segunda-feira, 30 de março de 2020

29º DIA DAQUILO: MALUCOS AO ATAQUE!


Ontem, armada de máscara, luvas e ousadia, aventurei-me a ir ao supermercado, desporto a que já não me dedicava desde o dia em que foi, e bem, decretado o estado de emergência. Faltavam umas coisas, nomeadamente, chocolates, o que me vinha causando um inusitado estado de carência, atrevo-me a dizer, síndrome de abstinência.

Meti-me no carro e fui a um Pingo Doce, não longe aqui de casa.

Circulavam poucas pessoas e veículos, o que conferia à cidade um aspecto triste, inspirando, contudo, um sentimento de segurança, pela presunção de que a maior parte já atinou e está a proteger-se, o que simultaneamente redunda em protecção de todos.

Estacionado o carro – mesmo à frente do supermercado, outra raridade! –, entrei sem necessidade de aguardar em fila e encontrei poucas pessoas lá dentro. Óptimo, pensei, sentindo-me um pouco menos culpada por não ter optado por encomendar online e mais fortalecida para a realização da tarefa.

Entusiasmo de pouca dura, confesso! O meu radar auto-flagelador desatou logo em funcionamento, passando a assinalar:

– Funcionários sem máscaras ou luvas (diferentemente do que presenciara num Auchan e num Aldi, das únicas duas vezes em que saí, desde que esta cena do Covid-19 começou);

– Uma mulher jovem a apalpar todos os quivis que se lhe apresentavam à frente. Não só porque também queria quivis, mas principalmente por uma questão de civismo, disse-lhe, a um mínimo de dois metros de distância, "esse seu comportamento é muito pouco cívico, especialmente agora"; prossegui sem aguardar resposta;

– Mais à frente, na secção dos queijos, estavam dois homens jovens, seguramente indecisos, a manusear e restituir à prateleira embalagens. Fiz-lhes o mesmo responso, olharam-me, mas não responderam, certamente assustados por avistarem fumo a sair da minha máscara (sim, por esta altura, já me sentia a fumegar e quase a gritar, "tirem-me deste filme!"). Esperei que debandassem e fui buscar os meus queijos, evitando pegar nas embalagens que eles estiveram a manusear, mas com a (deprimente) certeza de as que seleccionei já terem sido manuseadas por outros;

(Um dia destes ainda hei de discorrer sobre esta mania de os portugueses apalparem ou acariciarem ou lá o que é a fruta e as embalagens dos supermercados, pão incluído.)

– Pouco adiante, ouço um monumental espirro, vindo do que calculo ser uma distância inferior a dois metros. Olho, espavorida, creio que com os olhos a caminho da testa, e constato que o espirro proveio da bocarra desprotegida dum tipo aí dos seus quarenta anos, com um ar completamente alucinado. Sem se assustar com o meu olhar em transe, ainda teve a distinta lata de proferir, em tom de brincadeira aparvalhada: "Ui, ui, olha que eu mato-te!"

Como sempre ouvi dizer que com malucos nem para o céu, pus-me a milhas, prosseguindo as compras noutro departamento. Então não é que o dito esgrouviado estava sempre a cruzar-se comigo! Parecia que a sua missão era andar a fazer gincana pelo supermercado. Cada vez mais inquieta, esqueci a lista das compras e comecei a meter no carro aquilo de que lembrava e me aparecia pelo caminho;

– Se foi tudo? Por incrível que pareça, o melhor ainda estava para vir! Encontrando-me já, apressadamente – com mais desejo de sair dali do que de ganhar o euromilhões –, a colocar os artigos no tapete da caixa, aí a meio da operação, reparo numa senhora praticamente encostada ao meu carrinho, ou seja, a respirar para cima das compras! Já a tinha topado lá dentro, pelo aspecto estranho e por ter uma pomada branca à volta duma das narinas, indicando um possível herpes, talvez devido a um acesso de febre (gripe, Covid-19?, interrogara-me). 

Aquela manifesta invasão dos meus dois metros, incomodou-me sobremaneira. Pedi-lhe que respeitasse esse perímetro. Com ar monocórdico e aparvalhado, absolutamente consentâneo com a aparência, respondeu: "Mas eu estou a dois metros da senhora." Redargui que não, mas ela insistiu, tipo cassete do PC. Para evitar um ping-pong para que careço de vocação ou paciência, retorqui, "Então, afaste-se para quatro metros". Não se mexeu! 

Enquanto prosseguia a minha tarefa – absorta no pensamento, não me bastava um maluco por dia, tenho que levar com dois e ainda nem são quatro da tarde –, uma funcionária veio avisar a senhora desrespeitadora de perímetros de segurança de que podia seguir para uma caixa vaga, mesmo ali ao lado. Confesso que, nesse momento, sofri um arrebatamento de paranóia, admitindo, a maluca da gaja pôs-se aqui, de propósito, a tentar infectar as minhas compras, só pode!

Mas não, desenganem-se, ainda não foi tudo! Estando a pagar, vejo a dita cuja avançar para a minha caixa, para se dirigir à funcionária, agradecendo-lhe não sei o quê (creio que o facto de não ter intervindo, quando da nossa conversa); de seguida, com o tom monocórdico e aparvalhado de sempre, disse-me: "espero que o Covid lhe caia em cima." Gentilmente, resporqui, "Obrigada!", ficando a imaginar se a resposta a terá apaziguado... ou não; seja como for, desandou. 

Agora é assim, não sou de superstições nem de (outros) medos atávicos, mas se, após tão extraordinários encontros, não apanhar o bicho, é porque o meu Anjinho da Guarda anda mesmo atento e toma muito bem conta de mim.

Todavia, neste momento – em que, talvez um pouco levianamente, imagino os dois malucos conluiados na feitura duma boneca vudu, armada de máscara e luvas, com os olhos na testa e os pulmões crivados de alfinetes –, tomei três decisões:

– Passar a fazer compras online;

– Aguardar, calmamente, os próximos 14 dias, só para confirmar se o Universo leva a sério os estranhos desígnios de dois seres perturbados;

– Sugerir ao Primeiro-Ministro que, no quadro do estado de emergência, adite a seguinte medida: criação da BPCMS, Brigada Para Controlo de Malucos à Solta.


(Imagem editada, obtida em pesquisa Google)






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