(Continuação)
A pálida e indefinida luz da
véspera, ainda mais pálida e indefinida, irrompeu numa claridade difusa, levando-os a abrir
os olhos, num lento e distendido piscar.
Cumprimentaram-se com sorrisos amáveis, sem necessidade de palavras, e olharam em redor.
Cumprimentaram-se com sorrisos amáveis, sem necessidade de palavras, e olharam em redor.
Não entendendo como nem porquê, viram-se situados numa paisagem completamente distinta da
anterior. Tratava-se, agora, de cerrado e sombrio bosque, em que majestosas
árvores se elevavam a grande altura, misturando-se nas copas, através das quais
era quase impossível divisar um retalho de céu.
Ao avançarem,
viam-se rodeados de toda a espécie de enormes plantas, que orquestravam
infinitas sinfonias de verde.
Pressentiam murmúrios aquáticos, sem, todavia, lhes detectarem a origem. De resto, tudo
era sossego, fresca aragem e ausência de fome, frio, necessidade de abrigo ou qualquer outra dependência inerente ao primarismo
da sua natureza originária.
Apesar da
beleza do local, o sentimento de inquietação experimentado na véspera recrudescia,
pois, persistindo a inexistência de presença humana e de sinalização, ignoravam onde os conduziria
aquele caminho, que, de resto e à semelhança de certas criaturas, quanto mais percorrido, menos revelador se
tornava.
Estacaram ao
mesmo tempo e, como as palavras voltaram a ser necessárias, Janete lamentou-se,
com voz assustada:
- Miguel,
tenho medo, por favor explica-me o que está a acontecer.
- Tem calma,
Janete, vais ver que, quando atingirmos a orla do bosque, a cidade há de surgir em todo o seu esplendor, respondeu Miguel, esforçando-se por revelar uma
confiança que, verdadeiramente, estava longe de possuir.
- Não creio
que isso vá suceder – interveio Rita, com exaltada apreensão na voz. – Afinal,
ontem, à medida que caminhávamos, o horizonte mostrava-se cada vez mais
longínquo e hoje nem horizonte temos, nem um vislumbre de céu. Para já não
falar no facto de desconhecermos a razão e o modo desta abrupta mudança de
cenário. Pela minha parte, só me lembro de ter adormecido subitamente, como se enormes
asas me levassem para longe, e de acordar aqui, no meio deste sabe-se lá o quê.
- Acho que tens razão, concordou Janete.
- Vá lá,
meninas, não dramatizem, vamos continuar e logo descobriremos a saída, comandou
Miguel, enlaçando Janete pela cintura e beijando-lhe os cabelos.
As raparigas
não estavam minimamente convencidas, mas o facto é que não tinham alternativas
a propor e, como tal, acompanharam Miguel em passo rápido, tão rápido quanto a
invasão das plantas lhes permitia.
Mais uma coisa parecia já certa, aquele não era um local em que a evolução obedecesse a um rumo previsível ou minimamente racional.
Os sentimentos de cada um deles eram idênticos, como se estranha rede de angústia
partilhada se estendesse sobre os seus corações, aprisionando-os.
Já os pensamentos
divergiam, como divergem os caminhos das vidas de cada um.
Rita enrolava-se
em dúvidas sobre a decisão de abandonar Francisco, do modo como o fez, por
muito boas que as suas intenções pudessem ter sido.
Miguel afundava-se
em espirais de interrogação, questionando a sua capacidade de estar à altura das estranhas circunstâncias,
sobretudo perante a namorada.
Janete
reequacionava, ponto por ponto, a decisão de partir, não conseguindo
desvincular-se da memória das frequentes críticas e alertas dos Pais, a
propósito da sua tendência para a precipitação.
Então,
de súbito, os seus passos foram detidos por uma
intransponível barreira de árvores e plantas que, de tão juntas e entrelaçadas,
lhes barraram irremediavelmente a passagem.
Entreolharam-se,
tensos, enquanto uma torrente de lágrimas escorreu dos olhos de Janete, Rita se
deixou cair, numa aflição muda, e Miguel, enxugando os olhos de Janete, numa
manobra para ganhar tempo, sussurrou a frase que parecia caminhar para o estrelato dum hipotético best seller:
- Vá lá, meninas, tenham calma, vão ver que, em menos de nada, conseguimos sair daqui.
- Vá lá, meninas, tenham calma, vão ver que, em menos de nada, conseguimos sair daqui.
E, como não
lhe ocorresse qualquer ideia mágica para concretizar a expressão da sua promessa, sentou-se no chão acolchoado de verdes musgos, tirou da mochila um lápis e um caderno
Moleskine de capa preta, formato A5, papel liso, e, com um ânimo que estava longe de
sentir, e um sorriso apenas fixado na mímica do seu rosto, proclamou:
- Preparem-se,
Meninas. Sessão de desenho com modelo, para aproveitar a pausa. Desperdiçar tempo
está fora de questão!
Rita limpou as
últimas lágrimas, esboçou um princípio de sorriso e murmurou:
- Só tu,
Miguel, para pensares em desenhar numa hora destas. É por isso que te amo
tanto!
- Só por isso?!,
admirou-se, fingidamente, Miguel.
- Claro que
não, tu sabes, respondeu Janete, com ternura, ao mesmo tempo que se escusava a
servir de modelo, cedendo a vez a Rita.
Esta, impelida
a agarrar a onda de aparente normalidade, no meio de tão surreal ambiente,
aceitou, de imediato, a proposta, rindo numa fingida animação, como quem
espanta ameaças surdas ou expulsa espíritos perturbados.
Miguel já estava com o caderno e o lápis em punho, escrevendo, repetidamente, em todas as folhas, Janete, como quem não pode abster-se de testemunhar e partilhar a fonte da sua inspiração.
Janete, fascinada, avisou-o de que Rita já estava à espera.
E, assim, Rita foi desenhada até à exaustão, em rápido traço gestual e variadas poses.Janete, fascinada, avisou-o de que Rita já estava à espera.
Absorvidos como estavam, nem se aperceberam da inopinada mudança que o novo mundo acabava de lhes apresentar.
(Nota: Prevê-se continuar, de alguma maneira, em algum lugar e em algum tempo )
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