O meu coração tem
asas. As asas que o trouxeram e o hão de levar. O meu coração tem asas. As asas
que transportam até ele seus vários ocupantes. As asas que nunca levarão dele
certos ocupantes, embora outras asas os possam levar. O meu coração tem asas. As
asas que o fazem voar, sobrevoar e voltar, mais rico ou mais pobre. Mais pobre
– está bom de ver - se alguém que ele queira não quiser entrar. O meu coração
distende-se com o bater das asas. Por isso, quando, há uns anos, a pequena I. me perguntava
se gostava mais dela ou do pequeno J., sempre lhe respondia que gostava dos dois
(e não só dos dois), por igual. Para ela perceber, explicava que o meu coração
tem várias gavetas do mesmo tamanho, uma para ela, outra para o J. e por aí
fora. Ela percebeu e já não pergunta, porque já não precisa de perguntar.
Assim, o meu coração tem várias gavetas preenchidas de infinito. Nenhum
ocupante deve recear, porque o amor é assim, não conhece medida nem comparação.
Mas o meu coração é tecido e debruado a renda. Ao mínimo abanão pode rasgar.
As asas do meu coração sabem disso. Voam, por vezes muito alto, mas sabem
sempre quando voltar. Por vezes o meu coração não gosta, mas é assim que
funciona, acaba por ter de aceitar. Mas o melhor, mesmo, para todos os efeitos,
é voar. Ah! e a renda que tece e debrua o meu coração também pode ser outra
coisa qualquer, por exemplo, ramagem de árvore, desde que livre para voar.
Nota: a inspiração deste texto foi o meu desenho do coração com asas, permanecendo, desde então, no recato do seu esconderijo informático; hoje fiz esta fotografia, que me sugere um coração. Então, nada mais natural, acrescentei um parágrafo (o último, obviamente) e trouxe-o à luz (não sem algumas dúvidas, por ser, talvez, demasiado íntimo...).
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