O rápido afastamento de Rita - que, em segundos, se
perdera na linha do horizonte, reduzida ao tamanho dum lápis - deveu-se à
urgência em encontrar os outros desertores, visto se aproximar a hora da
partida.
Todos eles tinham ouvido falar dum país de misteriosos
contornos e, embora ignorassem exactamente quais ou, talvez, por isso, ansiavam
conhecê-lo.
A chegada de Rita ditou a antecipação da viagem.
As mochilas, reduzidas à mínima expressão do
essencial, não atrapalharam a subida para as Harley Davidson e as posteriores acelerações, que, passado o
impulso inicial, se revelaram desnecessárias, porquanto uma inusitada e poderosa força
os sugou para o local de destino, privando-os da deliciosa sensação de velocidade
em crescimento.
Tudo sucedera como se um ténue véu se tivesse rasgado
para os deixar passar, ou melhor, para os reclamar à presença dum qualquer
interior desconhecido.
Perplexos, mas excitados pela curiosidade, estacionaram
as motos, dispostos a iniciar o percurso da descoberta.
Só então procederam às apresentações, distribuindo
entre si os cumprimentos próprios da ocasião e as informações básicas. Miguel, 45
anos, informático de profissão, e pintor, nas horas vagas; Janete, 25 anos,
estudante universitária de Engenharia Informática; Rita, 28 anos, jornalista frelance.
Rita afastou-se um pouco, para enviar o prometido SMS
a Francisco, mas reparou que o telemóvel se apagara
por completo, resistindo herculeamente a todas as tentativas de reanimação, o
que lhe gerou angústia, pois, bem sabendo o estado em que deixara o namorado,
desejava o mais possível começar a levantar o véu da sua tão repentina quanto absurda
despedida.
Solícitos, os companheiros apressaram-se a ajudá-la,
mas os seus telemóveis, também atingidos por morte súbita, recusaram-se a
cooperar.
Uma coisa parecia já certa, aquele não era um local
propício à existência ou, pelo menos, ao funcionamento de telemóveis.
Encontravam-se, agora, num campo aberto, dominado por
esguias plantas filiformes, que, por qualquer razão incompreensível, pareciam observá-los.
Não vislumbravam qualquer pessoa nem conseguiam
desvendar o que o horizonte longínquo escondia.
Apenas sentiam uma fresca aragem e o toque duma luz pálida,
indefinida, insusceptível de revelar se iria tombar noite ou emergir dia.
Dominados por estranha apreensão, entreolharam-se, em
mudas interrogações, que não ousaram verbalizar e, como se fruto dum acordo
tácito, puseram-se em marcha, todos na mesma direcção.
Não havendo sinalização alguma, o seu caminho era
cego, mas, de algum modo, já todos eles tinham experimentado essa ausência nas vidas de que provinham. Tal
como os passos, também os pensamentos se articularam em perfeita sintonia, levando-os
a comunicar telepaticamente.
Deste modo, sem necessidade de formular perguntas, Rita
ficou a saber que Miguel e Janete estavam perdidamente apaixonados e estes
entenderam o motivo da partida de Rita, compreendendo, assim, que a verdadeira razão
das suas deserções, não sendo idêntica, também não era, necessariamente, antagónica.
Afinal, Miguel e Janete apenas queriam perder-se, enquanto Rita almejava
encontrar-se.
Quanto mais caminhavam, mais longínquo parecia o
horizonte e mais indefinida a linha que o separava do céu. Estranhamente, isso
não os preocupava, visto não sentirem cansaço, fome, frio, falta de abrigo ou
qualquer outra dependência inerente ao primarismo da sua natureza originária.
Nova coisa parecia já certa, aquele não era um local em
que a sobrevivência fosse um fardo, evoluía-se e era tudo.
Subitamente escureceu e, tal como os seus lábios haviam
sido dispensados de comunicar, assim os seus olhos foram dispensados de ver,
com a naturalidade da imersão duma alma lisa num sono profundo, em cujas asas se deixaram
transportar para a terra de todos e de ninguém, que é o enigmático mundo dos
sonhos.
(Nota: Prevê-se continuar; de momento ignora-se como)
Sem comentários:
Enviar um comentário