máximo dos máximos, na densidade conferida à análise psicológica da personagem principal, aliás, em mais uma brilhantíssima interpretação da Cate Blanchett - que se sente nos mais mínimos gestos da sua expressão corporal, de que destacaria, obviamente para além do rosto, as mãos.
Com mais este filme, a par do anterior Match Point, creio poder dizer-se que W.A., um dos mais preciosos ícones do humor inteligente, em clima de auto análise, se constrõe um outro ícone, o da tensão das profundezas da mente humana (qual novo Ingmar Bergman, salvaguardadas as diferenças de estilo e de conteúdos narrativos). Com um fundo negro, pelo peso explícito (e implícito), mas que não é humor. Nem era necessário que fosse. Antes pelo contrário. A matéria poderá, ainda, ser a mesma, a abordagem e a dimensão, manifestamente diferentes. Mas sempre magníficas.
E, todavia, há uma marca constante, denunciadora da autoria: a óptima banda sonora jazzística, também ela introduzida com um acerto notável, cumprindo (apenas) o papel dum oportuno sublinhado.
E há, ainda, as referências ao Xanax , ao Prozac, à ansiedade, claustrofobia e medo da morte. Mas estas, creio eu, nunca poderão desaparecer dos filmes do talentoso Mr. Allen, seja qual for o seu registo (e ainda bem, pois as imagens de marca, quando boas, devem manter-se).
Enfim, se Blue Jasmine não ganhar, pelo menos, os Óscares para melhor filme, melhor realizador e melhor actriz principal, vou ficar muito decepcionada. E só não prometo fazer greve ao cinema, visto não gostar de prometer o que não posso cumprir.
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