domingo, 2 de março de 2014

A PRIMEIRA DANÇA COM ARTUR ADRIANO


Então, ele olhou para dentro dos mornos e sorridentes olhos dela, os dele igualmente, e declarou - sim, foi uma declaração, não um simples disse -, gostava que isto nunca acabasse, e ela, na gentileza da sua ingenuidade e na magnanimidade das promessas gloriosas, baliu o murmúrio, mas isto ainda agora começou
E era a pura verdade, era a primeira dança que dançavam juntos, bem colados, harmoniosos e deslizantes, alheios aos outros pares e, inclusivamente, à música, podendo isto ser mera suposição ou mesmo invenção, talvez para efeito literário, embora eles bem pudessem dançar sem musica, apenas o embalo da descoberta do amor, no caso dela, no dele, sabe-se lá, ela pensou que também.
Mas ele apressou-se a esclarecer - e isto já não podia ser tomado como uma declaração ou, mesmo, um simples disse, foi, antes, um desmentido - não, não me refiro a isso, refiro-me apenas a esta noite, a este momento, qualquer coisa do género, negando hipótese de promessa de entrega que não fosse o agora, isto aqui. Ela continuou a sorrir, não se descompôs, colou-se mais a ele, como se nada, não se deu por achada no seu acto falhado, ignora-se porquê, se por negação do mal estar da sua esperança rejeitada, se por negação da própria rejeição, coisa de retirar importância ao sentido das coisas ou à sua ameaça, coisas más, ameaça de frustrações e desgostos, como viriam, era o mais certo de esperar.
As despedidas foram por beijos quentes, até ao dia seguinte e aos próximos, pois tinham começado a andar juntos.
Apesar do equívoco, por aquela altura, ela estava convencida de ter encontrado aquele que estava destinada a encontrar, era aquele e correspondia a todos os cânones, ao menos os exteriores, que sabia ela do resto, que importância tinha o resto quando a credulidade era do tamanho da inocência e a inocência do tamanho do universo, quando ainda não tinha percebido que a realidade funcionava num registo diferente dos contos de fadas, quando ainda não tinha assimilado que isso do que dava por assumido do destino - dizer destino é dizer acaso ou algo que está inscrito acontecer, por natureza - era pura treta fantasista. Ainda era muito cedo para saber todas essas evidências e, assim, afocinhou de quatro no amor por Artur Adriano, o bonito e inteligente Artur Adriano, que já percorria o caminho para a gloriosa cátedra e tinha vergonha de dizer que o pai era polícia. E também tinha vergonha - ou outra qualquer diminuição impeditiva-, de dizer que gostava dela, mas isso só veio a saber-se depois, com a dispensável dádiva do tempo.
 
 
 
 
 
 

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