Dizer que estou farta é pouco, estou fartíssima! Do Covid-19, do Covid-20 e, sobretudo, dos seus efeitos colaterais (refiro-me a estes, porque, até ver, parece que ainda não lhe experimentei os efeitos directos, ao menos que o teste confirmasse).
Falar em emergência, calamidade ou até cataclismo revela-se manifestamente insuficiente para descrever o meu estado. Na verdade, sinto-me furiosa (há pouco, olhei para o espelho e até me assustei com a imagem devolvida; pensei, de imediato: hoje não é bom dia para fazer ou atender chamadas e ainda bem que estou em relativo confinamento).
Acontece que tenho boas razões para me encontrar assim (os tais efeitos colaterais)!
Tudo começou lá para anteontem, quando, por volta das duas e meia da manhã, estando embrenhada na leitura de um romance policial, ouvi um ruído estranho, semelhante ao ranger de soalho velho; não tendo a minha casa antiguidade que permita sufragar tal hipótese, admiti poder tratar-se de provocação de um qualquer fantasminha, que andasse pela cozinha (de onde o ruído parecia provir) a roubar chocolates, e continuei a ler, não pensando mais no assunto.
Ontem, lá para o princípio da noite – após mais uma maratona de ida às compras/aturar energúmenos que não sabem calcular distâncias/regressar a casa/lavar as mãos/trocar de roupa/por roupa a lavar/lavar as mãos/desinfectar os produtos adquiridos, um a um, em água e lixívia/secar os ditos produtos/arrumar os mesmos/lavar o chão/ enfiar-me no duche/uff! – dei em ouvir o mesmo barulho da madrugada anterior, mas, como estava deveras cansada – cansaço que julgo advir, não das tarefas em si, mas da energia consumida a detestá-las –, não liguei nenhuma.
Só hoje, após tomar o pequeno almoço, reparei que a porta do congelador não estava completamente fechada, tudo indicando que o ruído provinha daí (do escorregar de alguma caixa contra a porta e eventos subsequentes, como formação de icebergs). Abri, a medo, e o cenário era surpreendente e contraditório: embalagens rodeadas de gelo e blocos de gelo autónomos, surgidos entre elas (isto, num frigorífico no frost). Retirei um pacote de legumes congelados e escorreu água; apressei-me a verificar o compartimento do gelo e estava meio derretido.
Drama, horror, apocalipse! Pensei, tomada de angústia: Esta m**** toda descongelou, recongelou ou que raio aconteceu? Será que vou ter de deitar isto tudo fora? A minha reserva alimentar Covid-19 ou 20 ou sei lá: os hamburgers e bifes de frango e peru que tanto trabalho me deram a grelhar (apesar de que foi só por sal e atirar para a frigideira anti-aderente), os legumes assados (que me levaram à descoberta de como se ligava o forno); os legumes, o esparregado e o salmão congelados, comprados com tanto risco, numa superfície comercial repleta de anormais; o saboroso arroz de polvo, os magníficos filetes do mesmo, a deliciosa tarte de pato e os croquetes, generosa oferta de uma alma caridosa, condoída da minha inapetência culinária; vou mesmo ter de jogar tudo isto no lixo e ficar com o congelador a zero?
Ainda pensei telefonar a alguém, na esperança de receber apoio de um conselho sábio, no sentido de que não seria necessário tanto zelo, bastava rearrumar a maldita caixinha que tinha empurrado a porta, fechar esta bem e deixar seguir.
Não o fiz, não sou mulher de acreditar em ilusões, mais depressa acredito no Pai Natal! Mal vi o compartimento do gelo em vias de inundação, decidi o maldito destino a dar àquela maravilhosa comidinha, arrecadada a tanto custo – isto, apesar de os icebergs aparecidos lá pelo meio, susceptíveis de fornecer indicação de sentido contrário, e que, pouco depois, tanto trabalho me deram a desfazer. Uma coisa era certa, estava disposta a tudo menos a sujeitar-me a uma intoxicação alimentar. Já basta o que basta, quer dizer, o risco do c***** do Covid-não sei quantos!
Neste momento, o congelador está pronto a reabastecer, os ex-congelados repousam, indignados, num grande saco de lixo e eu permaneço congelada numa revolta genuína (sinceramente acho que não merecia!), furiosa por ainda ter de ir lavar as caixas que saíram do frio e, pior, por ter de voltar às compras e, finalmente, decidida a passar a alimentar-me de conservas.
Aceito donativos de comidinha boa!
Não aceito conselhos a posteriori, se forem do tipo, ahahaha não havia necessidade (de deitar tudo fora)!
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