segunda-feira, 3 de março de 2014

O PRIMEIRO AVISO A ARTUR ADRIANO


Passaram a encontrar-se todos os dias, para o circuito dos cafés, dos almoços e jantares fora,  dos espectáculos e do mais, rotina de namorados, sem declarações acessórias, ele, porque era incapaz, ela porque prescindia do dito pelo demonstrado, e era por demais demonstrado que ele gostava dela, que outra razão para a procurar com aquela regularidade suíça? Da parte dela não havia dúvidas, o amor tinha estilhaçado todos os tédios, estava rendida, se bem que não subjugada, aquilo da primeira dança com Artur Adriano intuíra-lhe a cautela das defesas, má intuição, talvez.
E, assim, um incapaz de dizer, ao menos, gosto, e outra defendida de dizer amo passaram a conviver como se todas as declarações.
Veio o primeiro beijo, quer dizer, aquele beijo, e aquilo que se lhe seguiu, e o entendimento deles era perfeito, nos entusiasmos, no empolgamento, no prazer, nas notas espirituais e nas razões do intelecto, só por exemplo, ela tinha por hábito adivinhar-lhe o pensamento, e aí sim, ele declarava-se espantado de fascínio, escrevia uma palavra no guardanapo de papel - passava-se isto pelos cafés - ela escrevia-lhe o sentido, ele, outra palavra, ela, outra tradução, sempre incansável, sempre infalível, filtro a coar luz pura, deixando de fora qualquer hipótese de escuridão. Aí sim, a rendição dele tinha o absoluto da verdade e a ousadia da entrega, os seus olhos não deixavam omitir ou apenas entreter.
Por falar nos seus olhos, eram castanhos, talvez a puxar para o mel, e gostavam de passear por superfícies alheias, quer dizer, por outras mulheres, podendo ser belas ou nem tanto ou mesmo nada, as mais das vezes mero pretexto para causar ciúmes, mas ciúmes era fardo de que ela não padecia, melhor explicar, a razão, sua praticamente exclusiva conselheira de época, geometrizava, se ele anda contigo é porque gosta de ti, se deixar de gostar de ti logo deixa de andar contigo, nem outra coisa se pretende, em tal caso, pese o que pesar. Não se pode dizer que a razão não tivesse razão, embora se revelasse um tanto megera ao manietar a emoção, em resumo, lá bem no longe, ela tinha ciúmes, só que não exercia de ciumenta, quanto mais não fosse, para não se expor.
Já ele, o incapaz de dizer gosto, talvez frustrado na incapacidade de arrancar uma, mesmo só uma, confissão de ciúme, sabe-se lá se na sua cabeça equivalência de amo-te, não se inibia de armar episódios de ciumeira, acusando-a de olhar para  os outros e de conceder atenção desmedida e sorrisos provocantes aos amigos que lhe ia apresentando. Mentira, ela era apenas simpática e não retaliava a mímica voyeurista dele, nunca foi dada a retaliações, guiava-se por princípios e valores que tinha por seguros, não carecia de imitar alteridades.
Neste disparatado jogo em que se jogavam, ela achou, todavia, por bem, fazer-lhe um aviso sério, embora, como sempre, embrulhado na calma dum sorriso, sua maneira de ser, olha, Artur, podes olhar para quem quiseres, mas se e quando passares dos simples olhares, fazes o favor de me avisar, que eu não alinho em esquemas a três. Ele ouviu, sorriu e calou, pelo menos não há memória de que tenha respondido algo de jeito, por exemplo, que ideia, eu amo-te, ou apenas, que ideia, eu gosto é de ti. Mas isso, como já se sabe, nunca seria de esperar de Artur Adriano.
Só para que conste, eram ambos jovens, vinte e poucos anos, ele mais um do que ela.   
 
 
 
 
 

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