quinta-feira, 14 de maio de 2020

A NOSSA CASA JÁ NÃO É A NOSSA CASA


A escuridão abateu-se sobre esta parte do mundo. Os candeeiros públicos desmaiam num amarelo pífio.

Ainda assim, consigo divisar os contornos da casa. Num dos lados brilham dois rectângulos. Já não são quadriculados. A caixilharia de madeira vermelha cedeu lugar a um alumínio castanho, não que agora o possa ver, mas sei, doutras observações, espionagens diversas.

A luz rectangular espreita da saleta, quer dizer, espreitaria da saleta, se.

Vêm-me à ideia lascas finas da madeira, bege amarelada, da parte de dentro. Muitos sóis por ali passaram. No fim, já ameaçavam desmoronar-se em farripas gastas, ressequidas. Como certas vidas, depois de vividas ou não vividas. Sei lá!

A nossa casa já não é a nossa casa.

Era a casa onde morávamos e, agora, é ela que mora em nós.

(A partir de um texto escrito, em 02/12/2016, no Hotel Miracorgo, Vila Real)









2 comentários:

  1. O estado de confinamento leva a recordações de outros tempos e neste texto é feita uma viagem nostálgica pela casa da infância,ou melhor pelas recordações de outros tempos. Como sempre aprecio imenso a narrativa.

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